segunda-feira, 14 de julho de 2008

A CONDENAÇÃO DO BENEFICIÁRIO DA GRATUIDADE DA JUSTIÇA

Em processo civil, a regra geral é aquela segundo a qual a parte tem a obrigação de custear todas as despesas decorrentes das atividades processuais, inclusive de adiantar os respectivos pagamentos. Entretanto, impor indiscriminadamente esse ônus material como pressuposto para a prestação jurisdicional significaria obstaculizar o acesso das pessoas economicamente desfavorecidas ao Poder Judiciário. Daí porque a Constituição da República garante a “assistência judiciária aos necessitados”, na forma da lei (art. 5º, LXXIV). No Brasil, é a Lei 1060/50 que regula o que muitos conhecem por “Justiça Gratuita”, deferindo os benefícios dessa gratuidade aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país, contanto que necessitados. Conforme a dicção legal, entende-se por “necessitado” não somente o miserável, mas também “todo aquele cuja situação econômica não lhe permita pagar as custas do processo e os honorários do advogado, sem prejuízo do sustento próprio ou da família” (art. 2º, par. único). Aliás, independentemente de atestado de pobreza passado por autoridade pública ou de informações sobre vencimentos, rendimentos e encargos próprios e familiares, "presume-se pobre, até prova em contrário, quem afirmar essa condição nos termos da lei" (art. 4º, § 1º). Os benefícios da assistência judiciária abrangem: a) serviços advocatícios gratuitos; b) isenção do pagamento das despesas processuais até a solução final da causa. Sobrevindo o julgamento do processo, os ônus da derrota são estabelecidos da seguinte forma: a) se o assistido sair “vencedor”, seu assistente terá o direito de receber honorários advocatícios devidos pela parte perdedora; b) se o assistido for “derrotado”, não terá a incumbência de ressarcir as despesas do processo e tampouco de pagar os honorários advocatícios da parte vitoriosa, ao menos em princípio. Fala-se "em princípio" porque o artigo 12 da Lei 1060/1950 prevê uma espécie de “condenação condicional” ao pagamento das custas (em sentido amplo) pelo assistido que sucumbir no processo judicial, obrigação essa cuja execução fica suspensa até que ele possa satisfazê-la, mas que prescreve em 5 anos contados da sentença. Em cima de alguns precedentes do Superior Tribunal de Justiça, THEODORO JÚNIOR é da opinião de que o citado artigo 12 não foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988, razão pela qual não haveria mais fundamento legal para essa modalidade de condenação condicional (v.g. REsp. 61976-9). Nada obstante, no Supremo Tribunal Federal há entendimento oposto, no sentido de que esse dispositivo legal não é incompatível com o inciso LXXIV do artigo 5º da Lei das Leis (RT 781/170). Embora tenhamos enorme simpatia pela solução adotada pelo eminente jurista mineiro, não conseguimos visualizar sob qual aspecto o referido artigo 12 estaria a afrontar o ordenamento constitucional, razão da nossa adesão à orientação da Corte Suprema.
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1. MACIEL, Daniel Baggio. A condenação do beneficiário da gratuidade da justiça. Araçatuba: Página eletrônica Isto é Direito. Julho de 2008.

quinta-feira, 10 de julho de 2008

A ADOÇÃO DO PROCEDIMENTO SUMÁRIO

O procedimento sumário é uma espécie de procedimento comum, tal qual o ordinário (CPC, art. 272). Ele está compreendido entre os artigos 275 e 281 da Lei dos Ritos, onde é possível observar que o legislador lançou mão de algumas técnicas de simplificação procedimental no anseio de acelerar a prestação jurisdicional nos processos de conhecimento. Dentre essas técnicas, podem ser realçadas a "oralidade" e a "concentração dos atos processuais". Com efeito, na visão do legislador de 1973, era razoável a constituição do rito sumário porque muitas causas envolvem valores econômicos não expressivos do ponto de vista objetivo e, ao menos em princípio, nada justifica submetê-las a um procedimento tão dilatado, no caso, o ordinário. Além disso, várias demandas abrangem temáticas de menor complexidade jurídica e, por igual razão, afigura-se supérfluo o emprego de um rito bem mais amplo. Assim é que o artigo 275 do Código adotou dois critérios distintos para a aplicação do procedimento sumário, quais sejam: o do "valor da causa" e o da "natureza da matéria". Pela ordem legal, observarão o rito sumário as causas cujo valor não seja exceda a 60 vezes o valor do salário mínimo (CPC, art. 275. I). Embora esse critério seja bastante simples, na prática ele pode ensejar algumas dúvidas. A primeira delas diz respeito ao valor do salário mínimo, porque atualmente há um piso nacional e vários outros regionais. Em que pese essa realidade, o piso a ser seguido para efeito de adoção do rito sumário é o nacional. Além disso, para a aferição do valor da causa, deve ser levado em conta o valor do salário mínimo vigente no momento do ajuizamento da ação processual. Também é bom anotar que o fato de o valor da causa não superar o teto de 60 salários mínimos não impede que o juiz condene o réu em quantia superior a esse patamar, situação essa bastante comum nas demandas envolvendo indenizações por danos morais (REsp. 212576). De outro lado, independentemente do valor da causa, observarão o procedimento sumário as causas (art. 275, II): a) de arrendamento rural e de parceria agrícola; b) de cobrança ao condômino de quaisquer quantias devidas ao condomínio; c) de ressarcimento por danos em prédio urbano ou rústico; d) de ressarcimento por danos causados em acidente de veículo de via terrestre; e) de cobrança de seguro, relativamente aos danos causados em acidente de veículo, ressalvados os casos de processo de execução; f) de cobrança de honorários dos profissionais liberais, ressalvado o disposto em legislação especial; g) nos demais casos previstos em lei. Portanto, fica fácil ver que no inciso II o legislador abandonou completamente o critério do valor da causa, para considerar exclusivamente a matéria posta em juízo pelo autor. Tão importante quanto conhecer os incisos I e II do artigo 275 é atentar para o disposto no parágrafo único, segundo o qual o procedimento sumário não será observado nas ações relativas ao estado e à capacidade das pessoas, a exemplo das ações de divórcio, anulação de casamento, declaratória de nulidade de matrimônio, alimentos, investigação de paternidade, guarda, tutela, curatela, interdição, dentre outras.
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1. MACIEL, Daniel Baggio. A adoção do procedimento sumário. Araçatuba: Página eletrônica Isto é Direito. Julho de 2008.

quarta-feira, 9 de julho de 2008

A EXECUÇÃO POR QUANTIA CERTA CONTRA A FAZENDA PÚBLICA

Os artigos 730 e 731 do Código de Processo Civil cuidam da execução contra a Fazenda Pública, isto é, daquela passível de ajuizamento contra a União, Estados, Municípios, Territórios, Distrito Federal, autarquias e fundações instituídas pelo Poder Público. Embora integrem a Administração Pública indireta ou descentralizada, as empresas públicas e as sociedades de economia mista não são beneficiadas por esse modelo especial de execução, ao menos ordinariamente. Assim como as pessoas jurídicas de direito privado em geral, ambas são demandadas na forma prevista pelos artigos 646 e seguintes do Código de Processo Civil, razão pela qual seus bens, rendas e serviços não se conservam imunes à penhora. Contudo, há precedentes do Supremo Tribunal Federal de que a execução contra empresas públicas e sociedades de economia mista prestadoras de serviços genuinamente públicos se submete ao procedimento previsto nos artigos 730 e 731 da Lei dos Ritos, a exemplo da Empresa Brasileira de Correios e da Centrais Elétricas do Norte Brasil Sociedade Anônima (RE 220.906 e RE 599.628), entendimento esse de que resulta a impenhorabilidade do patrimônio delas. O principal argumento utilizado para a defesa dessa tese (com a qual não concordamos) é o de que a continuidade dos serviços públicos por elas desempenhados poderia ficar seriamente comprometida caso essas pessoas jurídicas se subordinassem à execução comum manejável em face dos particulares. Seja como for, é importante frisar que o regime processual ditado pelo artigo 730 apenas faculta à Fazenda Pública a oposição de embargos após a citação, não o imediato pagamento da quantia descrita no título executivo (Súmula 279 do STJ). Além disso, o patrimônio público que incumbe a ela também não fica sujeito à penhora, justamente porque os bens de uso comum do povo e os de uso especial são inalienáveis, enquanto conservarem a sua qualificação, na forma que a lei determinar (CF, art. 100). Embora o artigo 730 mencione o prazo de 10 dias para a oposição dos embargos pela Fazenda Pública, esse prazo foi dilatado para 30 dias por força da Lei 9.494/1.997 (art. 1º-B), privilégio este extensivo aos embargos oponíveis pelo INSS em virtude da Lei 8.213/1.991 (art. 130), com a redação que lhe foi atribuída pela Lei 9.528/1.997 (vide nota abaixo). Teoricamente, o procedimento executivo regulado pelo artigo 730 é bastante simples. Apresentada a petição inicial pelo exequente, a Fazenda Pública será citada e poderá opor os seus embargos no prazo legal. Caso os embargos não sejam opostos, o juiz da execução solicitará ao presidente do respectivo tribunal a inscrição do crédito em precatório visando ao pagamento no ano seguinte, quando a inscrição for feita até o dia 1º de julho do ano anterior. Se os embargos apresentados forem julgados improcedentes, sem prejuízo da apelação manejável pela embargante, a sentença emitida contra a Fazenda Pública será submetida ao duplo grau de jurisdição obrigatório, isto é, ao reexame necessário pelo tribunal (CPC, art. 475, I), salvo se o direito controvertido não exceder a 60 salários mínimos ou se a decisão estiver fundada em jurisprudência do plenário do Supremo Tribunal Federal, em súmula deste tribunal ou do tribunal superior competente (CPC, art. 475, §§ 2º e 3º). Após a confirmação da sentença proferida nos embargos, o juiz da execução solicitará o pagamento na forma acima especificada, o que resultará igualmente a inscrição do crédito em precatório. Não há a necessidade de precatório se o crédito exigido for de pequeno valor. Nesses casos, o pagamento é feito no prazo estabelecido pelo magistrado, após o trânsito em julgado da sentença que decidir os embargos porventura opostos pela Fazenda Pública. Na medida em que são requisitados os pagamentos à Fazenda Pública, entre os precatórios vai se formando uma ordem cronológica que servirá especialmente para determinar a sequência dos pagamentos a serem feitos aos respectivos beneficiários. Conforme o artigo 731 do Código Processual e o § 2º do artigo 100 da Lei das Leis, o descumprimento dessa tal ordem cronológica possibilita ao exequente requerer o sequestro da quantia equivalente ao seu crédito. Embora denominada sequestro, essa providência não possui cautelaridade e em nada se assemelha à medida regulada nos artigos 822 a 825 da Lei dos Ritos, mesmo porque a concessão dela não se prende ao "fumus boni iuris" e ao "periculum in mora". Trata-se, pois, de uma providência de natureza eminentemente satisfativa, ordenável contra a Fazenda Pública devedora. A propósito, se a execução orienta-se apenas em face da Fazenda Pública, não contra o credor favorecido pela quebra na sequência dos precatórios, nada faz crer que esse sequestro executivo possa ser decretável contra ele, que sequer integra a relação processual. Ademais, é preciso considerar que a subversão da ordem cronológica dos pagamentos é ilícito debitável à Fazenda Pública, não ao particular a quem foi destinado o respectivo crédito. É por essas razões que, com a devida vênia, divergimos de MONTENEGRO FILHO (2008, p. 743), segundo quem o pedido de sequestro deve ser formulado contra o credor indevidamente beneficiado pelo descumprimento da ordem cronológica de pagamento. 
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1. MACIEL, Daniel Baggio. A Execução contra a Fazenda Pública. Araçatuba: Página eletrônica Isto é Direito. Julho de 2008.
2. MONTENEGRO FILHO, Misael. Código de Processo Civil comentado. São Paulo: Saraiva, 2008.
3. A sentença condenatória ao pagamento de soma em dinheiro emitida por Juizado Especial da Fazenda Pública dispensa o ajuizamento da sucessiva ação de execução e é cumprida no ambiente do próprio processo de conhecimento, em uma mera fase executiva que se desencadeia após o trânsito em julgado da decisão final. Portanto, a execução forçada da referida sentença não demanda a apresentação de uma petição inicial, senão apenas de um simples requerimento executivo contendo a planilha demonstrativa dos cálculos de atualização da dívida, bem como a prova do respectivo termo ou condição a que se liga a exigibilidade da obrigação (vide Lei 12.153/2.009).
4. Informativo do STF nº 461/2007: Medida Provisória: Ampliação de Prazo para a Fazenda Pública. O Tribunal deferiu medida cautelar em ação declaratória de constitucionalidade proposta pelo Governador do Distrito Federal para suspender os processos em que se discute a constitucionalidade do artigo 1º-B da Lei nº 9.494/97, acrescentado pelo artigo 4º da Medida Provisória 2.180-35/2001, que ampliou para 30 dias o prazo que os artigos 730 do CPC e 884 da CLT concediam à Fazenda Pública para oferecimento de embargos à execução. Salientando-se que, por força da regra da separação de poderes, o Poder Judiciário dispõe, em caráter excepcional, de competência para examinar os requisitos constitucionais legitimadores da edição de medidas provisórias (CF, artigo 62), entendeu-se que, no caso, o Chefe do Poder Executivo, a princípio, não teria transposto os limites desses requisitos. Asseverou-se, no ponto, ser dotada de verossimilhança a alegação de que as notórias insuficiências da estrutura burocrática de patrocínio dos interesses do Estado e o crescente volume de execuções contra a Fazenda Pública tornavam relevante e urgente a ampliação do prazo para ajuizamento de embargos. Ressaltou-se, ademais, o longo tempo que o projeto de Lei nº 2.689/96, apresentado com igual propósito, aguarda para ser deliberado, enquanto mais um elemento expressivo da relevância e urgência da Medida Provisória 2.180-35, que teve seu artigo 1º-D, que exime a Fazenda Pública do pagamento de honorários advocatícios nas execuções não embargadas, declarado, incidentalmente, constitucional no julgamento do RE 420816/PR (DJU de 10.11.2006). Considerou-se presente também o periculum in mora, haja vista que configurada a controvérsia jurisprudencial a respeito da constitucionalidade da norma em questão, e cuja incerteza acarreta riscos evidentes de dano ao interesse público. ADC 11 MC/DF, rel Min. Cezar Peluso, 28.3.2007.

segunda-feira, 7 de julho de 2008

A EVOLUÇÃO DOS PODERES DO RELATOR

No passado, as funções do relator eram bastante reduzidas em matéria recursal. Praticamente, a atuação dele limitava-se ao exame dos pressupostos de admissibilidade dos recursos e à elaboração dos respectivos relatórios para leitura nas sessões de julgamento. Com a redação dada ao artigo 557 do Código de Processo Civil pelas Leis 9139/95 e 9756/98, o relator recebeu novos poderes, inclusive para julgar sozinho o mérito recursal em determinadas situações. Atualmente, com amparo nesse dispositivo legal, o relator poderá negar seguimento a recurso manifestamente inadmissível, improcedente, prejudicado ou em confronto com súmula ou jurisprudência dominante do respectivo tribunal, do Supremo Tribunal Federal ou de Tribunal Superior (“caput”). De outro lado, se a decisão recorrida estiver em manifesto confronto com súmula ou jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal ou de Tribunal Superior, o relator poderá dar provimento ao recurso (§ 1º-A). A expressão “negar seguimento” constante do artigo 557 envolve uma decisão monocrática e uma das suas consequências é justamente impedir que o recurso avance para o julgamento colegiado. Portanto, nas hipóteses acima enumeradas, é o relator que decidirá sozinho. Quando ele declarar que o recurso é “inadmissível” ou “prejudicado”, o expediente não avançará por questões “meramente processuais”, a exemplo da intempestividade, da deserção e da ausência de formalidade essencial. No entanto, caso o relator pronuncie que o recurso é manifestamente “improcedente” ou “em confronto com súmula ou jurisprudência dominante” do respectivo tribunal, do Supremo Tribunal Federal ou de Tribunal Superior, ele estará proferindo “julgamento de mérito” e decidindo pelo “desprovimento” da pretensão do recorrente. Nas hipóteses delineadas pelo §1º-A, o relator também estará emitindo “julgamento de mérito”, vale dizer, se a decisão recorrida estiver em manifesto confronto com súmula ou jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal ou de Tribunal Superior. Porém, aqui a pretensão do recorrente estará recebendo “provimento” mediante decisão monocrática. É importante lembrar que essas previsões do artigo 557 são aplicáveis a todos os recursos no processo civil e que essa decisão singular do relator desafia agravo, no prazo de 5 dias, ao órgão competente para o julgamento do recurso (§ 1º). Contudo, se o agravo interposto for manifestamente inadmissível ou infundado, o tribunal condenará o agravante a pagar ao agravado multa entre 1% a 10% do valor corrigido da causa, ficando a interposição de qualquer outro recurso condicionada ao depósito do respectivo valor (§ 2º). Embora essas disposições legais sejam relativamente intrincadas, não terá dificuldade para compreendê-las o leitor que nelas perceber o indisfarçável propósito de diminuir o excesso de trabalho dos órgãos colegiados. É por essa razão que o sistema processual civil foi gradativamente aumentando os poderes do relator e o vigor da jurisprudência, notadamente daquela formada no âmbito do Supremo Tribunal Federal e dos tribunais superiores.
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1. MACIEL, Daniel Baggio. A evolução dos poderes do relator. Araçatuba: Página eletrônica Isto é Direito. Julho de 2008.

sexta-feira, 4 de julho de 2008

RESPONSABILIDADE CIVIL DO JUIZ

A responsabilidade civil do juiz está disciplinada no artigo 133 da Lei dos Ritos. Visivelmente, a criação do rol contido nesse dispositivo legal teve a finalidade de impedir a responsabilização do magistrado por motivos diversos daqueles catalogados pelo legislador e que poderiam tolher o Judiciário da necessária independência para o exercício da jurisdição. Exemplificativamente, pretendeu-se impedir a responsabilização do magistrado que tivesse sua sentença reformada no julgamento de recursos, isto é, na hipótese de erro judiciário. De fato, não fosse assim, bastaria um juiz de primeira instância manifestar orientação diversa daquela adotada pelo tribunal para que fosse compelido a indenizar os prejuízos experimentados pela parte. O Direito, ciência do bom senso e da racionalidade, jamais chegaria ao ponto de responsabilizar o magistrado por aderir a essa ou aquela corrente de entendimento e, tampouco, por falhas involuntárias que refletem, na verdade, característica inafastável da espécie humana. Nesse sentido o acórdão proveniente da 1ª Câmara do Tribunal de Justiça de São Paulo (RJTJSP 48, p. 95): “A responsabilidade civil do magistrado somente se configura quando se apura tenha ele agido com dolo ou fraude e não pelo simples fato de haver errado. A independência funcional, inerente à magistratura, tornar-se-ia letra morta se o juiz, pelo fato de ter proferido decisão neste ou naquele sentido, pudesse ser sancionado.” Portanto, com a redação dada ao artigo 133 da Lei dos Ritos, o legislador pretendeu impedir a responsabilização dos magistrados nos casos de “error in judicando” e de “error in procedendo” não abrangidos pelos incisos I e II, os quais, contudo, podem resultar responsabilidade estatal. Em outras palavras, segundo a mensagem do legislador, se o magistrado não age com dolo ou fraude e tampouco recusa, omite ou retarda providência que deva determinar de ofício ou a requerimento da parte, não se pode cogitar de responsabilidade patrimonial desse agente estatal. É importante observar que muito embora os casos de responsabilidade civil do juiz venham disciplinados no Código de Processo Civil, não há obstáculo para que essas previsões sejam estendidas para processos de natureza diversa, a exemplo do processo penal, até porque o conteúdo desse dispositivo legal é repetido pelo artigo 49 da Lei Orgânica da Magistratura Nacional (LC nº 35/79). Reafirmando este entendimento, SOUZA LASPRO assim se pronuncia: “O mais importante, e razão essencial para que o dispositivo fosse repetido na Lei Orgânica da Magistratura, é que dessa forma se estende, inequivocamente, a responsabilidade do juiz a todo e qualquer tipo de demanda, bastado tão somente que se trate de atividade jurisdicional, não se aceitando uma limitação somente àquelas que desenvolvem pelo processo civil. Além disso, por se tratar de lei complementar, hierarquicamente, esta norma está abaixo somente da Constituição Federal”.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
1. LASPRO, Oreste Nestor de Souza. Responsabilidade Civil do Juiz. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.
2. MACIEL, Daniel Baggio. Responsabilidade Patrimonial do Estado pela Atividade Jurisdicional. São Paulo: Editora Boreal, 2006.

quarta-feira, 2 de julho de 2008

CAPACIDADE PARA SER PARTE, CAPACIDADE PROCESSUAL E CAPACIDADE POSTULATÓRIA

Entre os graduandos em Direito, não é rara a confusão relacionada às expressões "capacidade para ser parte", "capacidade processual" e "capacidade postulatória", apesar desses institutos serem completamente diferentes. Como ponderou MONTENEGRO FILHO, talvez essas hesitações decorram de uma certa aproximação gramatical dessas três expressões, afinal, todas elas estão ligadas ao conceito de "capacidade” como gênero. Com efeito, a capacidade para ser parte refere-se à possibilidade de o sujeito apresentar-se em juízo como demandante ou demandado, isto é, como autor ou réu em uma ação processual. Essa espécie de capacidade liga-se à existência de personalidade civil. Para a pessoa natural, a personalidade civil inicia-se com o nascimento com vida, embora a lei ponha a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro. Para a pessoa jurídica, a personalidade civil é conquistada a partir da inscrição do seu ato formativo no respectivo registro (v.g. Junta Comercial). No entanto, em alguns casos, a legislação atribui capacidade para ser parte a determinados entes despersonalizados, assim como ocorre com a massa falida, o condomínio, o espólio, a herança jacente e com certos órgãos públicos que não detêm personalidade jurídica. Por sua vez, a capacidade processual tem a ver com a possibilidade de a parte praticar atos do processo sem o acompanhamento de outra pessoa. Em outras palavras, tem capacidade processual aquele que puder agir sozinho em juízo, realizando atos processuais de forma autônoma, sem o apoio de assistente ou representante legal. A título de exemplo, podemos lembrar que o recém-nascido ostenta capacidade para ser parte, afinal, ele possui personalidade civil. Entretanto, em virtude das naturais limitações que sofre, ele não possui capacidade processual, razão pela qual deve ser representado por seus genitores ou um tutor. Finalmente, a capacidade postulatória é a aptidão para requerer perante os órgãos estatais investidos da jurisdição. Em regra, essa espécie de capacidade é privativa do advogado regularmente inscrito nos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil (EOAB, art. 1º). No entanto, essa regra do “jus postulandi” também comporta exceções, pois há casos em que a lei reconhece capacidade postulatória para a própria parte, tal qual ocorre na ação de “habeas corpus”.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
1. MACIEL, Daniel Baggio. Capacidade para ser parte, capacidade processual e capacidade postulatória. Araçatuba: Página eletrônica Isto é Direito. Julho de 2008.
2. MONTENEGRO FILHO, Misael. Curso de Direito Processual Civil. São Paulo: Atlas, 2007.

terça-feira, 1 de julho de 2008

OS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS NO MANDADO DE SEGURANÇA

O artigo 20 do Código de Processo Civil é suficientemente claro ao dizer que “a sentença condenará o vencido a pagar ao vencedor as despesas que antecipou e os honorários advocatícios”. Nada obstante, em sentido diametralmente oposto, o verbete da Súmula 512 do Supremo Tribunal Federal deixou assentado que “não cabe condenação em honorários de advogado na ação de mandado de segurança”. No meio acadêmico, o descontentamento com essa diretriz jurisprudencial é bastante intenso, afinal, não existe razão plausível para favorecer o sucumbente com a isenção desse ônus. Aliás, é bom observar que a Lei 1533/51 nada dispôs sobre o assunto, o que induz o simples raciocínio de que essa ação mandamental deve se submeter normalmente aos princípios e regras que informam a responsabilidade pelas custas processuais e honorários advocatícios. Com efeito, o mandado de segurança é uma ação civil constitucional colocada à disposição do titular de direito líquido e certo, não amparado por “habeas data” ou “habeas corpus”, lesado ou ameaçado de lesão por ato ou omissão ilegal de qualquer autoridade. As únicas peculiaridades que a sobrelevam são a sua previsão expressa no texto constitucional (art. 5º, LXIX e LXX) e a maior velocidade de tramitação do processo por ela instaurado, graças ao rito especial sumarizado definido pela Lei 1533/51. No mais, a ação de mandado de segurança trata-se de um pedido de prestação jurisdicional como qualquer outro e o fato dela representar um direito constitucional não desautoriza debitar o ônus sucumbencial àquele que for vencido na demanda. Em nossa opinião, há um outro aspecto que reforça a tese de que cabe condenação em honorários advocatícios na ação de mandado de segurança. Como todos sabem, essa ação civil só é manejável pelo titular de direito “líquido e certo”, compreendendo-se com tal aquele que decorre de fato determinado, que pode ser demonstrado de plano por documentos inequívocos exibidos logo na petição inicial. Ora, se o direito tutelável mediante mandado de segurança possui tamanho predicado, mais uma razão há para que a autoridade coatora se abstenha de lesá-lo ou ameaçá-lo de lesão por ato ou omissão ilegal, inclusive porque o artigo 37 da Constituição da República afirmou a “legalidade estrita” como um dos princípios superiores da Administração Pública. Como anotou BEDAQUE, a tese favorável à admissão dos honorários advocatícios no mandado de segurança começou a angariar simpatizantes no Superior Tribunal de Justiça, conforme se lê dos acórdãos proferidos nos Recursos Especiais 15468-0 e 19096-0. Porém, recentemente, a Corte Especial desse tribunal rejeitou-a, por unanimidade (Embargos de Divergência no Recurso Especial 37879-4).
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1. MACIEL, Daniel Baggio. Os honorários advocatícios no mandado de segurança. Araçatuba: Página eletrônica Isto é Direito. Julho de 2008.
2. NOTA DE ATUALIZAÇÃO: Atualmente, o mandado de segurança encontra-se disciplinado pela Lei 12.016/2.009.