quinta-feira, 29 de maio de 2008

O DEPOIMENTO MEDIANTE INICIATIVA DA PRÓPRIA PARTE

Todos sabem que o "depoimento pessoal" é uma modalidade de prova oral prevista pelo Código de Processo Civil, admissível pelo juiz quando uma parte requerer que a outra preste declarações na audiência de instrução e julgamento (CPC, art. 343). Em outras palavras, há previsão legal permitindo que o autor pretenda o "depoimento pessoal" do réu e vice-versa. De outro lado, todos sabem também que o artigo 342 da Lei dos Ritos autoriza o juiz a determinar o "interrogatório" dos litigantes, independentemente de requerimento de qualquer das partes. Contudo, resta saber se é juridicamente possível a parte almejar o "próprio depoimento" em juízo, sem requerimento do adversário ou ordem judicial oficiosa de interrogatório. Em nossa opinião a resposta é positiva, especialmente diante da redação do artigo 332, segundo o qual todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados no CPC, são hábeis para provar a verdade dos fatos em que se funda a ação ou a defesa. Interpretando este dispositivo legal, a literatura nele observou o intitulado "princípio da atipicidade da prova", pelo qual qualquer meio de prova pode ser admitido, mesmo que não previsto expressamente em lei, contanto que não ofenda os valores prestigiados pelo ordenamento jurídico. Nada obstante, o depoimento prestado por iniciativa da própria parte não pode ser confundido com o "depoimento pessoal" previsto pelo artigo 343, o que inviabiliza a aplicação da "pena de confissão" caso o litigante não compareça em juízo ou, comparecendo, se recuse a depor. Na verdade, a oitiva da parte nessas condições deve ser vista como voluntária e, como tal, não suscetível de resultar confissão ficta. Porém, se ela comparecer para depor, nada impede que confesse expressamente os fatos objeto da lide ou forneça informações que possam contribuir para o deslinde do processo.
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1. MACIEL, Daniel Baggio. O depoimento mediante iniciativa da própria parte. Araçatuba: Página eletrônica Isto é Direito. Maio de 2008.

quarta-feira, 28 de maio de 2008

O PRINCÍPIO DA MEDIAÇÃO NO PROCESSO CIVIL

O princípio da mediação ou da imediatidade, conhecido pelos criminalistas como princípio presidencialista, é aquele segundo o qual incumbe ao juiz da causa presidir direta e pessoalmente a atividade de produção das provas já admitidas (CPC, art. 446, II). Portanto, durante a audiência de instrução e julgamento, compete a ele obter o depoimento pessoal do autor e do réu (art. 334), formular perguntas às testemunhas e inquirir o perito nomeado (arts. 413 e 416). Contudo, isso não significa que as partes, mediante a intervenção dos seus advogados, não possam perguntar umas às outras, às testemunhas e àquele auxiliar do juízo. Tecnicamente, todas as indagações que forem do interesse do demandante e do demandado devem ser dirigidas ao juiz que preside o ato, cabendo a ele, por sua vez, reperguntar à pessoa que estiver prestando declarações. Longe de ser um mero formalismo, essa prática processual é necessária porque é função do juiz examinar a pertinência das perguntas elaboradas pelas partes e indeferir aquelas que representem desperdício para a atividade jurisdicional. Além do mais, nem sempre as perguntas propostas pelos litigantes são suficientemente compreensíveis a quem é ouvido e, não raro, podem trazer embutidas as respostas desejadas por aquele que questiona. Invariavelmente neutro, cabe ao magistrado indagar os declarantes de modo a obter respostas isentas e que expressem exatamente o conhecimento que possuem sobre os fatos investigados. No mais, registre-se que o indeferimento de perguntas formuladas pelas partes na audiência de instrução e julgamento é decisão interlocutória (art. 162, §2º) e, como tal, deve ser fundamentada para evitar a nulidade (CF, art. 93, IX). Nos termos do § 3º do artigo 523 da Lei dos Ritos, essas interlocutórias desafiam agravo na forma retida, a ser interposto oral e imediatamente durante a audiência.
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1. MACIEL, Daniel Baggio. O princípio da mediação no processo civil. Araçatuba: Página eletrônica Isto é Direito. Maio de 2008.

terça-feira, 27 de maio de 2008

FINALIDADE DA TUTELA INIBITÓRIA

Antes da criação do artigo 461 do CPC pela Lei 8.952/1.994 e das modificações nele introduzidas pela Lei 10.444/2.002, muitos encontravam enormes dificuldades para a obtenção de decisões judiciais impondo prestações negativas ao réu, isto é, obrigações de não fazer. Exemplo clássico dessa situação é aquele lembrado por MARINONI, de um programa de televisão cuja veiculação devesse ser inibida preventivamente para evitar danos ilícitos à honra do autor da ação processual. Em situações como essa, no passado, muitos advogados manejavam ações cautelares inominadas com apoio nos artigos 798 e 799 do Código de Processo Civil e, não identificando qual seria a futura ação principal, frequentemente nutriam a falsa ideia da existência das ações cautelares satisfativas. Com a redação atual do referido artigo 461, essa problemática ficou de vez solucionada, porque a juridicidade dos pedidos inibitórios (prestação de não fazer) em ações de conhecimento restou expressamente firmada pelo texto legal, inclusive com a possibilidade de decisões antecipatórias, desde que relevante a fundamentação e que haja risco de ineficácia do provimento final (§ 3º), além da cominação de técnicas processuais de coerção, como a multa diária (§ 4º). Isto significa que a chamada ação inibitória permite o deferimento de tutela proibitória antecipada durante a tramitação do processo de conhecimento e não reclama a propositura de qualquer outra ação processual futura, afinal, ela própria já é a ação principal. Com efeito, as ações inibitórias são fundadas em cognição exauriente e resultam a emissão de sentenças com conteúdo declarativo do direito controvertido. Logo, diferentemente das ações cautelares, nas quais o direito afirmado pelo requerente é examinado apenas em termos de mera aparência, as sentenças inibitórias em processos cognitivos são aptas à formação de coisa julgada material. Portanto, as ações processuais autorizadas pelo artigo 461 da Lei dos Ritos possuem a enorme utilidade de vedar a prática de certos atos ou negócios ilícitos que, fossem aperfeiçoados, poderiam acarretar danos e lançar as partes em novas demandas reparatórias. Assim, fica nítido que as ações inibitórias pertencem ao gênero das tutelas preventivas, diferindo das ações cautelares inominadas inclusive sob o aspecto da satisfatividade, inexistente nestas últimas.
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REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA:
1. MACIEL, Daniel Baggio. Finalidade da tutela inibitória. Araçatuba: Página eletrônica Isto é Direito. Maio de 2008.
2. MARINONI, Luiz Guilherme.  Tutela Inibitória. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.

sexta-feira, 23 de maio de 2008

BREVES COMENTÁRIOS À TUTELA ANTECIPADA RECURSAL

O artigo 527 do Código de Processo Civil cuida dos poderes do relator no recurso de agravo de instrumento. Ao fazê-lo, no inciso III autoriza que o relator atribua efeito suspensivo ao recurso (art. 558) ou defira em antecipação de tutela a pretensão recursal, no todo ou em parte. Em ambos os casos, o relator emitirá um provimento monocrático sob a forma liminar. O efeito suspensivo no agravo busca obstar o cumprimento da interlocutória agravada, por exemplo, aquela que determinou a prisão civil do devedor de alimentos. A antecipação da tutela recursal objetiva adiantar, no todo ou em parte, a pretensão formulada no agravo, por exemplo, a realização de uma cirurgia emergencial negada liminarmente em primeira instância. Deferido o efeito suspensivo ou a antecipação da tutela recursal, o agravo tramitará normalmente até o pronunciamento definitivo da turma ou câmara, oportunidade em que a decisão do relator poderá ser mantida, reformada ou revogada pelo colegiado. O curioso é que a Lei dos Ritos não possui dispositivo análogo possibilitando o deferimento da antecipação da tutela recursal na apelação, senão o mero efeito suspensivo (art. 520 e art. 558, par. único). Diante dessa constatação, fica a dúvida sobre legitimidade do adiantamento neste recurso e, se admitido, quais seriam os seus pressupostos de concessão. Embora a análise do assunto demande múltiplas reflexões e a construção de uma monografia razoavelmente extensa, não vemos como negar a possibilidade dessa antecipação na apelação e por várias razões: 1) se é possível atribuir-lhe o efeito suspensivo, não há razão para que não se admita o inverso, desde que presentes certos requisitos; 2) se todas as reformas realizadas até agora no CPC buscaram imprimir maior velocidade na prestação jurisdicional, pelo mesmo motivo é de se permitir o adiantamento da tutela na apelação; 3) sabidamente, a apelação é um recurso comum, cuja tramitação historicamente lenta sempre criou ambiente para a ocorrência de lesões variadas ao direito da parte; 4) se a antecipação da tutela pode ser deferida pelo juiz da causa, não é lógico vedar ao relator o mesmo poder; 5) porque o efeito suspensivo é a regra na apelação (art. 520), não raro o sucumbente recorre abusando do seu direito de defesa ou com manifesto propósito protelatório para impedir o cumprimento imediato do julgado; 6) o inciso LXXVIII do artigo 5º da Constituição da República assegura a todos a razoável duração do processo e, por certo, não é razoável aguardar meia década - em média - o julgamento de uma apelação. Quanto aos requisitos para o deferimento da tutela antecipada no recurso de apelação, ideal seria aplicar, por simetria, os mesmos requisitos exigidos pelo artigo 558 para a concessão do efeito suspensivo, quais sejam: 1) requerimento do apelante; 2) risco de lesão grave e de difícil reparação; 3) fundamentação relevante. Na pior das hipóteses, a solução alternativa seria adotar os requisitos delineados pelo artigo 273 ou, conforme o caso, aqueles apontados pelo § 3º do artigo 461. Melhor mesmo, e neste aspecto temos insistido há muito, seria valorizar as decisões dos juízes de 1ª instância invertendo a regra atual do artigo 520 do CPC, isto é, atribuir o efeito meramente devolutivo à apelação e, como exceção, permitir o efeito suspensivo nas hipóteses do artigo 558, tal qual ocorre no recurso de agravo. Reconhecemos que essa sugestão legislativa é bastante arrojada, mas certamente ela não pode ser acusada de desproporcional.
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1. MACIEL, Daniel Baggio. Comentários à tutela antecipada recursal. Araçatuba: Página eletrônica Isto é Direito. Maio de 2008.
2. Pensamos que a tarefa de impulsionar a jurisprudência no sentido da admissão da antecipação da tutela na apelação pertence mais uma vez à classe dos advogados, assim como ocorreu com outros institutos hoje existentes.

quinta-feira, 22 de maio de 2008

O EXAME DO DNA E A REVISÃO DAS DECISÕES JUDICIAIS

No embate entre a dignidade da pessoa, na qual se insere o direito de ver reconhecida a paternidade, e o princípio da segurança jurídica garantido pela coisa julgada, venceu o segundo. Em um resultado bastante apertado no Recurso Especial 706.987, os ministros da 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça entenderam que a segurança jurídica não pode ser fragilizada para permitir, mediante exame de DNA, nova discussão sobre a paternidade já declarada inexistente em decisão judicial transitada em julgado. Segundo o ministro Aldir Passarinho Júnior, que proferiu o voto de minerva, "ignorar o preceito da segurança jurídica da coisa julgada significa que a cada nova técnica ou descoberta científica seria necessário rever tudo que já foi apreciado, julgado e decidido". O primeiro processo foi instaurado a pedido de gêmeos no ano de 1969. Na ocasião, a Justiça paulista não reconheceu a filiação afirmada, pois as provas periciais disponíveis na época atestaram a impossibilidade de o réu ser o pai dos demandantes. Anos depois, os autores ajuizaram nova ação processual e requereram a produção de perícia pelo método comparativo do DNA. Na Corte Superior, a maioria dos ministros acompanhou o voto do relator, Humberto Gomes de Barros, para extinguir o processo sem resolução do mérito. O princípio da segurança jurídica garantido pela coisa julgada, sustentado pelo relator para determinar a extinção do processo, foi reafirmado pelos ministros Asfor Rocha, Ari Pargendler e Menezes Direito. Com o resultado de 4 a 0, o ministro Jorge Scartezzini pediu vista do processo e inaugurou a divergência, no que foi acompanhado pelos ministros Castro Filho, Nancy Andrigui e Massami Uyeda, que empataram o julgamento em 4 a 4. A questão foi decidida no voto de desempate do ministro Aldir Passarinho Júnior. Em seu voto, o ministro Gomes de Barros observou que o único fundamento novo na atual demanda é que o exame de DNA poderia aferir com maior grau de certeza a existência ou não da paternidade. Além disso, lembrou que a anterior declaração negativa da paternidade assentou-se em exames periciais existentes na época, não na falta de provas. O entendimento vitorioso concluiu que se a prova foi esgotada e o pedido julgado improcedente, não há como permitir uma nova demanda para produzir a mesma prova por métodos diferentes.

quarta-feira, 21 de maio de 2008

EFEITO SUBSTITUTIVO E EFEITO RESCINDENTE DOS RECURSOS

Inserido no Capítulo que trata das disposições gerais sobre os recursos, o artigo 512 da Lei dos Ritos estabelece que o "julgamento proferido pelo tribunal substituirá a sentença ou a decisão recorrida no que tiver sido objeto do recurso". Em outros termos, esse dispositivo legal está afirmando que a decisão emanada do tribunal toma o lugar da decisão recorrida, na parte abrangida pelo recurso. Pouco didático, o artigo 512 exige interpretação atenta pelo leitor. Inicialmente, observe que a norma legal fala em "julgamento proferido pelo tribunal", não em "acórdão". Com razão, o legislador não confundiu essas duas expressões, ademais, todos sabem que embora ordinariamente as decisões dos tribunais sejam colegiadas e assumam a natureza de "acórdão", o artigo 557 autoriza o relator a proferir "julgamentos monocráticos" em várias situações, sem que se possa falar propriamente na existência daquele tipo de julgado. Assim, tanto o "acórdão" proferido pelo órgão fracionário do tribunal quanto a "decisão monocrática" emitida pelo relator podem substituir aquela que foi atacada no recurso.O segundo apontamento que fazemos no artigo 512 refere-se à expressão "sentença ou decisão recorrida". Ora, o que é a sentença senão uma decisão? Obviamente, o Código foi redundante nessa previsão. No entanto, essa falha redacional é perdoável porque a intenção do artigo 512 foi alcançar outras decisões diferentes da sentença (vg. interlocutória) e, em sentido oposto, excluir os despachos (art. 504). Voltando ao ponto que interessa, a ocorrência desse "efeito substitutivo" nos recursos depende essencialmente de dois fatores cumulativos: 1) que o recurso seja "admitido" porque satisfeitos todos os seus pressupostos; 2) que o recurso seja "improvido" ou, de outro lado, "provido" porque a decisão ostenta "error in judicando". Se o recurso for admitido e "improvido" (improcedente no mérito), a decisão do tribunal terá caráter substitutivo daquela que o ensejou. De igual modo, se o recurso for admitido e "provido" (procedente no mérito) porque houve a correção do erro de julgamento, isso também significa que a decisão do tribunal tomou o lugar da decisão recorrida. Porém, se o recurso for admitido e "provido" na hipótese de "erro de atividade", não haverá propriamente a substituição, mas sim a "rescisão" da decisão impugnada, afinal, o "error in procedendo" resulta a invalidação do julgado hostilizado e, em regra, a devolução dos autos ao juízo de origem para que este profira outro no seu lugar. Neste caso, fala-se em "efeito rescindente", não em substituição. Finalmente, vale recordar que as decisões judiciais podem ser impugnadas no todo ou em parte pelo recurso e daí decorrem os conceitos de "recurso total" e de "recurso parcial". Portanto, o efeito substitutivo de que falamos terá a extensão dada pelo recurso manejado e a substituição da decisão anterior poderá ser total ou parcial conforme o caso.
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1. MACIEL, Daniel Baggio. Efeito substitutivo e efeito rescindente dos recursos. Araçatuba: Página eletrônica Isto é Direito. Junho de 2008.

terça-feira, 20 de maio de 2008

O CABIMENTO DOS EMBARGOS INFRINGENTES

Os embargos infringentes estão relacionados pelo artigo 496 da Lei dos Ritos dentre os recursos manejáveis em processos civis. Sua previsão legal encontra-se nos artigos 530 a 534 do CPC e suas hipóteses de cabimento são bastante restritas, mesmo porque esse recurso só pode ser interposto contra acórdão não unânime que houver reformado, em grau de apelação, sentença de mérito ou houver julgado procedente ação rescisória. Portanto, fica fácil ver que apenas o acórdão não unânime comporta embargos infringentes, pois o objetivo desse recurso é provocar um novo julgamento na tentativa de fazer prevalecer o chamado voto vencido. Nessas condições, se a decisão do tribunal for monocrática (art. 557) ou unânime, não há que se falar no uso desses embargos. No que tange à apelação, só o acórdão por maioria de votos que reformar sentença de mérito desafia os infringentes. Em sentido contrário, o acórdão não comportará esse recurso se confirmar ou invalidar a sentença e, tampouco, se modificar sentença que não resolveu o mérito do processo (art. 267). Questão intrigante envolve saber se são cabíveis ou não os infringentes contra acórdão não unânime, proferido em agravo de instrumento, que reformar reformar interlocutória do juiz da causa. Em princípio, quem ler as hipóteses de cabimento desse recurso tenderá a responder negativamente a essa indagação, afinal, o artigo 530 apenas se refere ao acórdão não unânime resultante da apelação e que reformar sentença de mérito. Contudo, é preciso recordar que existem interlocutórias de primeira instância com as quais o juiz de base emite uma autêntica decisão de mérito, assim como aquela com que o magistrado afasta a alegação de prescrição ou decadência e dá seguimento ao processo. Como todos sabem, contra essa interlocutória cabe agravo de instrumento e se o tribunal reformá-la mediante acórdão não unânime, ele estará proferindo uma decisão final, tal qual aquela resultante de um acórdão não unânime que reformar sentença de mérito. Por essas razões, nessa particular situação, defendemos o cabimento dos infringentes em atenção à finalidade da norma contida no artigo 530. Por sua vez, perceba que esse dispositivo legal também tolera os embargos infringentes contra o acórdão não unânime que julgar procedente a ação rescisória. Assim, em sentido oposto, se o acórdão extinguir o processo sem resolução de mérito (art. 267) ou julgar improcedente a ação rescisória, não será possível ao sucumbente manejar esse recurso. No mais, registre-se que os embargos infringentes são interpostos por petição escrita diretamente no tribunal que proferiu a decisão. Apresentados os embargos, abrir-se-á vista ao recorrido para contrarrazões, após o que o relator fará o exame da admissibilidade do recurso. Não admitidos os embargos, o recorrente poderá interpor agravo interno ao órgão competente para o julgamento do recurso, no prazo de cinco dias. Admitidos os embargos, eles serão julgados na forma prevista pelo regimento interno do respectivo tribunal. Esta é a razão pela qual a doutrina clássica afirma não haver efeito devolutivo nos infringentes, pois o exame do acórdão recorrido não será restituído a outro órgão jurisdicional hierarquicamente superior. Entretanto, alguns escritores modernos reconhecem haver o efeito devolutivo no caso, mas o fazem porque conceituam diferentemente a devolutividade. De qualquer modo, a questão é meramente semântica, porque todos estão cientes de que os embargos infringentes são julgados pelo mesmo tribunal que proferiu o acórdão embargado. Criticável mesmo é a previsão do artigo 534, que não determina quais os magistrados que participarão do novo julgamento. Portanto, essa matéria acaba regulada pelo regimento interno de cada tribunal e, sabidamente, entre eles não há uniformidade. Aliás, neste dispositivo legal o Código apenas estabeleceu que se a norma regimental determinar a escolha de novo relator, esta recairá, se possível, em magistrado que não haja participado do julgamento anterior. Em linhas gerais, são estes os contornos dos embargos infringentes no CPC.
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1. MACIEL, Daniel Baggio. Generalidades sobre os embargos infringentes no CPC. Araçatuba: Página eletrônica Isto é Direito. Maio de 2008.

sábado, 17 de maio de 2008

A PENHORA SOBRE O FATURAMENTO DA EMPRESA

O § 3º do artigo 655-A, introduzido no Código de Processo Civil pela Lei 11382/2006, regula a penhora do faturamento da empresa nos seguintes termos: "Na penhora de percentual do faturamento da empresa executada, será nomeado depositário, com a atribuição de submeter à aprovação judicial a forma de efetivação da constrição, bem como de prestar contas mensalmente, entregando ao exequente as quantias recebidas, a fim de serem imputadas no pagamento da dívida." Na verdade, essa espécie de penhora já vinha sendo praticada há muito tempo no Judiciário, porém, sem metodologia uniforme. A fim de evitar distorções, o legislador a normatizou expressamente e apontou a necessidade da nomeação de um depositário, da aprovação judicial da forma de efetivação da constrição e da prestação de contas mensal. Como é visível, o Código não prefixou o percentual do faturamento que é passível de penhora, e nem poderia fazê-lo, afinal, sabe-se bem que o conjunto das operações financeiras de uma empresa sempre está na dependência de uma série de fatores, a exemplo da espécie de atividade econômica por ela exercida. Portanto, a quantificação desse percentual deve ser realizada caso a caso pelo juiz. Quando se cogita dessa modalidade de penhora, é pressuposto que se apurem os resultados obtidos pela devedora em suas negociações num dado período, o que normalmente pode ser mensurado pela análise dos últimos balanços contábeis da executada. Por isso, acreditamos que a exibição e a interpretação desses documentos são indispensáveis para que se defira a constrição. Finalmente, ao mencionar que a penhora recairá sobre percentual do faturamento da empresa, nas entrelinhas do § 3º é possível notar a preocupação do legislador com a sobrevivência da executada, ademais, certamente a Lei dos Ritos não deseja que o percentual penhorado inviabilize a continuidade da atividade empresarial da devedora. Por isso, é necessário que o juiz seja prudente na dosimetria dessa fração. Atentos a todos esses aspectos, censuramos qualquer iniciativa dos tribunais de uniformizarem esses percentuais, como inadvertidamente parece estar fazendo o TJSP. Caso persista essa irrefletida tendência, no mínimo as empresas executadas serão lançadas em uma vala comum e, no mais das vezes, na vala da falência.
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1. MACIEL, Daniel Baggio. A penhora sobre o faturamento da empresa. Araçatuba: Página eletrônica Isto é Direito. Maio de 2008.

sexta-feira, 16 de maio de 2008

O VALOR DA CAUSA NA AÇÃO CAUTELAR

Embora o valor da causa não esteja elencado pelo artigo 801 dentre os requisitos da petição inicial da ação cautelar, o artigo 258 impõe ao autor o dever de atribuir-lhe um valor certo, ainda que a causa não tenha conteúdo econômico imediato. Há divergência sobre o critério de aferição do valor da causa nas demandas cautelares. Enquanto THEODORO JÚNIOR ensina que ele deve corresponder tanto quanto possível ao valor da causa principal, OVÍDIO BAPTISTA cita GALENO LACERDA e CALMON DE PASSOS para dizer que o valor da causa deve ser estabelecido por meio de estimativa feita pelo autor, naturalmente sujeita à correção do juiz. Filiamo-nos a este último entendimento, pois as ações cautelares em geral não visam a um benefício econômico imediato, senão a mera asseguração do provável direito, sem satisfazê-lo nos planos jurisdicional e prático. Ademais, as ações cautelares possuem mérito próprio e distinto das ações cognitivas ou executivas. São dotadas de causa de pedir diversa e geram provimentos judiciais com eficácias diferentes. Por essas razões, nada faz crer deva existir identidade do valor causa entre essas demandas. Por exemplo, quem se favorece do arresto cautelar não se torna senhor dos bens objeto da constrição e com eles não aufere vantagem econômica direta. Destarte, o valor da segurança não pode se identificar com preço dos bens preservados. Enfim, o valor da causa cautelar deve ser atribuído por estimativa feita pelo autor e ficará sujeito à verificação do juiz, a quem se reconhece o poder-dever de corrigir eventuais distorções. Para tanto, o juiz poderá proceder de ofício ou mediante a impugnação de que trata o artigo 261, a ser oferecida pelo requerido no prazo da contestação e em peça processual separada, autuada em apenso aos autos do processo cautelar. Finalmente, quanto aos alimentos provisionais, vale lembrar que há previsão expressa no inciso VI do artigo 259 determinando que o valor da causa equivalha à soma de doze prestações mensais pedidas pelo autor.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
1. MACIEL, Daniel Baggio. Processo Cautelar. São Paulo: Editora Boreal, 2012.
2. THEODORO JÚNIOR, Humberto. Processo Cautelar. São Paulo: Editora Leud, 1995.
3. SILVA, Ovídio Araújo Baptista da. Do Processo Cautelar. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2001.

A ACESSORIEDADE DO PROCESSO CAUTELAR

SIDNEY SANCHES fala em acessoriedade para designar que o processo cautelar depende sempre do resultado do processo principal. Contudo, esse eminente escritor é refutado por THEODORO JÚNIOR, para quem é estranho que o processo cautelar seja dependente do processo principal quando é ele que normalmente vem antes, isto é, quando o processo principal se instaura, o que estaria na sua dependência já estava instaurado. De fato, a existência de acessoriedade no processo cautelar não significa dependência do processo principal, ao contrário do que insinua o artigo 796 do CPC. Prova disso é que há processos cautelares que não exigem a formação de um processo principal sucessivo para que as medidas de segurança antes deferidas permaneçam eficazes. É o caso do processo cautelar de produção antecipada de provas (art. 846), adequado para evitar a perda de elementos de convicção úteis ao juiz no processo principal, o qual pode ser instaurado mesmo após os 30 dias previstos no artigo 806 ou sequer se formar, sem que isso influa na eficácia da prova obtida. A acessoriedade apontada como característica do processo cautelar deve significar tão somente que ele é posto pelo ordenamento jurídico como um meio para a obtenção de medidas de mera segurança, as quais normalmente também são valiosas para a preservação da eficiência e da utilidade das demais espécies de processo, afinal, dependência mesmo não há.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
1. MACIEL, Daniel Baggio. Processo Cautelar. São Paulo: Editora Boreal, 2012.
2. SANCHES, Sidney. O poder geral de cautela do juiz. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1978.
3. THEODORO JÚNIOR, Humberto. Processo Cautelar. São Paulo: Editora Leud, 1995.

quinta-feira, 15 de maio de 2008

PRECLUSÃO, PRESCRIÇÃO, PEREMPÇÃO E COISA JULGADA FORMAL

Embora a análise adequada desses quatro institutos exija a construção de um artigo bastante extenso, aqui procurarei apenas conceituá-los e, tanto quanto possível, diferenciá-los para que os nossos leitores passem a manejar essas expressões com maior propriedade. A preclusão não pode ser confundida com a prescrição porque representa a simples perda de uma faculdade ou ônus processual. Ela sempre ocorre incidentalmente no processo e associa-se à prática de determinado ato processual. A título de exemplo, se as partes forem intimadas para manifestação sobre o laudo pericial e deixarem transcorrer em branco o prazo para tanto, ocorrerá a preclusão. A prescrição, ao contrário do que muitos pensam, não é propriamente a perda do direito de ação pelo decurso do tempo, mas sim a perda da pretensão que não foi exercida no prazo legal. Por isso, ela não atua de modo imediato sobre a ação processual, mas sim reflexamente, pois retira do titular do direito subjetivo lesado ou ameaçado o poder de sujeitar o demandado mediante o processo judicial. Portanto, o que prescreve não é propriamente a ação processual, mas sim a pretensão veiculada através dela. Diferentemente das duas primeiras, a perempção constitui uma penalidade imposta à parte ou interessado de não poder obter uma resposta judicial ao seu pedido de prestação jurisdicional por haver motivado a extinção do processo, por três vezes consecutivas, em virtude do abandono da demanda cujo desenvolvimento deveria promover. Portanto, ela não se trata da simples perda de uma faculdade processual, como ocorre na preclusão. Finalmente, a coisa julgada formal representa uma qualidade que as decisões finais adquirem de não mais tolerarem impugnações no mesmo processo porque esgotadas as oportunidades para o manejo de recursos. Em outros termos, ela consiste na impossibilidade de alterar o julgado porque contra ele precluíram todos os recursos possíveis. A propósito, a coisa julgada formal não deixa de ser uma espécie de preclusão, posto que inviabiliza a modificação da decisão no mesmo processo em que foi proferida.
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1. MACIEL, Daniel Baggio. As diferenças entre a preclusão, a prescrição, a perempção e a coisa julgada formal. Araçatuba: Página eletrônica Isto é Direito. Maio de 2008.
2. Este brevíssimo artigo foi escrito a pedido de um dos nossos leitores.

terça-feira, 13 de maio de 2008

GENERALIDADES SOBRE A AÇÃO DE NUNCIAÇÃO DE OBRA NOVA

O Código de Processo Civil contempla a ação de nunciação de obra nova a partir do artigo 934. Ela consiste em uma ação executiva "lato sensu" porque reúne duas cargas: "cognitiva" do litígio envolvendo a realização da obra nova e "executiva" porque a decisão judicial que ordena a sustação é cumprida no mesmo processo, independentemente da iniciativa do autor. A ação nunciatória é popularmente conhecida como "embargo de obra nova". Ela objetiva a emissão de um comando judicial impondo ao réu a paralisação do curso de uma obra com esse predicado. Entende-se por "obra nova" qualquer ato humano de engenharia civil que já se iniciou fisicamente, mas que ainda não foi concluído, no que se inserem as construções, reformas, pinturas, demolições, terraplanagem, ampliação, dentre outros. Por esse conceito, logo se vê que não cabe a ação nunciatória para impedir a construção de uma obra que está meramente projetada, assim como não pode ser ajuizada esta ação processual quando a obra já estiver acabada. São legitimados ativos para a ação nunciatória o proprietário ou o possuidor do imóvel vizinho prejudicado, o condômino em caso de lesão ou mera alteração da coisa comum e, finalmente, o Município, quando a obra estiver em desacordo com a lei, regulamentos ou posturas. O legitimado passivo é sempre o dono da obra, não o seu possuidor ou construtor. Em outras palavras, será demandado aquele que for o proprietário da obra, aquele em nome de quem ela é realizada. Logo, não há que se falar em litisconsórcio passivo entre ele, o construtor e os operários. Finalmente, o Código de Processo Civil também admite a cumulação da ação nunciatória com outras demandas sem que isso implique a modificação no rito processual, que continua a ser especial. Além do pedido de sobrestamento da obra, o autor ainda pode postular: a) o embargo liminar; b) o defazimento, a modificação ou a restauração da obra; c) a cominação de pena para a hipótese de descumprimento do preceito; d) perdas e danos; e) a apreensão e depósito de produtos e materiais.
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1. MACIEL, Daniel Baggio. Generalidades sobre a ação de nunciação de obra nova. Araçatuba: Página eletrônica Isto é Direito. Maio de 2008.

segunda-feira, 12 de maio de 2008

DEFINIÇÃO DA AÇÃO PAULIANA

CAHALI informa que a denominação "ação pauliana" ou "revocatória" tem sua origem no direito romano (actio rutiliana). De fato, a história mostra que na Roma clássica ela foi criada pela atividade do pretor para impedir atos praticados pelo devedor, fraudatórios da garantia patrimonial do credor. No direito brasileiro, a pauliana é uma ação de conhecimento com eficácia constitutiva de razão contrária (desconstitutiva ou constitutiva negativa), ajuizada pelo credor para invalidar negócios jurídicos fraudulentos realizados pelo devedor com terceiro, o que induz a formação de um litisconsórcio passivo necessário. Reconhecidamente, o êxito em uma ação processual dotada dessa finalidade está diretamente ligado à existência e à prova de dois pressupostos cumulativos: o "eventus damni" e o "consilium fraudis". O "eventus damni" consiste no prejuízo que o direito do credor sofre em virtude da prática, pelo devedor, de atos de disposição de bens ou direitos que representam a garantia para a satisfação do crédito. Trata-se, pois, de um requisito objetivo porque ele pode ser aferido pela prática de atos de transferência patrimonial lesivos ao crédito. O "consilium fraudis" é o defeito que caracteriza a disposição patrimonial realizada pelo devedor, ou melhor, a diminuição maliciosa do patrimônio empreendida com o ânimo de prejudicar o credor. Fala-se em dolo específico, em má-fé, na intenção livre e consciente de dispor ilicitamente de bens ou direitos a fim de causar dano ao direito do credor. Portanto, é perceptível que o "consilium fraudis" consiste no elemento subjetivo da fraude. Se o "eventus damni" e o "consilium fraudis" forem demonstrados satisfatoriamente pelo autor da ação pauliana, o resultado do processo será um só: a invalidação do negócio jurídico lesivo ao direito do credor. Nada obstante, grande parte da doutrina recente tem interpretado o "consilium fraudis" de modo diverso, isto é, como um conluio fraudulento entre o devedor e o terceiro adquirente, a fim de frustrar o exercício do direito de crédito. Sob essa perspectiva, este requisito estaria a exigir uma união psicológica e intencional entre o devedor e o terceiro para lesar a garantia do crédito. Particularmente, não acreditamos no acerto dessa corrente doutrinária e alertamos os leitores para as enormes dificuldades que essa mudança de conceito pode gerar, afinal, todos sabem que a prova do vínculo psicológico entre o devedor e o terceiro é extremamente delicada e, na prática, quase impossível na maioria das vezes.
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REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA:
1. CAHALI, Yussef Said. Fraude Contra Credores. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.
2. MACIEL, Daniel Baggio. Definição da ação pauliana. Araçatuba: Página eletrônica Isto é Direito, Maio de 2008.

sábado, 10 de maio de 2008

A DIFERENÇA ENTRE O ARRESTO CAUTELAR E O SEQUESTRO

É certo que existem semelhanças entre o arresto e o sequestro, pois ambas são medidas cautelares nominadas e implicam a constrição de bens a serem preservados para que sirvam aos resultados da futura ou atual ação principal, de conhecimento ou de execução. Entretanto, entre eles há marcantes distinções que eliminam oportunidades para dúvidas quanto ao cabimento de um e outro. Enquanto o arresto constitui medida de conservação de bens patrimoniais do devedor para assegurar o futuro pagamento em dinheiro, o sequestro representa providência de mera preservação da coisa cuja entrega "in natura" é almejada pelo requerente. Portanto, no arresto não interessa ao postulante o bem em si, mas sim sua representação monetária para a garantia do crédito a ser exigido em execução por quantia certa. No sequestro, o interesse do requerente recai sobre a própria coisa sujeita a desaparecimento ou deterioração, afinal, é ela que se pretende ver entregue ao vencedor da demanda principal, cognitiva ou executiva. Logo, são irretocáveis as lições de todos os escritores quando afirmam que o arresto incide sobre qualquer bem penhorável do devedor, desde que necessário para assegurar a solução da dívida, ao passo que o sequestro recai sobre bem específico, certo, determinado, fungível ou não. Por isso, o arresto aparece como uma medida de segurança do cumprimento da sentença que resulta a obrigação de pagar soma em dinheiro (art. 475-J) ou da ação de execução por quantia certa (art. 646). De outro lado, o sequestro se apresenta como uma cautela ao cumprimento da decisão que determina a entrega da coisa (vg. art. 461-A) ou da ação executiva de título extrajudicial promovida para esse mesmo fim (art. 621).
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REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA:
1. MACIEL, Daniel Baggio. Processo Cautelar. São Paulo: Editora Boreal, 2012.

quinta-feira, 8 de maio de 2008

A TEORIA DO RISCO ADMINISTRATIVO NA CONSTITUIÇÃO DE 1988

A teoria do risco administrativo é uma adaptação da teoria do risco do direito civil e faz surgir a obrigação de indenizar pela simples provocação da lesão injusta ao particular, em decorrência do comportamento estatal. Segundo MEIRELLES (1992), ela se baseia no "fato da administração", não na "falta da administração" como ocorre na teoria da culpa administrativa. Essa teoria funda-se no risco que o exercício da atividade pública causa ao particular, vale dizer, no potencial que ela tem para provocar danos aos membros da sociedade e de impor-lhes um sacrifício não suportado pelos demais. Portanto, ao desempenhar qualquer das atribuições que lhe competem, se o Estado causar dano injusto, ele deverá indenizá-lo para eliminar a desigualdade gerada entre a vítima e seus pares. Por isso, toda a coletividade deve acorrer para a reparação do dano individual. Na lição de CAVALCANTI (1958), nessa teoria “predomina a preocupação com a reparação do dano, que se converte na distribuição desse dano por toda a coletividade. É uma espécie de seguro cuja responsabilidade é minorada pela massa considerável de indivíduos que contribuem para a indenização do prejuízo. Por isso, pode-se dizer que essa teoria constitui uma solução econômica para o problema, criada pela teoria objetiva da ampla reparação. A distribuição dos encargos pela coletividade é uma espécie de seguro coletivo que garante cada pessoa contra os danos que venha a sofrer, e obriga a todos contribuírem, na medida de sua participação fiscal, para a indenização dos prejuízos.” Nestes moldes, a teoria do risco administrativo representa uma verdadeira justiça distributiva, pois defere a todas as pessoas que formam o Estado o dever de concorrer indiretamente para a composição dos danos causados a algumas delas. É por essa razão que ela tem sido agasalhada pelos Estados modernos, dentre eles o Brasil, que a adotou inicialmente na Constituição Federal de 1946 (art. 194). As Constituições que se seguiram permaneceram leais à doutrina do risco administrativo, mantendo a responsabilidade objetiva do Estado até os dias atuais. Assim as Constituições de 1967 (art. 105) e de 1988 (§ 6º do art. 37). Segundo a melhor doutrina, a teoria da responsabilidade objetiva do Estado representa uma consequência lógica do Estado de Direito e nasce como decorrência da submissão dos entes públicos ao ordenamento jurídico. Embora ela dispense a prova da culpa do agente e do Estado, essa teoria não resulta responsabilidades absolutas. Logo, o Estado pode se esquivar do dever de indenizar demonstrando força maior ou culpa exclusiva da vítima, assim como atenuar o ônus indenizatório provando a concorrência de culpas com o lesado. 
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
1. MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993.
2. CAVALCANTI, Amaro. Responsabilidade Civil do Estado. Rio de Janeiro: Editora Borsoi, 1958.
3. MACIEL, Daniel Baggio. Responsabilidade Patrimonial do Estado pela Atividade Jurisdicional. Birigui: Editora Boreal, 2006.

quarta-feira, 7 de maio de 2008

A ATIVIDADE CONCILIATÓRIA NO PROCESSO CIVIL

O processo judicial tem a capacidade de deflagrar uma relação jurídica triangular autônoma entre o autor, o réu e o juiz da causa. Como as relações jurídicas em geral, ela também produz direitos e deveres para todos aqueles que nela atuam, inclusive para o juiz, nada obstante ele ocupe uma posição de proeminência no processo, afinal, o magistrado é a autoridade que representa o Estado. Em todos os processos judiciais, além de poderes instrutórios e decisórios, o juiz também exerce poderes administrativos e de polícia. Daí porque lhe cabe velar pela rápida solução do litígio, advertir e aplicar sanções às partes que se desviem da boa-fé processual, evitar perturbações da audiência ou qualquer tumulto que possa repercutir na prestação jurisdicional. Dentre os poderes do magistrado se insere o "conciliatório" (CPC, art. 125, IV). Na verdade, originalmente, este é um "poder-dever" porque, em geral, o juiz não possui liberdade irrestrita para escolher exercê-lo ou não. Sempre que a espécie de interesse jurídico envolvido no processo permitir e houver probabilidade fática de conciliação, o juiz tem o dever de tentar obtê-la esclarecendo às partes as vantagens de uma solução consensual para o litígio. Aliás, a experiência recomenda que os juízes procurem, tanto quanto possível, conciliar os contendores, mesmo porque todos sabem que a solução amistosa normalmente conforta mais o jurisdicionado do que aquela advinda da sentença. Esse poder conciliatório do juiz pode ser exercido a qualquer tempo no processo, quer de ofício, quer por provocação da parte. Apesar disso, essa prerrogativa não pode ter o elastério de resultar atrasos na marcha regular do processo ou adiamentos da prática de atos processuais, inclusive da emissão de eventual provimento liminar e da sentença de mérito. De igual modo, o poder conciliatório deferido ao juiz não pode restringir o exercício de direitos processuais dos litigantes, notadamente daqueles inerentes ao devido processo legal. Embora o juiz possa tentar conciliar as partes a qualquer tempo, qualquer mediação que ele desenvolva no processo há de ser cautelosa, prudente e jamais derivar para pressões ou juízos de valor precipitados, explícitos ou subliminares. Enfim, o magistrado deve preservar sempre a imparcialidade ínsita à função judicante.
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1. MACIEL, Daniel Baggio. A atividade conciliatória no processo civil. Araçatuba: Página eletrônica Isto é Direito. Maio de 2008.

terça-feira, 6 de maio de 2008

INVENTÁRIO EXTRAJUDICIAL: MAIS UMA MUDANÇA SAUDÁVEL

A Lei 11441/2007 alterou a redação do artigo 982 do Código de Processo Civil para facultar aos herdeiros maiores, capazes e acordes quanto à divisão patrimonial a realização do intitulado "inventário extrajudicial". Apesar disso, a referida alteração não vedou o acesso ao Poder Judiciário (CF, art. 5º, XXXV), pois o inventário e a partilha extrajudiciais são facultativos àqueles que se acharem nessas condições. Daí porque não se pode duvidar da constitucionalidade do mencionado dispositivo legal. Como é visível no artigo 982 e no seu parágrafo único, os requisitos do inventário e da partilha extrajudiciais são os seguintes: 1) que todos os herdeiros sejam maiores e capazes; 2) que todos eles estejam acordes quanto à divisão do acervo hereditário; 3) que a divisão patrimonial seja feita mediante escritura pública; 4) que todas as partes estejam representadas por advogado comum ou advogados de cada uma deles, cuja qualificação e assinatura constarão do ato notarial. Como documento público, a escritura lavrada pelo tabelião é título apto para a transferência patrimonial. Se no espólio houver algum imóvel, a escritura de inventário e partilha deve ser levada a registro no Cartório de Registro de Imóveis competente para aperfeiçoar a transmissão da propriedade do bem. Se no monte-mor houver algum veículo automotor, ela deverá ser apresentada ao Departamento de Trânsito para possibilitar a emissão de novo certificado de propriedade. Além dessa eficácia, a escritura pública de inventário e partilha também configura título executivo extrajudicial entre os herdeiros (CPC, art. 585, I) e possibilita a qualquer um deles promover a execução forçada, notadamente na hipótese de um dos sucessores não cumprir os termos da divisão. Finalmente, outra condição para a partilha extrajudicial é o recolhimento dos tributos e dos emolumentos em geral. Portanto, os herdeiros devem pagar as exações incidentes na operação, em especial o imposto de transmissão "causa mortis", obtendo a guia expedida pela Secretaria da Fazenda do Estado destinatário do tributo.
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1. MACIEL, Daniel Baggio. Inventário extrajudicial: mais uma mudança saudável. Araçatuba: Página eletrônica Isto é Direito. Maio de 2008.

segunda-feira, 5 de maio de 2008

A FORMAÇÃO DO PROCESSO E A ESTABILIZAÇÃO DA DEMANDA

Em regra, o processo judicial começa com a iniciativa da parte autora e se completa com a citação do réu. A respeito do assunto, o CPC fixou o momento em que se dá o início do processo judicial, qual seja, o despacho da petição inicial ou, simplesmente, a distribuição da petição onde houver mais de uma Vara. Quanto aos efeitos da citação, preponderam as regras definidas no artigo 219 da Lei dos Ritos. Realizada a citação, é defeso ao autor modificar o pedido ou a causa de pedir sem o consentimento do réu. Após o saneamento, nenhuma modificação será admitida, ainda que com a autorização do demandado. Neste passo, as partes devem permanecer as mesmas, salvo as substituições permitidas em lei. A razão da “estabilização do processo” em relação ao pedido, à causa de pedir, às partes e ao próprio juízo, assim que se completa a relação processual pela citação, é o interesse público na boa administração da justiça, que tem o poder e a função de decidir de modo certo e definitivo à iniciativa consistente no pedido do autor. Com efeito, se o nosso sistema legislativo admitisse irrestritamente a alteração dos elementos da ação processual (partes, pedido e causa de pedir), haveria sério risco de instabilidades na prestação jurisdicional e, consequentemente, nas relações jurídicas em geral. Portanto, o juiz deve decidir o que foi pedido pelo demandante, tal qual postulado na petição inicial. Caso o autor pretenda formular novo pedido de prestação jurisdicional, que o faça em processo judicial distinto, não naquele no qual já houve a citação do réu.
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1. MACIEL, Daniel Baggio. A formação do processo e estabilização da demanda. Araçatuba: Página eletrônica Isto é Direito. Maio de 2008.

sábado, 3 de maio de 2008

O PRAZO DECADENCIAL DO MANDADO DE SEGURANÇA

O direito de requerer mandado de segurança extingue-se decorridos 120 dias contados da ciência, pelo interessado, do ato impugnado. Esta é a redação do artigo 18 da Lei 1533/51, até hoje alvo de vigorosas críticas doutrinárias, que nele enxergam a existência de inconstitucionalidade material. Aos olhos de alguns escritores, este suposto vício existiria porque a Constituição Federal não restringiu o tempo para o manejo desta ação processual que serve à tutela direitos líquidos e certos, não amparados por “habeas corpus” ou “habeas data”, lesados ou ameaçados de lesão por ato ou omissão ilegal de qualquer autoridade (CF, art. 5º, LXIX). Apesar do esforço doutrinário para combater a mencionada limitação temporal criada pela Lei 1533/51, o Supremo Tribunal Federal recentemente editou a Súmula 632, cujo verbete contém a seguinte orientação: “É constitucional a lei que fixa o prazo de decadência para a impetração de mandado de segurança”. Portanto, desde então, restaram superadas todas as controvérsias sobre o assunto, ademais, o Supremo Tribunal Federal é o intérprete máximo do texto constitucional. Apesar disso, a regra do mencionado artigo 18 deve ser interpretada com certa cautelar, pois há duas espécies de mandado de segurança: o preventivo e o repressivo. O primeiro é passível de ajuizamento quando o titular do direito líquido e certo estiver sofrendo ameaça de lesão, ao passo que o segundo é manejável para fazer cessar os efeitos da agressão já perpetrada contra o direito dotado desses predicados. No mandado de segurança preventivo, não há que se cogitar da fluência do prazo decadencial de 120 dias, mesmo porque a lesão ao direito líquido e certo ainda não se concretizou. Só depois dela se consumar, desde que ciente o interessado, é que faz sentido computar o referido prazo extintivo para a impetração do “writ”. Esta é a razão pela qual aplaudimos a solução dada pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais na Apelação Cível 227.882-8/00 e pelo Superior Tribunal de Justiça no Recurso Especial 434.838.
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1. MACIEL, Daniel Baggio. O prazo decadencial do mandado de segurança. Araçatuba: Página eletrônica Isto é Direito. Maio de 2008.
2. NOTA DE ATUALIZAÇÃO: Atualmente, o mandado de segurança encontra-se disciplinado pela Lei 12.016/2.009.