domingo, 29 de março de 2009

A INDENIZAÇÃO DO DANO MORAL INDIVIDUAL NO BRASIL

Conforme assinala STOCO, a compensação do dano moral é tema bastante controvertido em doutrina e jurisprudência. Um dos motivos que levam ao debate acirrado sobre o assunto é a dificuldade de dosar as indenizações em casos tais, porque aqui não há como reconduzir a vítima ao estado anterior de coisas mediante o pagamento de uma determinada soma em dinheiro matematicamente aferível. Pela via da indenização monetária, objetiva-se apenas atenuar as consequências psicológicas amargadas pelo lesado, sem, contudo, restaurar completamente a mesma situação de ânimo em que ele se encontrava antes da lesão. Daí decorre, inevitavelmente, a seguinte pergunta: que valor é suficiente e eficaz para tanto? Quando se cuida de indenizar esta espécie de dano, o julgador ingressa num terreno de difícil trânsito, porque o efeito moral da lesão normalmente é de difícil avaliação e oscila em cada caso conforme as suas circunstâncias. Esta é a razão da existência de decisões judiciais aparentemente contrastantes em casos que guardam semelhanças, mas que expressam, na verdade, que a quantificação do dano moral não pode ficar reclusa a balizas pouco flexíveis impostas pela lei, sob pena de flagrantes injustiças, afinal, a mínima modificação no fato pode gerar grande diversidade no direito. Ao tratar do dano moral no caso concreto, deve o magistrado, antes de tudo, ter em mente a natureza da indenização a ser arbitrada, isto é, conhecer bem quais são as suas finalidades originais. Em segundo lugar, deve investigar todas as circunstâncias da lesão e os seus efeitos. Também é imperioso que considere dados essenciais a respeito do ofensor e do ofendido e sempre pautar suas decisões dentro de um critério de razoabilidade. A indenização do dano moral tem caráter dúplice, isto é, compensatório e punitivo. Compensatório porque tem o propósito de abrandar as consequências psíquicas causadas pela lesão, possibilitando que a vítima tenha acesso a determinados bens da vida que lhe tragam satisfação, mediante o uso da quantia recebida na ação judicial, que não pode, contudo, ser fonte de enriquecimento ilícito. Punitivo porque a quantia arbitrada deve ter um efeito aflitivo sobre o ofensor a fim de sancioná-lo pelo dano causado. Do mesmo modo, fixando-se indenização que implique a prudente diminuição do seu patrimônio, procura-se também desestimular a recidiva. Isso não significa, contudo, que se deva exorbitar a punição do agente, a ponto de identificá-la com os padrões americanos dos "punitive damages" (indenizações punitivas). Atento à natureza dúplice da indenização, o magistrado deve seguir as demais orientações fornecidas pela doutrina, grande parte delas alinhadas DINIZ (2002, p.92) para obter homogeneidade na avaliação do dano moral. Resumidamente, eis as recomendações a serem observadas pelo juiz: a) a quantia arbitrada não pode ser tão ínfima que possa aviltar a reparação, desvirtuando a sua finalidade; b) não poderá, entretanto, servir como fonte de enriquecimento sem causa para os lesados; c) não aceitar tarifação, porque esta implica despersonalização da indenização; d) equacionar o valor de acordo com a espécie de lesão, a sua extensão e gravidade; e) investigar a repercussão pública provocada pelo evento lesivo e as suas circunstâncias; f) verificar os benefícios eventualmente obtidos pelo agente, o seu posicionamento ulterior diante da vítima e a sua situação econômica; g) verificar a intensidade do dolo ou da culpa do ofensor; h) analisar a pessoa da vítima, verificando o seu estado de ânimo após a lesão, a sua posição social, política, profissional e seu grau de instrução escolar; i) pesquisar a jurisprudência e harmonizar a indenização àquelas arbitradas em casos semelhantes; j) evitar estabelecer presunções precipitadas, fundamentando-se em prova robusta do dano; l) utilizar-se da prudência e da razoabilidade no caso “sub judice”, levando em conta o contexto econômico do país.
_______________
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
1. STOCO, Rui. Tratado de Responsabilidade Civil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001.
2. PINHEIRO MARÇAL. Sérgio. A respeito da teoria do valor desestímulo e os “punitive damages” nos Estados Unidos, confira-se artigo de Sérgio Pinheiro Marçal, do Pinheiro Neto Advogados, publicado no Boletim do 3o RTD, de São Paulo, setembro/97, número 126.
3. DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil. São Paulo: Editora Saraiva, 2002.
4. MACIEL, Daniel Baggio. Responsabilidade do Estado pela Atividade Jurisdicional. São Paulo: Editora Boreal, 2006.

ALGUMAS ESPÉCIES DE BUSCA E APREENSÃO

Embora o Livro III do Código discipline a medida e o procedimento de busca e apreensão, nem todas as medidas jurisdicionais assim intituladas são dotadas de cautelaridade. Em verdade, o direito brasileiro prevê várias providências judiciais com essa nomenclatura, mas nem todas elas visam à mera asseguração de um direito provável contra o estado de perigo. Por essa razão é que, não raramente, alguns operadores do Direito incorrem em erro ao tratá-las todas como se cautelares fossem e as postulam, indiscriminadamente, sob os fundamentos do "fumus boni iuris" e do "periculum in mora". À guisa de exemplo, certa vez tivemos a oportunidade de contestar uma ação de busca e apreensão intentada como demanda cautelar por uma mãe para reaver a filha menor que estava temporariamente sob os cuidados de uma vizinha. A menor, severamente castigada pela genitora, empreendeu fuga e alojou-se emergencialmente na residência da nossa assistida, que prestou abrigo à adolescente em situação de risco. Considerando que a mãe estava regularmente investida na guarda, a busca e apreensão almejada não objetivava apenas tutelar temporariamente um direito supostamente afetado pelo risco de dano irreparável ou de difícil reparação, mas sim satisfazer plena e definitivamente a pretensão da genitora de ter a filha menor em sua companhia. Nada obstante, a demanda foi inadvertidamente proposta como cautelar e, com o advento da ordem judicial para a emenda à petição inicial, a autora informou que se tratava de uma "ação cautelar satisfativa" de busca e apreensão, afinal, ela não vislumbrou a necessidade nem a existência de qualquer outra ação processual sucessiva. Com efeito, o primeiro equívoco da requerente consistiu em ajuizar uma ação cautelar de busca e apreensão porque o provimento judicial pretendido iria muito além de simplesmente assegurar um provável direito da mãe sobre a menor. Na verdade, cumprida a busca e apreensão, restaria satisfeito permanentemente para a requerente o seu direito material de ter a filha consigo. Portanto, a ação processual adequada era de conhecimento, não cautelar. O segundo engano foi o de supor a existência de uma medida cautelar satisfativa de busca e apreensão. Ora, se é cautelar não pode ser satisfativa e vice-versa. Tampouco a liminar de busca e apreensão pretendida pela autora possuía cautelaridade, ademais, ela realizaria antecipada e provisoriamente a pretensão deduzida na inicial. Tratava-se, pois, de medida antecipatória subordinada aos requisitos delineados pelo artigo 273 do Código de Processo Civil, enfim, do que comumente se denomina de antecipação de tutela. Com efeito, nenhuma impropriedade haveria se a genitora houve ajuizado uma ação de conhecimento de busca e apreensão com pedido de liminar antecipatória, apontando o procedimento cautelar previsto no Livro III para fazer processar a causa. Isso porque o emprego do rito cautelar para o processo de conhecimento não tem o condão de alterar-lhe a natureza, que permanece cognitiva, e tampouco é capaz de modificar a índole da busca e apreensão, que se conserva satisfativa. A principal utilidade dessa prática processual é acrescer velocidade ao processo de conhecimento que objetiva a busca e apreensão, afinal, o rito cautelar é especial e permite alcançar a fase decisória em menor tempo do que o procedimento ordinário. Trazendo à luz esses mesmos fundamentos, OVÍDIO BAPTISTA revela sua inclinação por esse posicionamento dizendo que: “No que respeita à ação de busca e apreensão de incapazes, de natureza satisfativa e definitiva, Theodoro Júnior (Comentários 276) é de opinião que ela se deva processar como procedimento ordinário, ‘como ação de cognição’. Seu ponto de vista é respeitável. Temos a maior simpatia, porém, pela solução oposta, qual seja, a de dar às demandas de busca e apreensão de incapazes, mesmo quando satisfativas, o rito desta Seção, ao invés de processá-las como demandas de procedimento ordinário”. GARRIDO DE PAULA também compartilha desse entendimento e ensina que: “Seja tutela preventiva ou satisfativa, o procedimento para a obtenção da providência segue os parâmetros indicados nos artigos 839 a 843, importando procedimento especial que, em caso de lacuna, é integrado pelas disposições gerais dos artigos 796 a 812 do CPC.” (1) Também não refutamos o parecer de THEODORO JÚNIOR sobre o tema, porém, não vislumbramos óbice algum em fazer as demandas de busca e apreensão de incapazes serem processadas segundo o procedimento especial regulado a partir do artigo 839, independentemente delas ostentarem índole cautelar ou satisfativa. Entretanto, que não se confundam as noções de ação processual, de medida jurisdicional, de processo judicial e de procedimento! Enfim, tudo o que escrevemos até aqui tem a finalidade de demonstrar que nem toda busca e apreensão é cautelar, ao contrário do que muitos imaginam quando se deparam com a Seção IV do Livro III. Quando a ação processual intentada almejar a busca e apreensão de incapaz irregularmente em poder de terceiro, a demanda é satisfativa. Conseqüentemente, a ação e o processo são de conhecimento, não cautelares. Outro caso corriqueiro em que a ação de busca e apreensão é cognitiva e satisfativa é o do pai divorciado que, após a regulamentação judicial da guarda em favor da esposa, retira o filho menor do lar materno para visitação e o retém indevidamente além do período destinado a esses encontros. Buscado e apreendido o filho menor, o direito material da mãe ficará definitivamente satisfeito, não apenas assegurado por um certo tempo. Contudo, diferente é a situação em que se encontram os pais, casados ou não, quando ainda não houve a definição judicial da guarda do filho menor em favor de um deles. Como ambos possuem o mesmo direito material em relação ao descendente, qualquer ação de busca e apreensão que um ajuíze contra o outro só pode possuir natureza cautelar e deve firmar-se nos pressupostos do "fumus boni iuris" e do "periculum in mora", afinal, aqui não se pode imaginar satisfazer definitivamente a pretensão de um genitor em detrimento do outro, que possui idêntico direito. Como ação genuinamente cautelar, ela gera para o requerente o ônus de propor a ação principal. Por isso é que THEODORO JÚNIOR só reconhece cautelaridade na busca e apreensão quando ela serve “à atuação de outras medidas cautelares ou quando por si só desempenha a função de assegurar o estado de fato necessário à útil e eficiente atuação do processo principal, diante do perigo na demora”, vale dizer, quando ela não tende à realização concreta e definitiva de um direito do requerente sobre a pessoa ou a coisa objeto da providência judicial. (2) Finalmente, é satisfativa e autônoma a ação de busca e apreensão de bem objeto de alienação fiduciária em garantia regulada pelo Decreto-lei 911/1.969. Conhecida como ação de retomada, essa busca e apreensão, tão comum no meio forense, tem a finalidade de reaver o bem cuja aquisição foi proporcionada pelo mútuo contratado com agente financeiro, que reservou para si o direito de propriedade da coisa financiada. O tomador do mútuo que descumprir a obrigação de pagar as prestações ajustadas pode ser demandado na ação de busca e apreensão e perder definitivamente a posse direta do bem. Nessas condições, não é difícil ver que a autonomia e a satisfatividade dessa ação processual tornam desnecessário instaurar qualquer outro procedimento posterior, aliás, conforme assinalado textualmente no § 8º do artigo 3º do referido Decreto-lei.
______________________
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
1. MACIEL, Daniel Baggio. Processo Cautelar. São Paulo: Editora Boreal, 2012.
2, SILVA, Ovídio Araújo Baptista da. Do Processo Cautelar. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2001.
3. GARRIDO DE PAULA. CPC Comentado. Coordenador Antonio Carlos Marcato. São Paulo: Editora Atlas, 2008.
4. THEODORO JÚNIOR. Processo Cautelar. São Paulo: Editora Leud, 1995.

domingo, 22 de março de 2009

FINALIDADE DA AÇÃO CAUTELAR DE PRODUÇÃO ANTECIPADA DE PROVAS

A ação cautelar denominada impropriamente de produção antecipada de provas visa a preservar o direito que a parte titulariza de demonstrar, no futuro processo principal, fatos constitutivos, impeditivos ou modificativos que ela tenderá a afirmar na sucessiva demanda cognitiva ou executiva. Em outras palavras, o que se coloca sob a tutela jurisdicional do Estado na ação de asseguração de provas é o direito provável à prova de fato determinado, quando esse direito se achar ameaçado por alguma circunstância episódica capaz de dificultar ou impedir a produção dela no momento apropriado. Seja pela análise da legislação material ou pela compreensão da lei processual, não é difícil perceber que as partes no processo titularizam um genuíno direito à prova, afinal, se elas possuem o ônus de provar fatos (CPC, art. 333), a essa incumbência legal só pode corresponder algum direito. Portanto, a finalidade da ação cautelar prevista nos artigos 846 e seguintes da Lei dos Ritos é a segurança do direito à prova, o que se alcança, na prática, com a obtenção emergencial do elemento de convicção que estiver em estado de perigo. Para tanto, deverá ser documentado o interrogatório da parte, a inquirição de testemunhas ou o exame pericial, evitando, com isso, o desaparecimento de dados ou informações úteis ao justo acertamento do conflito no processo principal. Entretanto, como adverte THEODORO JÚNIOR, “a coleta de depoimentos ou a realização de laudos periciais em procedimentos cautelares antecipatórios não muda a natureza da prova realmente feita, transformando-os em prova documental. Os depoimentos continuarão sendo prova oral e o exame continuará sendo prova pericial." Considerando que a asseguração de provas possui natureza exclusivamente cautelar, o deferimento dessa medida jurisdicional no caso concreto fica na dependência da demonstração da existência dos pressupostos legais de concessão das tutelas de mera segurança, quais sejam, o "fumus boni iuris" e o "periculum damnun irreparabile". Por essa razão, aquele que manejar a ação cautelar antecedente deverá evidenciar o seu direito provável à prova e as circunstâncias que justificam o receio de ser tornar embaraçosa a futura produção dela. Para justificar o direito provável à prova, basta que o requerente da asseguração mencione com precisão o fato jurídico sobre o qual ela recairá e evidencie a relevância dela para o futuro e eventual processo principal em que o postulante da medida será parte. De outro lado, para demonstrar o fundado temor de se tornar difícil ou impossível a produção da prova na fase processual oportuna, o requerente da medida deverá expor o risco a que ela está sujeita e a necessidade da asseguração emergencial. Embora essa medida jurisdicional tutele o direito da parte à prova, não se pode deixar de reconhecer nela uma utilidade transcedental, qual seja, o justo acertamento do conflito de interesses sobre o qual recairá o processo principal. Nas palavras de THEODORO JÚNIOR, “como a finalidade do processo é a justa composição do litígio e esta só é satisfeita mediante a descoberta da verdade, a medida que vise a tutelar a comprovação antecipada da verdade serve indubitavelmente mais ao processo que propriamente ao interesse ou ao direito subjetivo da parte.”
_________________

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
1. MACIEL, Daniel Baggio. Processo Cautelar. São Paulo: Editora Boreal, 2012.
2. THEODORO JÚNIOR, Humberto. Processo Cautelar. São Paulo: Editora Leud, 1995.

domingo, 15 de março de 2009

ESPÉCIES DE EXIBIÇÃO DE DOCUMENTOS

A doutrina brasileira reconhece três espécies de pedidos de exibição: a exibição como objeto de ação cautelar antecedente, a exibição como objeto de ação cognitiva satisfativa e a exibição incidental com finalidade probatória no processo de conhecimento. A "ação cautelar antecedente de exibição" sempre se baseia na necessidade de preservação emergencial do documento ou da coisa que se encontre em estado de perigo, para que seja possível instruir o futuro processo principal. Diferentemente, a "ação autônoma cognitiva de exibição" advém de uma relação jurídica que gera para o requerente da medida o direito material de conhecer o documento ou a coisa cuja apresentação é almejada. Por essa razão, esta ação processual revela um nítido caráter satisfativo que lhe retira todo e qualquer resquício de cautelaridade, mesmo que o documento mostrado pelo requerido possa ser utilizado como meio de prova em outro processo judicial. Por sua vez, a "exibição incidental probatória" nunca decorre de uma ação cautelar ou cognitiva satisfativa, mas sim do poder instrutório do qual está investido o juiz e que lhe autoriza ordenar, no curso do processo de conhecimento, a apresentação de documento importante para a prova de algum fato jurídico relacionado à lide. Por essa razão, a exibição incidental probatória pode ser determinada de ofício ou a requerimento da parte que demonstrar legítimo interesse na produção da prova documental.
__________________________

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA:
1. MACIEL, Daniel Baggio. Processo Cautelar. São Paulo: Editora Boreal, 2012.