segunda-feira, 31 de março de 2008

ARTIGO 285-A DO CPC - JURISPRUDÊNCIA DE PRIMEIRA INSTÂNCIA

O artigo 285-A do Código de Processo Civil estabelece que, quando a matéria controvertida no processo for unicamente de direito e no juízo já houver sido proferida sentença de total improcedência em outros casos idênticos, poderá ser dispensada a citação e proferida sentença, reproduzindo-se o teor da anteriormente prolatada. Essa previsão normativa foi introduzida no Código pela Lei 11277/2006 em homenagem ao princípio da razoável duração do processo judicial, acrescentado no artigo 5º da Constituição da República pela Emenda Constitucional 45/2004 (inc. LXXVIII). Com ele, valorizou-se sobremodo a atividade jurisdicional de primeira instância a fim de simplificar os julgamentos e imprimir maior velocidade na prestação jurisdicional. Mediante essa regra processual, o juiz está autorizado a proferir sentença liminar de improcedência do pedido, vale dizer, logo no início da relação jurídico-processual, sem a citação do réu. Entretanto, há algumas restrições e exigências para tanto. A primeira é a de que a matéria controvertida deve ser unicamente de direito. Portanto, se a matéria debatida no processo também for de fato, é vedado ao juiz proferir sentença liminar. Naturalmente, o juiz só poderá emitir sentença liminar de improcedência do pedido, nunca de procedência, hipótese em que haveria inescondível ofensa aos princípios do devido processo legal, da igualdade, do contraditório e da ampla defesa, caso o magistrado pudesse decidir contra o réu sem antes oportunizar-lhe a defesa. Por sua vez, o juiz só poderá aplicar o artigo 285-A se já houver decidido outros "casos idênticos", ou seja, no mínimo em 2 outros. Ao fazê-lo, a nova sentença não deve apenas mencionar o último caso decidido pelo juízo, mas pelo menos 2 deles e reproduzir o inteiro teor da última decisão prolatada. Considerando a inexistência de citação do réu, naturalmente o juiz não poderá condenar o autor ao pagamento dos honorários advocatícios, senão ao adimplemento das custas processuais finais devidas pela prestação do serviço forense. Por simetria e coerência lógica, essa regra também se aplica aos julgamentos realizados pelos tribunais nas ações processuais de competência originária desses órgãos judiciais, a exemplo das ações rescisórias (CPC, art. 485).
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1. MACIEL, Daniel Baggio. Artigo 285-A do CPC: jurisprudência de primeira instância. Araçatuba: Página eletrônica Isto é Direito. Abril de 2008.

sexta-feira, 28 de março de 2008

A FIXAÇÃO DOS ALIMENTOS EM 1/3 DOS RENDIMENTOS LÍQUIDOS DO DEVEDOR

Uma das construções jurisprudenciais mais conhecidas dos brasileiros é aquela que orienta os juízes para a fixação da prestação alimentícia em torno de 1/3 dos rendimentos líquidos mensais do alimentante. Curiosamente, esse entendimento judiciário foi tão amplamente divulgado nas últimas décadas que não é raro pessoas leigas chegarem aos escritórios de advocacia sustentando antecipadamente o seu pretenso direito alimentar nesse patamar. No entanto, o que muitos demandantes não sabem é que essa fração não possui previsão normativa específica, e nem poderia possuir. Na verdade, ela apenas expressa uma proporção normalmente razoável para a quantificação do pensionamento em muitos casos concretos, isto é, que permite atender às necessidades essenciais de quem postula os alimentos, sem onerar demasiadamente o devedor. Tecnicamente, a prestação alimentícia deve ser arbitrada em atenção ao binômio "necessidade-possibilidade", vale dizer, de acordo com aquilo que a pessoa necessita para viver de modo compatível com a sua condição social, porém, dentro das possibilidades financeiras de quem está obrigado a pensionar (CC, art. 1694). Portanto, quando o magistrado toma em conta essa equação e a aplica no caso concreto, ele pode concluir que o valor da prestação alimentícia deve ficar abaixo do tão popular 1/3. A título de exemplo, não nos parece razoável arbitrar os alimentos para uma criança saudável em 1/3 dos rendimentos líquidos do devedor que possua renda mensal de R$15.000,00. Com efeito, até o senso médio repudia a ideia de que a manutenção de um menor possa custar aos pais R$5.000,00 mensais. O que poucos sabem também é que o dever de sustento dos filhos menores vincula ambos os genitores e que, tanto quanto possível, os dois devem contribuir financeiramente para a manutenção da prole, proporcionalmente aos rendimentos de cada um. Enfim, esse binômio "necessidade-possibilidade" visa justamente a impedir sacrifícios exagerados para quem precisa do pensionamento e para aquele que está obrigado a prestá-lo, afinal, o Direito não deseja o perecimento de ninguém e veda expressamente o enriquecimento sem causa, bem como o empobrecimento injusto.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
1. MACIEL, Daniel Baggio. Processo Cautelar. São Paulo: Editora Boreal, 2012.

quinta-feira, 27 de março de 2008

A IMPRECISÃO DA EXPRESSÃO "AÇÃO DE DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL"

Toda a comunidade jurídica sabe que o instituto da União Estável é fruto das profundas mudanças pelas quais a sociedade brasileira passou especialmente na década que antecedeu a Constituição Federal de 1988, quando se pôde observar o crescente número de pessoas que passaram a constituir famílias não matrimoniais. Essas famílias edificadas essencialmente em cima de vínculos afetivos estabelecidos entre homem e mulher eram, de certo modo, marginalizadas pelo Direito Civil Nacional até o advento da atual Constituição da República (art. 226, § 3º), que as reconheceu e determinou que a lei infraconstitucional facilitasse a conversão delas em casamento. Todos sabem também que, atualmente, a configuração da União Estável prescinde de qualquer requisito temporal, bastando a existência de uma convivência pública, contínua e duradoura, estabelecida com o objetivo de constituir família (CC, art. 1723). No entanto, muitos esquecem que, por simetria ao seu modo de formação, as Uniões Estáveis se desconstituem informalmente, sem a necessidade de qualquer interveniência estatal ou de ações processuais requeridas no Poder Judiciário. Enfim, como diriam os menos sensíveis, basta um "adeus" definitivo entre os conviventes para que essa espécie de relação jurídica termine. A partir daí, o que pode restar para ambos, além das inelimináveis lamentações, é um patrimônio comum a ser partilhado, dependendo do regime de bens que eles pactuaram ou, na falta de ajuste, da aquisição de bens a título oneroso na constância da entidade familiar. Por essas razões, acreditamos que a expressão "Ação de Dissolução de União Estável" é absolutamente imprópria e atécnica, afinal, quando um dos ex-conviventes ajuiza essa ação processual é sinal de que a União Estável já se dissolveu faz tempo. Na verdade, a chamada "Ação de Dissolução de União Estável" não passa de uma "Ação Processual de Partilha", para a qual pode se tornar necessário declarar antes a certeza da existência da União Estável durante um determinado período. Se o caso for este, é melhor intitular a demanda de "Ação Declaratória de União Estável cumulada com Ação de Partilha de Bens Comuns.
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1. MACIEL, Daniel Baggio. A imprecisão da expressão "ação de dissolução de união estável". Araçatuba: Página eletrônica Isto é Direito. Abril de 2008.

segunda-feira, 24 de março de 2008

A ESPECIFICAÇÃO DE PROVAS NO PROCESSO CIVIL

No processo civil moderno, a maioria dos juízes tem o costume de determinar, como providência antecedente ao julgamento do processo, que as partes especifiquem as provas que pretendem produzir. Entretanto, esse procedimento não é admitido por um número considerável de magistrados, sob o fundamento de que a petição inicial é a única oportunidade para o autor detalhar as provas que deseja realizar durante a instrução. A prevalecer essa orientação, o único momento para o réu especificar as suas seria a contestação e a falta dessas especificações, tanto pelo demandante quanto pelo demandado, renderia a perda do ônus processual de provar, vale dizer, a preclusão. O que historicamente tem afligido muitos advogados é o fato de eles seguirem os comandos encontrados nos artigos 282 (VI) e 300 do Código de Processo Civil e, mesmo assim, os juízes despacharem ordenando essa providência. Embora não previsto de modo explícito pela Lei dos Ritos, o mencionado despacho se harmoniza perfeitamente a ela e, no comum, revela-se bastante útil, notadamente quando se tem em conta que os calibres da contestação e da eventual réplica podem alterar substancialmente o ônus probatório que incumbe às partes. A título de exemplo, após a contestação, podem se tornar necessárias provas em princípio não particularizadas pelo autor. Por sua vez, a depender do conteúdo da defesa, outras demonstrações que antes pareciam pertinentes podem até se tornar dispensáveis. Por isso, sem embargo do entendimento contrário, propomos a manutenção desse costume forense, que se adapta perfeitamente à interpretação sistemática do Código e não resulta o sacrifício de qualquer dos princípios que o informam. De todo modo, se o juiz verificar que a petição inicial não contém a indicação das provas que o autor almeja produzir, ele deverá despachar ordenando a intimação do demandante para que a complete no prazo de dez dias, sob pena de indeferimento e extinção do processo sem resolução de mérito. Essa é a postura processual reclamada pelo artigo 284 do Código e com a qual se conserva a autoridade desse dispositivo legal, impedindo o progresso de ideais que apregoam punição diversa e mais grave ao autor. A propósito, registre-se a orientação emanada do Superior Tribunal de Justiça, no sentido de que: “O requerimento de provas divide-se em duas fases: na primeira, vale o protesto genérico para futura especificação probatória (CPC, art. 282, VI); na segunda, após a eventual contestação, o juiz chama à especificação das provas, que será guiada pelos pontos controvertidos na defesa (CPC, art. 324)”. Nesse mesmo precedente, o referido tribunal ainda deixou assentado que “o silêncio da parte, em responder o despacho de especificação de provas, faz precluir o direito à produção probatória, implicando desistência do pedido genérico formulado na inicial.” Em reforço a esse entendimento, é preciso reconhecer que toda essa celeuma envolvendo o mencionado despacho decorre da indisfarçável assimetria entre os artigos 282 (VI) e 300 do Código de Processo Civil, pois o primeiro determina que o autor apenas "indique" as provas que pretende produzir, ao passo que o segundo impõe ao réu o ônus de "especificar" a proposição probatória que fizer. Portanto, em consideração à garantia constitucional da igualdade de tratamento, que também vincula o processo judicial, mais uma razão existe para contornar as dificuldades geradas por esses dois dispositivos legais e acolher a praxe judicial em discussão.   
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1. MACIEL, Daniel Baggio. A especificação de provas no processo civil. Araçatuba: Página eletrônica Isto é Direito. Abril de 2008.
2. STJ, 3ª Turma, Recurso Especial 329.034, Minas Gerais, Relator Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, j. 14.02.2006, DJ 20.03.2006.

terça-feira, 18 de março de 2008

DIREITO DESPORTIVO: UMA BOA OPÇÃO PROFISSIONAL

Você sabia que a Constituição Federal de 1988 não só reconhece a existência da chamada “Justiça Desportiva” como também condiciona o acesso ao Poder Judiciário ao esgotamento prévio das instâncias existentes na justiça do esporte? Estas são apenas algumas das previsões constitucionais a respeito do assunto (CF, art. 217, §§1º e 2º), mas há outras, como aquela que determina à Justiça Desportiva o prazo máximo de 60 dias, contados da instauração do processo, para proferir decisão final a respeito do conflito jurídico que surja no âmbito do esporte profissional. O tema é tão relevante que já há quem defenda, no país do futebol, a existência de uma disciplina autônoma chamada “Direito Desportivo”. Além de relevante, o Direito Desportivo se apresenta como mais um ramo de atuação profissional financeiramente promissor, notadamente nos campos preventivo e contratual. Em uma consulta rápida ao ordenamento jurídico nacional, catalogamos mais de trinta legislações regulando a matéria, entre elas a Lei 9.615/98, intitulada “Lei Pelé”. Por força dessa lei federal, sabe-se hoje que o contrato de “passe” de um atleta profissional é acessório ao contrato de trabalho e que, rescindido este, também restará rescindido aquele, o que normalmente resulta impactos financeiros significativos na vida do esportista e para a agremiação à qual ele pertence. Imagine, então, o peso de uma demanda trabalhista envolvendo determinados atletas brasileiros! Embora a Constituição Federal condicione o acesso ao Poder Judiciário ao exaurimento das instâncias da justiça desportiva, essa cláusula constitucional não se aplica aos conflitos de Direito do Trabalho, mas tão somente àqueles relativos à disciplina e às competições desportivas (TRT 3ª Região, RO 12237, 2ª Turma, Relato Juiz Luiz Otávio Limiares Renault, DJMG 10.4.99). Curioso é que o tema “Justiça Desportiva” não se limita ao âmbito nacional. Quem não se lembra, por exemplo, do caso Ronaldo – “O fenômeno”, que estabeleceu no seio da Comunidade Européia algumas bases para a transferência de jogadores atuantes em clubes espanhóis para outras agremiações estrangeiras. Ronaldo atuava pelo Barcelona e possuía um contrato com uma cláusula rescisória no valor aproximado de U$ 27 milhões de dólares à época. O Internazionale de Milão, interessado em contratar os serviços do atleta (a recíproca era verdadeira), utilizou-se da possibilidade de rescisão unilateral do contrato pelo jogador e depositou na Real Federação de Futebol Espanhola um cheque no exato valor de R$27 milhões de dólares. Tanto o jogador como o clube contratante acreditavam que estariam liberando Ronaldo para atuar no futebol italiano, ao que, contudo, se opôs o Barcelona. Surgiu, assim, uma das maiores disputas jurídicas da história do futebol! O desfecho prático dessa história todo mundo conhece! Mas será que todos conhecem a engenharia jurídica edificada para a liberação de Ronaldo ao Inter de Milão?

sexta-feira, 14 de março de 2008

DEFINIÇÃO DE SENTENÇA SUICIDA

Com certeza, essa é uma daquelas indagações que alguns examinadores adorariam fazer aos seus examinados e que reprovaria um bom número de candidatos em concursos públicos. Apesar dessa expressão revelar-se pouco simpática, ela é de fácil compreensão. Todos sabem que as sentenças de mérito devem ser compostas do relatório, dos fundamentos e do dispositivo. O relatório conterá os nomes das partes, a síntese do pedido e da resposta do réu, bem como o registro das principais ocorrências havidas no processo. Os fundamentos compreenderão a motivação do julgado e neles o juiz analisará as questões de fato e de direito pertinentes à lide. Finalmente, é no dispositivo que o juiz resolverá as questões que as partes lhe submeterem. Esses três requisitos referem-se, como afirmado, às sentenças de mérito (CPC, art. 458), pois as sentenças terminativas devem ser construídas de forma concisa (CPC, art. 459). Pois bem, entende-se por sentença suicida aquela em que o juiz elabora a fundamentação em conflito com a parte dispositiva, tornando o julgado contraditório. Em outras palavras, é a sentença cuja fundamentação e o dispositivo são antagônicos, conflitantes entre si, abrindo margem para o manejo do recurso de Embargos de Declaração (CPC, art. 535).
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1. MACIEL, Daniel Baggio. Definição de sentença suicida. Araçatuba: Página eletrônica Isto é Direito. Abril de 2008.