quinta-feira, 10 de novembro de 2011

AÇÃO DE POSSE PROVISÓRIA DE FILHOS

Ao contrário do que pode parecer à primeira vista, a posse provisória de filhos (CPC, art. 888, III) não é uma medida cautelar, ainda que o deferimento dela em favor de um dos pais ou de terceiro venha apoiado no fundado temor de lesão trágica decorrente da permanência do menor com um ou ambos os genitores. Trata-se de medida jurisdicional que pode ser requerida em caráter preparatório ou incidental no processo judicial em que os pais controvertam, entre si ou com terceiro, a respeito da guarda do menor, mas que possui uma nítida índole antecipatória e satisfativa da decisão final mediante a qual o juiz determinará quem permanecerá como guardião da criança ou do adolescente. Por isso, está com a razão FUX quando defende a tese de que a posse provisória dos filhos pode ser obtida inclusive a título de tutela antecipada na ação de regulamentação da guarda (1). O que pode causar estranheza ao intérprete é o fato de uma medida satisfativa e antecipatória como essa poder ser postulada em processo antecedente àquele em que as partes discutirão quem reúne melhores condições de permanecer na guarda do menor. Porém, esse aparente enigma desaparece quando se tem em mente que a posse é um estado de fato e de direito que, por si só, não aniquila a guarda exercida pelos pais. Além disso, muitas vezes o pai ou a mãe, que pretende promover alguma ação matrimonial em relação ao outro, ainda não reúne todos os elementos e provas que lhe transmitam a segurança necessária para demandar a nulidade do matrimônio, a anulação do casamento ou o divórcio, juntamente com a regulamentação da guarda dos filhos. Logo, o que se considera na ação de posse provisória dos filhos menores ajuizada em caráter antecedente ou incidental à ação principal não é propriamente quem ostenta melhores condições de exercer a guarda, mas sim os interesses superiores da criança ou do adolescente que, diante de uma situação premente, necessita da proteção de um dos genitores ou mesmo de um terceiro (ECA, art. 148, parágrafo único, alínea a). Finalmente, cumpre observar que a expressão "desquite" utilizada no inciso III do artigo 888 passou a designar o instituto da separação judicial em decorrência da Lei nº 6.515/1.977, mas que este foi recentemente abolido do direito brasileiro em virtude da alteração que a Emenda Constitucional nº 66/2.010 imprimiu no § 3º do artigo 226 da Constituição Federal. De todo modo, não há razão alguma para o inciso III do artigo 888 associar a ação de posse provisória dos filhos apenas com a ação de anulação de casamento, seja porque esta não é a única ação matrimonial prevista no nosso ordenamento jurídico, seja porque a ação principal utilizada para definir o estado do menor pode ser até mesmo a de suspensão ou destituição do poder familiar, a de regulamentação ou de modificação da guarda.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
1. FUX, Luiz. Curso de Direito Processual Civil, Rio de Janeiro: Editora Forense, 2001.
2. MACIEL, Daniel Baggio. Processo Cautelar. São Paulo: Editora Boreal, 2012.

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

SEPARAÇÃO DE CORPOS "VERSUS" AFASTAMENTO TEMPORÁRIO DO CÔNJUGE

Uma das confusões mais comumente realizadas pelos práticos refere-se às medidas de separação de corpos e de afastamento temporário de um dos cônjuges da morada do casal. A separação de corpos é medida jurisdicional que está prevista nos artigos 1.562, 1.575, 1.580 e 1.585 do Código Civil e o objetivo dela é eximir temporariamente um dos consortes do "debitum conjugale" decorrente do casamento civil. Portanto, a medida de separação de corpos tutela a liberdade de disposição do próprio corpo e a dignidade do cônjuge ou do companheiro que, por uma razão ou outra, já não é mais capaz de conviver harmoniosamente com o outro. É por isso que essa providência judicial pode ser requerida incidentalmente ou antes mesmo de ser ajuizada a ação declaratória de nulidade do matrimônio, a ação de anulação do casamento, a ação de divórcio ou a ação declaratória da união estável, cumulada ou não com a ação de partilha e a de alimentos (CC, art. 1.562). Aliás, segundo o nosso entendimento, a efetivação da separação dos corpos é capaz até mesmo de inaugurar o prazo previsto no inciso II do artigo 1.597 do Código Civil, segundo o qual são presumidos do marido os filhos nascidos nos trezentos dias subsequentes à dissolução da sociedade conjugal, por morte, separação judicial, nulidade ou anulação do casamento. Por sua vez, o afastamento temporário de um dos cônjuges (ou companheiro) da morada do casal (CPC, art. 888, VI) é uma providência bem mais enérgica porque resulta o impedimento para que o outro permaneça coabitando com o beneficiário dessa tutela, além, é claro, de iniciar a contagem daquele prazo de trezentos dias cujo término neutraliza a presunção "juris tantum" de paternidade. Porque essas medidas judiciais são distintas, o juiz pode decretar a separação dos corpos sem ordenar o afastamento temporário do cônjuge da morada do casal, mas o deferimento desta abrange também aquela. Ademais, ainda que o requerente postule apenas a separação dos corpos, nada obsta a que o juiz determine também o afastamento temporário do consorte do lar conjugal, se os fatos descritos pelo postulante forem de tamanha gravidade que recomendem esse distanciamento e o magistrado perceber o equívoco na postulação. Com efeito, a distinção que fizemos tem total relevância não só do ponto de vista da adequação da postulação ao caso concreto, como também no tocante aos requisitos para a concessão de uma e outra medidas jurisdicionais. O deferimento do pedido de separação de corpos legitimador da negativa do cumprimento do "debitum conjugale" não fica na dependência do fundado receio de lesão grave e de difícil reparação, contentando-se, pois, com a simples ausência da afetividade que normalmente caracteriza as relações matrimoniais. Distintamente, a concessão da medida de afastamento temporário de um dos cônjuges da morada do casal só se justifica diante de situações fáticas que revelem o justo receio de que o requerente possa vir a sofrer agressões físicas ou morais pelo outro consorte, antes ou no curso dos processos judiciais originários da ação declaratória de nulidade do matrimônio, da ação de anulação do casamento, da ação de divórcio ou da ação declaratória da existência da união estável, cumulada ou não com a ação de partilha e a de alimentos. Seja como for, ainda que as medidas de separação de corpos e de afastamento de um dos cônjuges do lar conjugal repercutam eficazmente na proteção da integridade física e psicológica do respectivo beneficiário, ambas possuem índole satisfativa da pretensão de direito material porque acabam adiantando uma parcela dos efeitos jurídicos que decorrerão da sentença que declarar a nulidade do matrimônio, que anular o casamento ou que decretar divórcio do casal. Por expressa previsão legal (CC, art. 1.652 e CPC, art. 888, inc. III), as duas podem ser requeridas mediante ação preparatória ou mesmo incidentalmente no processo em curso. Antes da Emenda Constitucional nº 66/2.010, a efetivação da decisão mandamental de separação de corpos ou de afastamento temporário do cônjuge da morada do casal também inaugurava o prazo de um ano para a conversão da separação judicial em divórcio (CC, art. 1.580). Além disso, segundo iterativa jurisprudência, a realização dessas medidas judiciais igualmente servia para o cômputo do prazo exigido pelo § 2º do artigo 1.580 do Código Civil para o divórcio direto. Porém, com a supressão da separação judicial do nosso ordenamento jurídico e a desvinculação do divórcio de qualquer requisito temporal, o referido parágrafo perdeu a razão de ser. Finalmente, é importante anotar que o fato de a separação de corpos e o afastamento temporário do cônjuge da morada conjugal tramitarem segundo o procedimento previsto pelos artigos 801 a 803 do Código de Processo Civil não tem a capacidade de agregar cautelaridade a elas, afinal, a opção do legislador por esse procedimento especial sumarizado decorreu simplesmente da urgência congênita a essas ações processuais.
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REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA:
1. MACIEL, Daniel Baggio. Processo Cautelar. São Paulo: Editora Boreal, 2012.

sábado, 29 de outubro de 2011

A TUTELA DOS DIREITOS SUCESSÓRIOS DO NASCITURO

Conforme o artigo 2º do Código Civil, para as pessoas naturais a personalidade inicia-se no momento do nascimento com vida, vale dizer, quando é desfeita a unidade biológica entre a mãe e o feto mediante a separação deste do corpo daquela, seja naturalmente, seja com o auxílio de recursos médicos obstétricos. Porém, esse mesmo dispositivo legal também estabelece que a lei coloca a salvo os direitos do nascituro, desde a concepção. Isto significa que a titularidade de direitos e obrigações na ordem civil começa para a pessoa quando ela vem ao mundo com vida, mas que o ser humano já concebido também é destinatário da proteção legal, que antecipa uma parcela da eficácia das normas jurídicas que serão aplicadas a ele quando nascer. Por isso, é equivocado supor que o nascituro possui apenas uma mera expectativa de direito, até porque aqui a probabilidade de existência não recai propriamente sobre os direitos dele, que são certos, mas sim sobre o nascimento com vida da pessoa que os titulariza. Em outras palavras, o que fica sob condição não são os direitos do nascituro, mas sim o nascimento com vida do titular desses direitos. Para viabilizar parte da proteção legal referida pelo artigo 2º do Código Civil, os artigos 877 e 878 do Código de Processo Civil unem duas pretensões distintas: uma relativa à "prova do estado de gravidez" da mulher que leva no ventre o nascituro e outra relacionada à "imissão dela na posse dos bens" que caberão àquele, quando nascer com vida. Portanto, a ação de posse em nome do nascituro tem origem na junção de duas ações processuais distintas: a ação constitutiva da prova da gravidez e a ação de imissão na posse dos bens do nascituro. No entanto, é imperioso ressaltar que essas duas pretensões são inseparáveis e que o deferimento da segunda sempre fica na dependência do provimento da primeira, o que não significa que a mulher não possa se valer de uma outra ação processual se pretender apenas provar o seu estado de gravidez, o que pode ser feito mediante a justificação disciplinada nos artigos 861 a 866 do Código de Processo Civil. Apesar de a ação de posse em nome do nascituro objetivar a tutela dos direitos sucessórios daquele que provavelmente nascerá com vida, ela é totalmente desprovida de cautelaridade, razão pela qual o deferimento da imissão na posse em favor da mãe não se liga aos pressupostos do "fumus boni iuris" e do "periculum in mora". Ademais, sobrevindo o nascimento com vida, nenhuma outra ação processual será necessária para, em termos definitivos, atribuir efetividade aos direitos patrimoniais do recém-nascido, postos a salvo durante a gestação. O artigo 877 é expresso ao deferir a legitimação ativa para a “missio in possessionem ventris nomine” à mulher grávida e não especifica o estado civil dessa legitimada. Daí porque tanto a viúva como também a companheira podem manejar a ação de posse em nome do nascituro. Citanto PONTES DE MIRANDA em seus comentários ao Código Civil de 1.916, OVÍDIO BAPTISTA lembra também que a ação de posse em nome do nascituro pode ser igualmente ajuizada pelo curador caso a mulher grávida encontre-se interditada. Além disso, esses dois juristas não descartam a legitimação ativa do genitor, seja ele marido ou companheiro, desde que a gestante incapaz ainda não tenha sido interditada, que ele detenha o poder familiar em relação ao nascituro e que este venha a ser contemplado em testamento ou legado por terceiro já falecido. Porém, caso a mulher grávida ainda não esteja interditada em virtude de enfermidade ou deficiência mental e o pai daquele que já foi concebido houver falecido, a “missio ventris nomine” deverá ser promovida pelo Ministério Público. Por seu turno, o § 2º do artigo 877 não deixa dúvida de que no pólo passivo da relação processual devem ser colocados todos os demais herdeiros do autor da herança, o que exclui os titulares de simples meação patrimonial e o próprio espólio, embora este último seja um legitimado por excelência para múltiplas ações processuais relacionadas à herança (CPC, art. 12, inc. V). Finalmente cabe anotar que a intervenção do Ministério Público como custus legis é obrigatória no processo originário da ação de posse em nome do nascituro, salvo nos casos em que ele próprio se valer da sua legitimação extraordinária e funcionar como autor da demanda. Aliás, nessa particular situação, não faz o menor sentido exigir a intervenção de outro membro Ministério Público no processo, em razão dos princípios da unidade e da indivisibilidade que caracterizam o parquet brasileiro (CF, art. 127).
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
1. MACIEL, Daniel Baggio. Processo Cautelar. São Paulo: Editora Boreal, 2012.
2. SILVA, Ovídio de Araújo Baptista. Do Processo Cautelar. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2009.

sexta-feira, 28 de outubro de 2011

JUSTIFICAÇÃO JUDICIAL: CONCEITO E NATUREZA JURÍDICA

Como faz OVÍDIO BAPTISTA, é intencionalmente que usamos a expressão “ação de justificação” (CPC, art. 861 e seguintes) para realçar que a ação processual existe inclusive nos processos e procedimentos em que a jurisdição é voluntária. Aliás, todos os escritores concordam que a todo direito material corresponde uma ação processual que o assegura e que há, por assim dizer, uma certa simetria entre as definições de “pretensão de direito material” e de “ação de direito material”. Logo, se o ordenamento jurídico defere alguma pretensão a alguém, é absolutamente lógico concluir que ele também deve garantir a ação processual adequada para realizar essa pretensão em juízo, independentemente de haver ou não lide a ser resolvida no caso concreto. Assentados esses aspectos, pode-se dizer que a justificação é um direito material a que corresponde o direito de ação por meio do qual é satisfeita a "pretensão probatória" daquele que almeja demonstrar a "existência de um fato" ou "relação jurídica", seja para simples documentação e sem caráter contencioso, seja para servir de prova em processo regular. Dada a finalidade meramente probatória da justificação judicial, ela acaba guardando alguma semelhança com a medida de asseguração de prova prevista nos artigos 846 a 851 do Código de Processo Civil, embora entre ambas existam diferenças marcantes, dentre as quais cabe destacar a desvinculação dela dos pressupostos de concessão das medidas cautelares (o fumus boni iuris e o periculum in mora). Em outros termos, o ajuizamento, o processamento e a emissão de sentença na ação de justificação não se ligam ao fundado receio de dispersão ou perecimento da prova que o autor pretende obter e contenta-se com o simples interesse na constituição dela. Apesar de a justificação ser vocacionada à formação avulsa da prova que interessa ao autor e ir muito além da simples segurança de elementos de convicção, ela não pode ser confundida com a ação de conhecimento declaratória porque somente esta é capaz de resultar sentença que reconheça a existência ou não da relação jurídica afirmada ou negada pelo autor. Diversamente, a justificação provoca a instauração de um processo judicial que tramita segundo um procedimento de jurisdição voluntária em que a única finalidade é a obtenção de prova para simples documentação pessoal do requerente ou para a utilização em outro processo. Portanto, em hipótese alguma o juiz poderá, na justificação, emitir sentença declarando a existência ou não do fato ou da relação jurídica sobre a qual incidiu a prova e deverá limitar-se a homologá-la caso reconheça a regularidade do procedimento em que essa prova foi constituída. A justificação sempre deve objetivar exclusivamente a constituição de prova sobre fato ou relação jurídica, mediante a "inquirição de testemunhas". Portanto, fica excluída a possibilidade de pretender a justificação para a produção de prova técnica, a exemplo das perícias e das vistorias. De igual modo, também fica vedada a utilização dela para a realização de inspeção judicial em pessoa ou coisa, para a exibição de documentos pelos interessados citados e para colheita de depoimento pessoal ou interrogatório de quem quer que seja. Apesar disso, o artigo 863 do Código de Processo Civil permite ao requerente da justificação instruir a petição inicial com documentos relacionados ao fato ou à relação jurídica sobre a qual recairá a prova testemunhal, o que não desnatura o objeto dessa medida judicial. Com efeito, essa juntada de documentos não tem o intuito de influir na convicção do juiz a respeito do fato ou da relação jurídica que o promovente deve detalhar na petição inicial, afinal, na justificação não é dado ao magistrado emitir qualquer juízo de valor sobre aquilo que possa ser demonstrado pelos relatos testemunhais. Ao contrário disso, essa juntada de documentos objetiva apenas melhor informar o juiz a respeito do fato ou da relação jurídica a ser justificada e permitir que ele inquira com maior eficiência as testemunhas arroladas.
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REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA:
1. MACIEL, Daniel Baggio. Processo Cautelar. São Paulo: Editora Boreal, 2012.
2. SILVA, Ovídio de Araújo Baptista da. Do Processo Cautelar. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2001.

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

AÇÃO MONITÓRIA: BREVES APONTAMENTOS

A normatização da ação monitória não constou originalmente do Código de Processo Civil de 1.973 e nele somente foi introduzida com reforma realizada pela Lei 9.079/95, que acrescentou os artigos 1.102-a, 1.102-b e 1.102-c na Lei dos Ritos. Embora a ação monitória tenha suas raízes ligadas ao Direito Processual da Bélgica, foi no Código de Processo Civil da Itália que o legislador nacional buscou inspiração para discipliná-la, não obstante tenha atribuído a ela características bastante diferentes, dentre as quais merece destaque o fato de a ação monitória brasileira ser necessariamente documental, enquanto que a italiana é puramente dialética. Em outras palavras, o Direito italiano não exige que o autor da ação monitória apresente qualquer prova documental para legitimar o uso do procedimento especial que ela acarreta e contenta-se com a simples verossimilhança das afirmações feitas pelo requerente de que é credor do demandado. Assim, se o juiz italiano se convencer de que as alegações do autor tem aspecto de verdade no tocante à existência do direito de crédito, ele despachará a petição inicial ordenando a expedição do mandado de pagamento ou de entrega do objeto pretendido. No Direito brasileiro tudo se passa de modo diferente porque o artigo 1.102-a do nosso Código de Processo Civil estabelece que a ação monitória compete a quem pretender, com base em prova escrita sem eficácia de título executivo, pagamento de soma em dinheiro, entrega de coisa fungível ou de determinado bem móvel. Logo, sem a apresentação dessa tal prova escrita não-executiva torna-se totalmente inadequado o uso da ação monitória, o que resulta a emissão de sentença sem resolução de mérito por ausência de interesse de agir (CPC, art. 267, VI). De todo modo, o interessante é que o Direito nacional não exige que a ação monitória venha apoiada em provas formais, vale dizer, em documentos cujos requisitos de existência ou de validade estão definidos em lei, a exemplo dos títulos de crédito comerciais cuja prescrição da pretensão executiva já se consumou (cheque, nota promissória, duplicata, etc). Essa é a razão pela qual até mesmo documentos informais autorizam o uso dessa ação de injunção, a exemplo de cartas, fax, telegrama, ordem de serviço assinada pelo tomador, confissão de dívida subscrita apenas pelo devedor em instrumento particular. Enfim, o que verdadeiramente importa para o cabimento da ação monitória brasileira é que o juiz possa inferir, mediante cognição sumária, a “autenticidade da prova escrita” apresentada pelo autor e a “verossimilhança do conteúdo dela”. Convencido desses requisitos, o juiz despachará a petição inicial ordenando a expedição do mandado de pagamento ou de entrega para cumprimento em quinze dias. Cumprindo o mandado inicial no prazo legal, o réu ficará isento das custas processuais e dos honorários advocatícios sucumbenciais. Registre-se, entretanto, que o réu da ação monitória tem a alternativa de oferecer embargos em igual prazo, caso em que ficará suspensa a eficácia do mandado inicial de pagamento ou de entrega até o julgamento final no primeiro grau de jurisdição. A propósito, diferentemente do que ocorre com os embargos do devedor na ação de execução, os embargos monitórios são processados nos próprios autos da ação originária e independem de prévia segurança do juízo, vale dizer, de penhora, caução ou depósito. Oferecidos estes no prazo legal, o procedimento passará a ser o ordinário. Contudo, se o réu permanecer inerte frente ao mandado inicial ou sucumbir nos embargos, constituir-se-á, de pleno direito, o título executivo judicial. Com efeito, perceba que o Código de Processo Civil não disse que “o juiz constituirá o título executivo judicial”, tudo porque essa constituição ocorre “de pleno direito”, ou seja, com a simples ocorrência de um desses fatos processuais e independentemente de qualquer pronunciamento judicial sobre a petição inicial monitória. Em outros termos, a inércia do demandado, a rejeição ou a improcedência dos embargos agrega uma espécie de “choque de executividade” na prova escrita atrelada à petição inicial, tornando-a um título executivo judicial (pré-título + fato processual= título executivo judicial).
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1. MACIEL, Daniel Baggio. Breves comentários à ação monitória. Araçatuba: Página eletrônica Isto é Direito. Setembro de 2011. 

domingo, 18 de setembro de 2011

A DIFERENÇA ENTRE O ARROLAMENTO DE BENS E O SEQUESTRO

No Código de Processo Civil de 1.973, a medida cautelar de arrolamento de bens está prevista nos artigos 855 a 860. Nesses dispositivos legais foram disciplinados os seguintes aspectos dessa tutela de simples segurança: o cabimento (art. 855); os legitimados a requerer o arrolamento de bens (art. 856); os requisitos específicos da petição em que essa medida for postulada (art. 857); a audiência de justificação prévia, a liminar cautelar e a nomeação do depositário dos bens arrolados (art. 858); a lavratura do auto de arrolamento dos bens pelo depositário designado (art. 859); e a providência de aposição de selos nos imóveis e móveis caso a medida não possa ser concluída em um só dia (art. 860). No Código de Processo Civil de 1.939, o arrolamento de bens não foi disciplinado como um procedimento cautelar específico e era concebido apenas como uma medida de caráter probatório da existência de determinado patrimônio, ou seja, de inventariação preventiva. A regulação atribuída a essa medida cautelar pelos artigos 855 a 860 do Código de 1.973 alterou substancialmente a finalidade desse provimento cautelar e foi inspirada no Código de Processo Civil de Portugal (arts. 421 e seguintes), que se utiliza do arrolamento para um grande número de situações que ensejam, no Brasil, a adoção do sequestro de que tratam os artigos 822 a 825. Aliás, é essa a razão pela qual se torna delicada a exegese dos dispositivos legais que atualmente regulam o arrolamento de bens, afinal, não são raras as situações em que o jurista é colocado diante de situações concretas que, pelo menos prima facie, autorizariam tanto a concessão dele como também o deferimento do sequestro. Apesar disso e do fato de que essas duas medidas são assecuratórias de bens certos que demandam conservação para que se torne seguro o exercício de direito subjetivo pelo vencedor do futuro ou atual processo principal, pensamos que a opção entre uma e outra dá-se segundo um critério residual. A propósito, quando estudamos a medida cautelar de sequestro em artigo acadêmico anterior, vimos que o artigo 822 estabeleceu uma autêntica tipicidade para o deferimento dele ao optar por descrever as várias situações fáticas em que o juiz está autorizado a deferi-lo, o que não fez, contudo, na oportunidade em que disciplinou o arrolamento de bens. Logo, se o caso concreto não se ajustar àquelas fórmulas legais definidas no artigo 822 e houver, segundo prescreve o artigo 855, fundado receio de extravio ou dissipação de bens, o caso comportará arrolamento cautelar. É por essas razões que podemos definir o arrolamento previsto pelo artigo 855 como uma medida cautelar nominada de que resultam a documentação discriminada e o depósito judicial de bens afetados pelo fundado temor de extravio ou dissipação e sobre os quais o requerente tem interesse jurídico, fora das situações legais autorizadoras do sequestro.
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REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA:
1. MACIEL, Daniel Baggio. Processo Cautelar. São Paulo: Editora Boreal, 2012.

quarta-feira, 1 de junho de 2011

A AÇÃO DE REGRESSO DO ESTADO

As pessoas jurídicas, dentre elas o Estado, são incapazes de ações no plano naturalístico. Quem age em nome do Estado são os seus agentes, aos quais incumbe a realização de atividades que se inserem nos limites da sua competência ou para as quais foram contratados. Ao agir ou se omitir culposa ou dolosamente e causando dano a terceiro, o agente público vincula o Estado, tornando-o objetivamente responsável pela reparação do prejuízo causado ao particular. Porém, uma vez configurado o comportamento culposo ou doloso do agente estatal, deve o Poder Público, em vista do princípio da indisponibilidade da coisa pública, mover-lhe ação regressiva para se ressarcir de tudo aquilo que pagou ao particular já indenizado. Este é o conteúdo da parte final do artigo 37, parágrafo 6º, da Constituição Federal, que assegura o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa. Assim, com base no mencionado dispositivo constitucional, em razão do dano sofrido pela vítima, surgem duas responsabilidades patrimoniais: a do Estado, que é de natureza objetiva, e a do autor do dano, que tem fundamento na culpa. Diante da dupla responsabilidade que existe em casos tais, muito se tem debatido a respeito da legitimação passiva para ação de indenização a ser movida pelo lesado. Sustenta-se, de um lado, que a Constituição Federal onerou exclusivamente as pessoas jurídicas de direito público, obrigando-as pela indenização dos prejuízos que seus agentes causarem a terceiros. Segundo este entendimento, ao experimentar o dano, só resta ao particular ajuizar a ação adequada contra a pessoa jurídica, que, após ressarci-lo, remanesce com o direito de regresso contra o agente causador do dano. De outro lado, argumenta-se que, muito embora a Constituição Federal tenha criado responsabilidade objetiva para as pessoas jurídicas de direito público, não há qualquer obstáculo para que o lesado proponha ação indenizatória contra quem lhe parecer conveniente, isto é, apenas contra o Estado, apenas contra o agente que lhe provocou o prejuízo ou contra ambos, em litisconsórcio passivo facultativo. Há que se observar, entretanto, que a responsabilidade objetiva que recai sobre a pessoa jurídica não é extensiva ao autor do dano, que responde patrimonialmente perante o lesado ou diante do Estado apenas se restar provado culpa ou dolo de sua parte. Pela análise do mencionado artigo 37, parágrafo 6º, da Constituição, vê-se que o legislador constituinte realmente não almejou obstaculizar o direito do lesado de voltar-se contra o autor do dano, mas apenas facilitar o acesso à indenização contra o Estado por comportamentos lesivos de seus agentes. Conforme a dicção do artigo 5º, incisos V e X, não seria razoável a Constituição Federal assegurar a proteção a um número expressivo de direitos fundamentais da pessoa, inclusive contra o próprio Estado, garantindo a eles o direito à indenização do dano material e moral, para depois limitar tais disposições impedindo que o lesado exigisse a reparação diretamente do autor do dano. Assim, não resta dúvida de que o lesado pode eleger contra quem propor a demanda indenizatória, segundo a sua conveniência. Deste modo, ele poderá direcionar a pretensão indenizatória inclusive contra o agente causador do dano e contra a pessoa jurídica que estiver igualmente obrigada a repará-lo. Questão tormentosa nos tribunais é a possibilidade ou não de o Estado denunciar à lide o agente causador do dano, quando for chamado a reparar um dano sofrido pelo particular. Neste campo os posicionamentos se dividem porque há entendimento de que a denunciação da lide afigura-se obrigatória, sob pena de o Estado perder o direito de regresso contra o seu funcionário, como, ademais, determina o artigo 70, inciso III, do Código de Processo Civil (RT 690, p. 100). Há, de outra banda, posicionamento no sentido de que a admissão da denunciação à lide nestes casos implica introduzir novo fundamento na demanda e na modificação da sua “causa petendi”, isto é, a discussão em torno da culpa do agente causador do dano, o que não se pode conceber na processualística. Nesse sentido o acórdão relatado pela Juíza Valéria Maron, do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, proferido na apelação cível 7.387 (j. 16.10.96): "RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO - Ação pleiteada pela viúva de deputado falecido em acidente de trânsito. Demandada a administração pública por responsabilidade objetiva, descabe a denunciação da lide ao servidor, porque implica na introdução de fundamento novo (dolo ou culpa), estranho à "causa pretendi" da ação principal. O trabalho do parlamentar não se resume àquele realizado em seu gabinete ou no plenário. Inexistência de prova de culpa da vítima. A pensão mensal há de ser fixada levando em consideração os ganhos do "de cujus" por ocasião de sua morte. Segundo a jurisprudência dominante, o montante do dano moral deve ser fixado em 100 salário mínimos." No Superior Tribunal de Justiça há entendimento mais flexível no tocante à introdução de fundamento novo na lide, concluindo, porém, pela facultatividade da denunciação, a critério do juiz segundo as circunstâncias do caso: "RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO - Administrativo - Denunciação da lide - Direito de regresso - Agente do Estado - Inexistência de obrigatoriedade - Culpa objetiva e subjetiva - Adição de fundamento novo - Precedentes do STJ - CPC, artigo 70, III - CF/88, artigo 37, parágrafo sexto. A denunciação da lide ao agente do Estado em ação fundada na responsabilidade prevista no artigo 37, parágrafo sexto, da CF/88 não é obrigatória, vez que a primeira relação jurídica funda-se na culpa objetiva e a segunda na culpa subjetiva, fundamento novo não constante da lide originária" (STJ - EDiv. em Resp. nº 313.886 - RN - 1ª Seção - Rel. Ministra Eliana Calmon, J. 26.02.2004, DJ 15.03.2004). Porém, há ainda forte corrente doutrinária e jurisprudencial que interpreta restritivamente a mencionada norma que trata da denunciação à lide daquele que estiver obrigado, pela lei ou pelo contrato, a indenizar em ação regressiva o prejuízo do que perder a demanda. Nessa linha, conforme enfatiza Carlos Roberto Gonçalves (Responsabilidade Civil, Saraiva, 1.994, p. 153), o artigo 70, inciso III, do Código de Processo Civil, apenas cria a obrigatoriedade da denunciação “quando, resolvida a lide principal, torna-se automática a responsabilidade do denunciado, independentemente de discussão de culpa ou dolo (casos das seguradoras), isto é, sem a introdução de um fato ou elemento novo”. Em outros termos, quando a responsabilidade do terceiro não depender de sentença em processo de conhecimento, o réu deve valer-se do mecanismo da denunciação à lide, sob pena de perder o direito de acioná-lo em ação autônoma. No caso da ação de indenização promovida pelo particular contra o Estado, importa assinalar que o agente causador do dano somente terá responsabilidade se provada culpa ou dolo de sua parte em processo de cognição exauriente. Não sendo automático o ônus ressarcitório, a denunciação à lide do agente público deixa de ser obrigatória e passa a depender, pensamos, das circunstâncias de cada caso, mais propriamente da postura processual que o Poder Público adotar ao defender-se da pretensão indenitária. Por esse raciocínio, se na resposta à inicial da ação indenizatória o Estado admite a culpa do seu agente, é de se permitir a denunciação à lide, até mesmo em observância ao princípio da economia processual. Em casos tais, diante da falta de resistência ao pedido indenizatório, dificilmente alguma discussão altamente complexa surgirá no decorrer do processo, em detrimento do autor. Logo, para se evitar ulterior ação regressiva do Estado contra o agente público, não haverá prejuízo algum em se admitir a denunciação à lide. Em sentido contrário, se a contestação da Fazenda Pública nega a conduta culposa ou dolosa do seu agente a fim de tentar se esquivar da obrigação de reparar o dano, não haverá motivo para se tolerar a denunciação à lide, até mesmo por uma questão de lealdade processual para com o autor da ação e com o próprio Judiciário. Ora, se o próprio Estado nega a conduta ilícita do seu funcionário, como pode tentar responsabilizá-lo simultaneamente na mesma ação, valendo-se do artigo 70, inciso III, do Código de Processo Civil? Detectada a contrariedade entre os fundamentos da contestação estatal e da denunciação à lide, o juiz deve indeferir a intervenção do terceiro na lide, isto é, do agente público litisdenunciado, também em homenagem aos princípios da lealdade e da boa-fé, que igualmente vinculam o Estado.
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REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA:
1. MACIEL, Daniel Baggio. A Responsabilidade Patrimonial do Estado pela Atividade Jurisdicional. São Paulo: Editora Boreal, 2006.

terça-feira, 31 de maio de 2011

AÇÃO DE REVISÃO CRIMINAL

No direito brasileiro a eliminação do erro judiciário penal após o trânsito em julgado da sentença penal condenatória está condicionada ao ajuizamento da revisão criminal e à procedência da pretensão nela deduzida. É o que se extrai da cabeça do artigo 622 do Código de Processo Penal, segundo o qual “a revisão poderá ser requerida em qualquer tempo, antes da extinção da pena ou após”. Portanto, no Brasil o direito à revisão da condenação não é elidido pela coisa julgada material e formal constituída no processo penal. Mais do que isso, a revisão também não se sujeita a prazo, porque ela pode ser pedida antes ou depois da extinção da pena, pelo próprio réu ou por procurador legalmente habilitado ou, em caso de morte do condenado, pelo cônjuge, ascendente, descendente ou irmão, conforme o artigo 623 dessa lei adjetiva. Procedente o pedido revisional fundamentado em uma das hipóteses do artigo 621 do Código de Processo Penal, surgirá para o Estado (União ou Estado-membro, conforme o caso) a responsabilidade de indenizar o condenado por erro judiciário, independentemente de culpa, nos termos do artigo 630 do Código de Processo Penal e do artigo 37, parágrafo 6º, da Constituição Federal. Pela interpretação sintática do “caput” do referido artigo 630, parece que o legislador infraconstitucional, após estabelecer a necessidade de revisão criminal para a rescisão da sentença penal condenatória, tornou a indenização do erro judiciário uma mera faculdade a ser reconhecida pelo Tribunal competente, ou seja, sem caráter obrigatório mesmo quando requerida pelo lesado. Isso porque a estrutura normativa deste dispositivo emprega a palavra “poderá”, aparentando que a concessão da indenização nestes casos se sujeita à “discricionariedade” do órgão colegiado de revisão, isto é, uma espécie de favor a ser concedido ou não pelo Estado. Porém, aqui a interpretação literal não corresponde ao método adequado para a compreensão da mensagem do legislador e do alcance deste preceito legal. Na verdade, a indenização de que trata o “caput” do artigo 630 constitui direito subjetivo daquele que foi absolvido da injusta condenação já passada em julgado. Procedente do pedido revisional, tem o jurisdicionado a faculdade de exigir do Estado a indenização que lhe assegura esta regra e, em primeiro plano, na Constituição Federal, no artigo 5º, inciso LXXV. “Ter o direito de exigir” do Estado a indenização correspondente ao erro judiciário não significa que “deva o requerente reclamá-la no âmbito da revisão criminal”. É neste sentido que a cabeça do artigo 630 do Código de Processo Penal deve ser interpretada, isto é, se houver pedido expresso de ressarcimento de danos na petição inicial e a revisão for procedente, o Tribunal deverá julgar o pedido indenitário à vista das provas coligidas e deferir ao requerente as indenizações pertinentes, que podem abranger danos patrimoniais e danos morais. A respeito do assunto, o Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais assim se manifestou na oportunidade do julgamento dos Embargos de Declaração nº 178.777-9/01, em que foi relator o Desembargaddor Kelsen Carneiro (DJMG 18.04.2001): "EMBARGOS DE DECLARAÇÃO - Revisão criminal - Condenação indevida - Pedido expresso de indenização - Acórdão - Não apreciação - Omissão - Existência. Contém omissão o acórdão proferido na revisão criminal que deixa de examinar pedido expresso do peticionário, no sentido de reconhecer em seu favor o direito a uma justa indenização, nos termos do artigo 630 do CPP, em razão de ter sofrido condenação indevida, devendo ser acolhidos os embargos de declaração para suprimir a omissão verificada, completar o julgado e reconhecer o direito à reparação." Se, de outro lado, o requerente deixou de deduzir pretensão indenizatória expressa, o órgão colegiado está impedido de deferir a reparação, ainda que os danos experimentados pelo lesado sejam notórios, afinal, aqui também vige o princípio da ação. Ademais, o juiz não pode julgar “extra petita” ou “ultra petita”, dadas as vedações contidas nos artigos 2º, 128 e 460 do Código de Processo Civil. De fato, a indenização do erro judiciário não precisa ser postulada juntamente com a revisão criminal. Pode ser requerida depois da revisional, mediante ação autônoma. Será imprescindível, porém, a procedência da revisão e a absolvição do réu para que o judiciário possa deferir as reparações pretendidas pelo lesado. A título de exemplo, imagine o caso de um condenado que dispõe de provas suficientes para a propositura e procedência da revisão criminal, mas que ainda não conseguiu obter outras a respeito da extensão total dos danos que sofreu pela injusta condenação. Nesta hipótese, a cautela recomenda que se obtenha preliminarmente a rescisão do julgado criminal para depois, em outro momento, manejar a demanda indenizatória, isto é, quando forem reunidos elementos de convicção sobre a existência dos danos materiais e morais.
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REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA:
1. MACIEL, Daniel Baggio. A Responsabilidade Patrimonial do Estado pela Atividade Jurisdicional. São Paulo: Editora Boreal, 2006.

segunda-feira, 23 de maio de 2011

MEDIDAS CAUTELARES DE OFÍCIO

Dentre os dispositivos que compõem o Livro III do CPC, talvez o artigo 797 seja o que produz maior dificuldade de interpretação e desencontros entre os escritores. Por isso, sem a intenção de dizermos a última palavra, buscaremos atribuir-lhe um entendimento que reputamos compatível com a teoria geral do processo e com as demais regras de direito cautelar. Nesse dispositivo legal, há a previsão de que “só em casos excepcionais, expressamente autorizados por lei, o juiz determinará medidas cautelares sem ouvir as partes.” Com essa redação o legislador normatizou o poder do magistrado ordenar medidas cautelares "inaudita altera pars", sem pedido e contraditório prévio acerca dos pressupostos dessa espécie de tutela, isto é, de ofício. Ao fazê-lo, o artigo 797 excepciona a regra geral contida no artigo 2º do Código, que proíbe o juiz de prestar a tutela jurisdicional sem que haja requerimento da parte ou interessado, nos casos e formas legais (respectivamente, princípios da inércia da jurisdição e da legalidade das formas). Embora esses dois dispositivos legais sejam aparentemente contrastantes, a conjugação de ambos permite a natural conclusão de que a inércia da jurisdição é a regra geral, excepcionável pelo próprio ordenamento jurídico em situações especiais. Exceções como a do artigo 797 não podem causar espanto ao intérprete porque há casos em que o Código permite ao juiz proceder sem a provocação da parte ou do interessado, assim como ocorre no inventário de ofício (art. 989) e na arrecadação de bens do ausente (art. 1.142). Apesar de o magistrado poder ordenar medidas cautelares de ofício, ele somente as determinará se houver um processo judicial em curso, quando nele atuará incidentalmente diante da iminência do dano. A propósito, é impensável que o juiz esteja autorizado a ordenar medidas de segurança antes de formada a relação processual, o que acabaria por neutralizar o princípio da inércia da jurisdição e distorcer a mensagem revelada no próprio artigo 797, cuja redação pressupõe a existência de um processo. Ademais, ordenações tais romperiam com o princípio do acesso à justiça, que defere aos jurisdicionados o direito de demandar em juízo, não o dever de fazê-lo (CF, art. 5º, XXXV). Assentados esses aspectos, não se pode deixar de reconhecer no artigo 797 um certo pleonasmo quando diz que o juiz poderá determinar medidas cautelares de ofício “só em casos excepcionais, expressamente autorizados por lei.” Ora, se a regra é a inércia da jurisdição e houver no caso concreto autorização legal para a medida cautelar de ofício, ele só pode mesmo ser excepcional. De qualquer modo, ao falar da excepcionalidade das medidas cautelares sem requerimento, parece claro que o legislador pretendeu advertir o magistrado acerca da regra geral da inércia da jurisdição. Também não resta dúvida de que ele se preocupou em evitar a responsabilidade indenitária do Estado por ato do juiz, ciente de que muitas medidas cautelares são hábeis à causação de danos aos jurisdicionados (CF, art. 37, § 6º). Pelo exposto, podemos concluir que o juiz pode ordenar medidas cautelares de ofício, contanto que exista autorização legal expressa para o caso concreto, que a tutela seja necessária e que esteja em curso alguma relação processual. Contudo, resta saber quais são as situações em que essa ordenação judicial é juridicamente possível. Como critério de identificação das medidas cautelares determináveis de ofício, OVÍDIO BAPTISTA propõe a separação das providências de “defesa da jurisdição” daquelas outras de “defesa do direito ameçado” e ensina que as primeiras visam à preservação da seriedade da função jurisdicional, motivo pelo qual podem ser ordenadas sem requerimento da parte e contraditório, ao passo que as medidas de defesa do direito somente são decretáveis se o interessado as requerer, afinal, o magistrado não pode agir "ex officio" no domínio da jurisdição civil. SIDNEY SANCHES exemplifica algumas medidas cautelares decretáveis sem requerimento da parte: 1) O artigo 125 do CPC relaciona os poderes-deveres do magistrado na presidência do processo, dentre eles o de prevenir ou reprimir qualquer ato atentatório à dignidade da justiça como acontece quando ordena a busca e apreensão de autos retidos injustificadamente pela parte e a proíbe de vistá-los fora do cartório. 2) O artigo 266 veda que as partes, o Ministério Público e o próprio juiz pratiquem qualquer ato processual durante a suspensão do processo, mas permite ao magistrado determinar a realização de atos urgentes para evitar dano irreparável ou de difícil reparação. 3) O artigo 588, inciso II, autoriza ao juiz ordenar na execução provisória que o exequente preste caução idônea para que levante depósito em dinheiro ou pratique atos que importem alienação do domínio ou outros dos quais possa resultar dano grave ao executado. 4) O artigo 653 possibilita ao juiz determinar a feitura do arresto pelo oficial de justiça na execução por quantia certa contra devedor solvente quando este não for encontrado para a citação. 5) O artigo 804 prevê que o juiz, ao deferir a medida cautelar liminarmente ou após justificação prévia sem ouvir o réu, pode determinar que o requerente preste caução real ou fidejussória de ressarcir os danos que o requerido venha a sofrer. 6) O parágrafo único do artigo 1.000 atribui ao juiz o poder de nomear outro inventariante, observada a preferência legal, quando acolher a reclamação contra aquele que até então desempenhava o encargo. 7) Conforme o artigo 1.001, o juiz poderá mandar reservar em poder do inventariante o quinhão do herdeiro excluído se não admiti-lo no inventário e remetê-lo às vias ordinárias. 8) O parágrafo único do artigo 1.018 diz que o juiz poderá mandar reservar em poder do inventariante bens suficientes para pagar o credor quando as partes do inventário não concordarem com o pedido de pagamento e o credor for remetido às vias ordinárias. Embora o juiz possa ordenar de ofício várias providências cautelares tendentes à defesa da jurisdição, fica fácil ver que o artigo 797 é ostensivamente cerceador da atividade jurisdicional. Ao impor a excepcionalidade das medidas cautelares de ofício e exigir expressa autorização legal para ordená-las, esse dispositivo legal acaba nutrindo um antigo fator ideológico que orientou certas doutrinas processualistas retrógradas, responsáveis por reduzir o magistrado a um mero espectador da lide.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
1. MACIEL, Daniel Baggio. Processo Cautelar. São Paulo: Editora Boreal, 2012.
2. SILVA, Ovídio de Araújo Baptista da. Do Processo Cautelar. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2009.
3. SANCHES, Sidney. O poder geral de cautela do juiz. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1978.

terça-feira, 17 de maio de 2011

AÇÃO CAUTELAR DE PRODUÇÃO ANTECIPADA DE PROVAS

Quem ler o artigo 846 do CPC verá que ele aparentemente limita o campo de incidência da ação de asseguração de provas ao relacionar somente o interrogatório da parte, a inquirição de testemunhas e o exame pericial. Contudo, não há dúvida de que o Código de 1973 mostrou-se razoavelmente liberal ao estabelecer que todos meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados em lei, são hábeis à prova dos fatos em que se funda a ação ou a defesa. Atentos à essa previsão legal do artigo 332, acreditamos que outros meios de prova não contemplados expressamente no artigo 846 também podem ser assegurados contra o fundado receio de dano, tal qual a inspeção judicial (arts. 440 a 443). THEODORO JÚNIOR compartilha dessa mesma opinião ao dizer que embora o Código tenha regulado especificamente a antecipação de provas orais e periciais, não há empecilho a que o juiz, dentro do seu poder geral de cautela (art. 798), admita medidas similares com relação a outros meios de convencimento, como, por exemplo, a inspeção judicial (art. 440). Portanto, não vemos como exaustiva a previsão do artigo 846, de modo que, ao menos em princípio, não descartamos a possibilidade jurídica da asseguração de outras provas previstas no Código, além das moralmente legítimas e que ele não regulou expressamente, contanto que presentes os pressupostos de concessão das medidas cautelares. Entretanto, é certo que o procedimento para a asseguração dependerá da espécie probatória pretendida no caso concreto. Para a tutela da prova documental vale recordar que o Código regulou expressamente a providência da exibição (art. 844), motivo pelo qual acreditamos não ser possível aplicar as previsões do artigos 846 e seguintes para essa espécie probatória. A propósito, a doutrina é bastante tolerante com a utilização da ação cautelar de busca e apreensão para a asseguração da prova documental.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
1. MACIEL, Daniel Baggio. Processo Cautelar. São Paulo: Editora Boreal, 2012.
2. THEODORO JÚNIOR, Humberto. Processo Cautelar. São Paulo: Editora Leud, 2010.