quinta-feira, 10 de novembro de 2011

AÇÃO DE POSSE PROVISÓRIA DE FILHOS

Ao contrário do que pode parecer à primeira vista, a posse provisória de filhos (CPC, art. 888, III) não é uma medida cautelar, ainda que o deferimento dela em favor de um dos pais ou de terceiro venha apoiado no fundado temor de lesão trágica decorrente da permanência do menor com um ou ambos os genitores. Trata-se de medida jurisdicional que pode ser requerida em caráter preparatório ou incidental no processo judicial em que os pais controvertam, entre si ou com terceiro, a respeito da guarda do menor, mas que possui uma nítida índole antecipatória e satisfativa da decisão final mediante a qual o juiz determinará quem permanecerá como guardião da criança ou do adolescente. Por isso, está com a razão FUX quando defende a tese de que a posse provisória dos filhos pode ser obtida inclusive a título de tutela antecipada na ação de regulamentação da guarda (1). O que pode causar estranheza ao intérprete é o fato de uma medida satisfativa e antecipatória como essa poder ser postulada em processo antecedente àquele em que as partes discutirão quem reúne melhores condições de permanecer na guarda do menor. Porém, esse aparente enigma desaparece quando se tem em mente que a posse é um estado de fato e de direito que, por si só, não aniquila a guarda exercida pelos pais. Além disso, muitas vezes o pai ou a mãe, que pretende promover alguma ação matrimonial em relação ao outro, ainda não reúne todos os elementos e provas que lhe transmitam a segurança necessária para demandar a nulidade do matrimônio, a anulação do casamento ou o divórcio, juntamente com a regulamentação da guarda dos filhos. Logo, o que se considera na ação de posse provisória dos filhos menores ajuizada em caráter antecedente ou incidental à ação principal não é propriamente quem ostenta melhores condições de exercer a guarda, mas sim os interesses superiores da criança ou do adolescente que, diante de uma situação premente, necessita da proteção de um dos genitores ou mesmo de um terceiro (ECA, art. 148, parágrafo único, alínea a). Finalmente, cumpre observar que a expressão "desquite" utilizada no inciso III do artigo 888 passou a designar o instituto da separação judicial em decorrência da Lei nº 6.515/1.977, mas que este foi recentemente abolido do direito brasileiro em virtude da alteração que a Emenda Constitucional nº 66/2.010 imprimiu no § 3º do artigo 226 da Constituição Federal. De todo modo, não há razão alguma para o inciso III do artigo 888 associar a ação de posse provisória dos filhos apenas com a ação de anulação de casamento, seja porque esta não é a única ação matrimonial prevista no nosso ordenamento jurídico, seja porque a ação principal utilizada para definir o estado do menor pode ser até mesmo a de suspensão ou destituição do poder familiar, a de regulamentação ou de modificação da guarda.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
1. FUX, Luiz. Curso de Direito Processual Civil, Rio de Janeiro: Editora Forense, 2001.
2. MACIEL, Daniel Baggio. Processo Cautelar. São Paulo: Editora Boreal, 2012.

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

SEPARAÇÃO DE CORPOS "VERSUS" AFASTAMENTO TEMPORÁRIO DO CÔNJUGE

Uma das confusões mais comumente realizadas pelos práticos refere-se às medidas de separação de corpos e de afastamento temporário de um dos cônjuges da morada do casal. A separação de corpos é medida jurisdicional que está prevista nos artigos 1.562, 1.575, 1.580 e 1.585 do Código Civil e o objetivo dela é eximir temporariamente um dos consortes do "debitum conjugale" decorrente do casamento civil. Portanto, a medida de separação de corpos tutela a liberdade de disposição do próprio corpo e a dignidade do cônjuge ou do companheiro que, por uma razão ou outra, já não é mais capaz de conviver harmoniosamente com o outro. É por isso que essa providência judicial pode ser requerida incidentalmente ou antes mesmo de ser ajuizada a ação declaratória de nulidade do matrimônio, a ação de anulação do casamento, a ação de divórcio ou a ação declaratória da união estável, cumulada ou não com a ação de partilha e a de alimentos (CC, art. 1.562). Aliás, segundo o nosso entendimento, a efetivação da separação dos corpos é capaz até mesmo de inaugurar o prazo previsto no inciso II do artigo 1.597 do Código Civil, segundo o qual são presumidos do marido os filhos nascidos nos trezentos dias subsequentes à dissolução da sociedade conjugal, por morte, separação judicial, nulidade ou anulação do casamento. Por sua vez, o afastamento temporário de um dos cônjuges (ou companheiro) da morada do casal (CPC, art. 888, VI) é uma providência bem mais enérgica porque resulta o impedimento para que o outro permaneça coabitando com o beneficiário dessa tutela, além, é claro, de iniciar a contagem daquele prazo de trezentos dias cujo término neutraliza a presunção "juris tantum" de paternidade. Porque essas medidas judiciais são distintas, o juiz pode decretar a separação dos corpos sem ordenar o afastamento temporário do cônjuge da morada do casal, mas o deferimento desta abrange também aquela. Ademais, ainda que o requerente postule apenas a separação dos corpos, nada obsta a que o juiz determine também o afastamento temporário do consorte do lar conjugal, se os fatos descritos pelo postulante forem de tamanha gravidade que recomendem esse distanciamento e o magistrado perceber o equívoco na postulação. Com efeito, a distinção que fizemos tem total relevância não só do ponto de vista da adequação da postulação ao caso concreto, como também no tocante aos requisitos para a concessão de uma e outra medidas jurisdicionais. O deferimento do pedido de separação de corpos legitimador da negativa do cumprimento do "debitum conjugale" não fica na dependência do fundado receio de lesão grave e de difícil reparação, contentando-se, pois, com a simples ausência da afetividade que normalmente caracteriza as relações matrimoniais. Distintamente, a concessão da medida de afastamento temporário de um dos cônjuges da morada do casal só se justifica diante de situações fáticas que revelem o justo receio de que o requerente possa vir a sofrer agressões físicas ou morais pelo outro consorte, antes ou no curso dos processos judiciais originários da ação declaratória de nulidade do matrimônio, da ação de anulação do casamento, da ação de divórcio ou da ação declaratória da existência da união estável, cumulada ou não com a ação de partilha e a de alimentos. Seja como for, ainda que as medidas de separação de corpos e de afastamento de um dos cônjuges do lar conjugal repercutam eficazmente na proteção da integridade física e psicológica do respectivo beneficiário, ambas possuem índole satisfativa da pretensão de direito material porque acabam adiantando uma parcela dos efeitos jurídicos que decorrerão da sentença que declarar a nulidade do matrimônio, que anular o casamento ou que decretar divórcio do casal. Por expressa previsão legal (CC, art. 1.652 e CPC, art. 888, inc. III), as duas podem ser requeridas mediante ação preparatória ou mesmo incidentalmente no processo em curso. Antes da Emenda Constitucional nº 66/2.010, a efetivação da decisão mandamental de separação de corpos ou de afastamento temporário do cônjuge da morada do casal também inaugurava o prazo de um ano para a conversão da separação judicial em divórcio (CC, art. 1.580). Além disso, segundo iterativa jurisprudência, a realização dessas medidas judiciais igualmente servia para o cômputo do prazo exigido pelo § 2º do artigo 1.580 do Código Civil para o divórcio direto. Porém, com a supressão da separação judicial do nosso ordenamento jurídico e a desvinculação do divórcio de qualquer requisito temporal, o referido parágrafo perdeu a razão de ser. Finalmente, é importante anotar que o fato de a separação de corpos e o afastamento temporário do cônjuge da morada conjugal tramitarem segundo o procedimento previsto pelos artigos 801 a 803 do Código de Processo Civil não tem a capacidade de agregar cautelaridade a elas, afinal, a opção do legislador por esse procedimento especial sumarizado decorreu simplesmente da urgência congênita a essas ações processuais.
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REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA:
1. MACIEL, Daniel Baggio. Processo Cautelar. São Paulo: Editora Boreal, 2012.