Em artigo publicado
anteriormente, já mostramos que as noções sobre o efeito devolutivo
praticamente se fundem com a definição de recurso, porquanto o manejo desse
meio de impugnação proporciona, por natureza, a devolução das atividades
cognitiva e decisória no mesmo processo em que foi proferido o pronunciamento
jurisdicional contrariado. Então, sintetizando as orientações fornecidas,
pode-se afirmar que a devolutividade é o efeito que circunscreve as dimensões
(extensão e profundidade) daquilo que será examinado e decidido no recurso. O
caput do artigo 1.013 confirma essa explicação ao prever, embora em outras
palavras, que a apelação restitui ao tribunal o exame da matéria contrariada,
afirmativa essa que seria completa se apontasse não apenas o trabalho analítico
que incumbe ao órgão jurisdicional, mas também a atividade decisória dele
decorrente, pois a cognição daquilo que é suscitado no recurso é realizada com
a finalidade de decidir a pretensão nele formulada. Portanto, o efeito
devolutivo demarca não apenas o que está afetado para exame do tribunal, mas
também o julgamento do pedido recursal em si, afinal, não é legítimo realizar
um trabalho cognitivo mais amplo e decidir apenas parte daquilo que foi
postulado, assim como não é lícito desempenhar uma atividade cognitiva reduzida
e julgar além do que foi pretendido. Feitas essas considerações, cumpre
observar que o caput do artigo 1.013 é uma derivação do princípio dispositivo
(arts. 2º, 141 e 492) e preconiza que “a apelação devolverá ao tribunal o conhecimento
da matéria impugnada” ("tantum devolutum quantum apellatum"), para significar que
a extensão da referida devolução cognitiva e decisória é determinada pela
abrangência do recurso. Em termos mais simples, a apelação pode alcançar a
integralidade ou fração da sentença (além das decisões interlocutórias que não
precluíram na fase de conhecimento) e, portanto, ser total ou parcial. A título
de exemplo, se a sentença condenar o réu a indenizar o dano patrimonial e a
compensar o dano moral, mas o demandado apelar somente dessa última prestação
(art. 1.002), o tribunal ficará impedido de conhecer e decidir a respeito
daquela, pois a devolutividade da cognição e do julgamento estará limitada ao
alcance do recurso. Mas também é preciso observar que o artigo 1.013 contém
outros dois parágrafos complementares da regulação atribuída à devolutividade
da apelação, mais propriamente sobre a profundidade das atividades cognitiva e
decisória a serem desempenhadas pelo tribunal. A propósito, o parágrafo 1º
estabelece que “serão, porém, objeto de apreciação e julgamento pelo tribunal
todas as questões suscitadas e discutidas no processo, ainda que não tenham
sido solucionadas, desde que relativas ao capítulo impugnado.” Isso significa
que, respeitados os limites eventualmente impostos pela extensão da apelação, o
tribunal não ficará adstrito a conhecer e decidir unicamente acerca da
argumentação exposta no recurso, pois a dialética nele empregada pode não haver
compreendido tudo o que foi articulado no primeiro grau de jurisdição e
submetido ao contraditório. Portanto, o tribunal deve examinar a integralidade
das teses, matérias, questões e argumentos trazidos ao processo, contanto que
relacionados à extensão da apelação, não apenas o que foi considerado na
motivação da sentença e nas razões do recurso. Por seu turno, o parágrafo 2º
ainda prevê o seguinte: “Quando o pedido ou a defesa tiver mais de um
fundamento e o juiz acolher apenas um deles, a apelação devolverá ao tribunal o
conhecimento dos demais.” Com efeito, entende-se por fundamento o substrato de
fato ou de direito de que decorre, segundo a ordem normativa, o efeito jurídico
consistente no provimento do pedido inicial, no desprovimento dele ou na
extinção do processo sem resolução do mérito. Logo, se a pretensão ou a defesa
estiver apoiada em mais de um fundamento e o juiz se pronunciar somente a
respeito de um ou alguns deles, a apelação, ainda assim, restituirá ao tribunal
o exame de todos, mesmo que o recurso os tenha suscitado novamente. Por último,
embora não em virtude dessa devolutividade, mas sim da translatividade da apelação, é preciso recordar que ela transfere para o tribunal a cognição e o pronunciamento das matérias de ordem
pública, cujo exame sabidamente não depende de alegação da parte, do terceiro
que estiver intervindo no processo, do fiscal do ordenamento jurídico que possa
estar oficiando nele e, tampouco, da anterior apreciação pelo juiz da causa,
razão pela qual o efeito translativo representa uma autêntica exceção ao
princípio do "tantum devolutum quantum apellatum", além de não encontrar óbice na "reformatio in pejus".
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MACIEL, Daniel Baggio. O efeito
devolutivo na apelação. Araçatuba: Isto é Direito. Novembro de 2019.