terça-feira, 20 de outubro de 2020

A APELAÇÃO E O JULGAMENTO DA CAUSA MADURA

O parágrafo 3º do artigo 1.013 relaciona quatro situações em que o tribunal, ao conhecer da apelação, deve decidir desde logo o mérito, sem antes restituir os autos ao juiz prolator da sentença recorrida. Para tanto, é pressuposto que o processo esteja em condições de imediato julgamento, o que somente ocorrerá se ele houver se desenvolvido regularmente e compreendido todos os atos que, no caso concreto, subordinam a emissão da sentença de mérito. A “contrario sensu”, o tribunal não pode decidir prontamente o mérito se o processo, por alguma nulidade ou incompletude, não comportar a prolação de sentença da mesma espécie (CPC, art. 487). A título de exemplo, não estará em condições de imediato julgamento o processo em que o juiz cercear a produção de provas e julgá-lo antecipadamente. As hipóteses em que o tribunal deve decidir desde logo o mérito são as seguintes: quando reformar sentença sem resolução de mérito (art. 484), decretar a nulidade da sentença que não é congruente com os limites do pedido ou da causa de pedir (arts. 141, 490 e 492), constatar a omissão no exame de um dos pedidos ou decretar a nulidade de sentença por falta de fundamentação (arts. 11 e 489, § 1º). Configurada qualquer dessas situações e estando o processo em condições de imediato julgamento, constitui-se o direito subjetivo das partes a um pronunciamento de mérito do tribunal, de modo que não se lhe reconhece qualquer discricionariedade para que delibere, segundo critérios de conveniência e oportunidade, pela restituição dos autos ao primeiro grau de jurisdição. Ao disciplinar o julgamento da causa madura pelo tribunal, é visível que o Código atribuiu prevalência aos princípios da razoável duração do processo (CF, art. 5º, inc. LXXVIII e CPC, art. 6º) e da primazia da decisão de mérito (CPC, art. 40), pois a restituição dos autos ao primeiro grau de jurisdição, para a emissão de outra sentença ensejadora de nova apelação, ampliaria sobremodo o desenvolvimento da relação processual. É justamente por essas razões que sequer é necessário à parte postular ou concordar com o julgamento do mérito pelo tribunal, nas situações indicadas no parágrafo 3º, competindo-lhe proceder de ofício, inclusive em atenção ao comando inserido no caput do artigo 1.013, que conjugou o verbo “dever” no modo imperativo. Finalmente, enquanto o parágrafo 3º do artigo 1.013 autoriza o tribunal a decidir desde logo o mérito, quando a sentença estiver caracterizada pelos defeitos processuais que especifica e desde que o processo esteja em condições de imediato julgamento, o parágrafo 4º determina que ele julgue prontamente as demais questões compreendidas no mérito, sem restituir previamente o processo ao primeiro grau de jurisdição, quando reformar a sentença que reconhecer a decadência ou a prescrição. Porque a decadência e a prescrição são temas de direito material e se inserem no mérito de qualquer processo, o Código optou por indicá-las em um parágrafo diverso daquele em que relacionou aquelas quatro situações de direito processual, que autorizam o julgamento da causa madura. Apesar disso, não há como dissociar o parágrafo 4º da exigência contida no parágrafo 3º, de que o tribunal somente deve decidir o mérito, em sede de apelação, se o processo estiver em condições de imediato julgamento. Em outros termos, porque o parágrafo 4º disse menos do que devia e disciplina exatamente o mesmo instituto do parágrafo 3º, as previsões deste devem ser interpretadas extensivamente àquele, de modo que o tribunal apenas decidirá desde logo as demais questões de mérito se, ao reformar a sentença que proclamar a decadência ou a prescrição, o processo estiver em condições de imediato julgamento. Do contrário, ele deve restituir o processo ao primeiro grau de jurisdição, para que este cumpra o procedimento que subordina a validade da nova sentença que lhe compete, contra a qual caberão novos recursos, ao menos em tese.

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MACIEL, Daniel Baggio. A apelação e o julgamento da causa madura. Página eletrônica Isto é Direito, outubro de 2020.