terça-feira, 30 de junho de 2009

CASO FORTUITO E FORÇA MAIOR: HÁ DIFERENÇA ENTRE ELES?

Existem certos fatos capazes de influenciar alguns acontecimentos da vida e que extinguem o nexo causal indispensável para que se estabeleça a obrigação de reparar o dano experimentado pela vítima. Dentre esses eventos encontram-se o caso fortuito e a força maior, que se verificam “no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir”, conforme o artigo 393 do Código Civil. Como se observa da redação desse dispositivo legal, o legislador não se preocupou em distinguir o caso fortuito da força maior, apontando, no entanto, a mesma consequência jurídica para ambos: a exclusão da responsabilidade patrimonial pelos prejuízos que resultarem deles. É por essa razão que parte da doutrina insiste que não há diferença alguma entre essas excludentes da responsabilidade civil, já que seus efeitos são idênticos. Essa é a opinião de MELO DA SILVA. Contudo, há escritores que sustentam haver distinções significativas entre essas duas causas capazes de romper o nexo causal. Na opinião de CAIO MÁRIO, “em pura doutrina distinguem-se estes eventos dizendo que o caso fortuito é o acontecimento natural, derivado das forças da natureza ou o fato das coisas, como o raio, a inundação, o terremoto ou o temporal. Na força maior há sempre um elemento humano, a ação das autoridades (factum principis), como a revolução, o furto ou roubo, o assalto ou, noutro gênero, a desapropriação.” Dessas conceituações diverge MARIA HELENA DINIZ ao afirmar que na "força maior a causa do dano é sempre conhecida porque decorre de um fato da natureza, ao passo que no caso fortuito o acidente advém de uma causa desconhecida ou de algum comportamento de terceiro que, sendo absoluto, acarreta a extinção das obrigações, salvo se as partes convencionaram o pagamento de alguma indenização ou se a lei estabelecer esse dever, nos casos de responsabilidade objetiva." De qualquer modo, importante mesmo é que o caso fortuito e a força maior são acontecimentos inevitáveis, que eliminam a relação de causalidade entre o prejuízo experimentado pela vítima e a conduta do suposto agente. Ordinariamente, ocorrendo um ou outro, não haverá o dever de reparar os prejuízos daí resultantes, exceto se houver contratação garantindo a indenização nessas situações ou se a lei expressamente mencionar apenas um deles, tal qual ocorre nos artigos 737 e 936 do Código Civil, que tratam da responsabilidade do transportador de pessoas e do dono ou detentor de animal, respectivamente. Nos eventos regidos por esses dois dispositivos legais, apenas a força maior funciona como excludente da responsabilidade.
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1. DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2006.
2. MELO DA SILVA, Wilson. Responsabilidade sem culpa. São Paulo: Saraiva, 1974.
3. SILVA PEREIRA, Caio Mário. Instituições de Direito Civil. Rio de Janeiro: Editora Forense, 1999.
4. MACIEL, Daniel Baggio. Caso fortuito e força maior: há diferença entre eles? Araçatuba: Página eletrônica Isto é Direito. Junho de 2009.

sábado, 20 de junho de 2009

RESPONSABILIDADE DO ESTADO POR CONDUTAS DO JUIZ

Tema relativamente controvertido é a existência de responsabilidade do Estado pelas falhas funcionais do juiz, disciplinadas no artigo 133 do Código de Processo Civil. De um lado encontram-se doutrinadores que entendem não haver responsabilidade para o Estado quando o juiz causar dano ao jurisdicionado, por uma das formas previstas no mencionado dispositivo legal. Perfilhando desse mesmo entendimento, a jurisprudência que se formou nos tribunais pátrios, de 1950 a 1980, era dominante no sentido de que o Estado não responde por atos do Poder Judiciário, como se vê de acórdão assim ementado (RT, 259:127): "A responsabilidade do Estado se restringe aos danos causados por funcionários administrativos, nessa qualidade, a terceiros; não responde o Estado por possíveis danos, oriundos de decisões ou atos judiciais errados, segundo a doutrina já aceita e consagrada pela jurisprudência dos tribunais." Contudo, de outro lado posicionam-se aqueles que enxergam responsabilidade solidária do Estado pelos atos lesivos e ilícitos praticados pelo juiz. Este é o pensamento de HELY LOPES MEIRELLES (1992, p. 562) e de MARIA HELENA DINIZ (2002, p. 561). Muito embora o Código de Processo Civil tenha estabelecido a responsabilidade civil do juiz nos casos de dolo ou fraude no exercício das suas funções, assim também de recusa, omissão ou retardamento de providência que deva determinar de ofício ou a requerimento da parte, isso não significa que o Estado não possa ser responsabilizado nestas situações. O mesmo se diga em relação possíveis falhas do magistrado de que trata o artigo 1744, incisos I e II, do Código Civil. Como já demonstramos mais de uma vez, o juiz é um agente estatal que pode comprometer o Poder Público com suas ações e omissões, dolosas ou culposas. Além disso, a Constituição Federal prevê expressamente, no parágrafo 6º do artigo 37, que as pessoas jurídicas de direito público respondem pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros. Portanto, se o juiz é um agente estatal que pode, nessa qualidade, causar dano ao jurisdicionado, não há razão jurídica para eximir o Estado do dever de reparar o dano. Seja pela supremacia da Constituição Federal em relação ao Código de Processo Civil, seja pela própria dicção do artigo 133 da Lei do Ritos, nada faz crer que o Estado está imune à responsabilidade que tem perante os jurisdicionados, em razão do exercício da atividade jurisdicional. É certo que a indenização paga pelo Poder Público ao particular, em razão de ilícito praticado pelo juiz, pode ser exigida em ação regressiva, como, ademais, prevê a parte final do referido parágrafo 6º. Além disso, importa lembrar que, nas hipóteses do artigo 133 do Código de Processo Civil, o jurisdicionado tem o direito de exigir a indenização diretamente do magistrado que lhe causou o dano ou, alternativamente, do Estado, que tem responsabilidade pelo comportamento lesivo do seu agente. Muito embora existam vários entraves ao recebimento de indenizações do Estado, a exemplo do precatório exigido pelo artigo 100 da Constituição Federal, a sua solvabilidade é sempre certa, ao contrário do juiz, que nem sempre reúne condições financeiras para indenizar o lesado pelos danos que causar nas hipóteses comentadas. Por isso, o jurisdicionado poderá preferir propor a ação reparatória contra o Estado, ao qual caberá indenizar o dano e voltar-se contra o magistrado, se entender que este agiu com dolo ou culpa (CPC, art. 133, I e II). Contudo, se direcionar a demanda contra o juiz, o particular ficará incumbido de provar a conduta dolosa ou fraudulenta do magistrado, ou ainda a recusa, a omissão ou o retardamento de providência que o juiz deveria determinar, assim como os demais pressupostos gerais da responsabilidade civil examinados na nossa obra literária.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
1. MACIEL. Daniel Baggio. Responsabilidade patrimonial do Estado pela atividade jurisdicional. Editora Boreal, 2006.
2. MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 1992.
3. DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2002.

domingo, 7 de junho de 2009

AÇÃO DE EXIBIÇÃO DE DOCUMENTO: SATISFATIVA OU CAUTELAR?

No inciso II do artigo 844 da Lei dos Ritos está prevista a medida de exibição de documento, próprio ou comum, em poder de co-interessado, sócio, condômino, credor ou devedor; ou em poder de terceiro que o tenha em sua guarda, como inventariante, testamenteiro, depositário ou administrador de bens alheios. Em cima das lições de PAOLO GUIDE, OVÍDIO BAPTISTA conceitua documento como “todo objeto corporal, produto da atividade humana que, através da percepção de algum sinal impresso em si, ou pela luz ou pelo som que possa produzir, seja capaz de representar, de modo permanente, um fato existente fora do seu conteúdo.” Portanto, além das tradicionais formas gráficas de representação, também são considerados documentos as fotografias, as gravações realizadas em fitas eletromagnéticas ou em dispositivos de informática aptos para o armazenamento de dados, enfim, qualquer objeto que possa conter impressões duradouras capazes de representar algum fato. Entende-se por “documento próprio” aquele que pertence ao requerente da medida. "Documento comum" não é somente aquele do qual o requerente da exibição é condômino, mas também aquele que representa uma relação jurídica entre ele e o réu ou entre uma das partes e terceiro. Portanto, em lugar da expressão "documento comum", o Código deveria ter mencionado “documento cujo conteúdo é de interesse comum” do postulante da medida. De todo modo, quando o inciso II disciplinou a exibição de documento próprio ou comum, ele acabou elencando um grande número de pessoas que podem estar em poder do objeto corpóreo a ser exibido. Assim é que ele aponta, a título de exemplo, o co-interessado, sócio, condômino, credor, devedor, inventariante, testamenteiro, depositário ou administrador de bens alheios. Logo, o fato de o documento estar em poder de algum sujeito olvidado pelo inciso II não exclui, por si só, a possibilidade do uso da ação exibitória. Com efeito, o grande problema do inciso II do artigo 844 é que ele não distinguiu a “ação cautelar de exibição de documento” das demais “ações processuais” capazes de veicular uma pretensão exibitória satisfativa e, inadvertidamente, acabou transmitindo a impressão de que todas elas têm lugar como procedimento preparatório. Ora, se o documento a ser exibido pertence ao requerente, a ação processual utilizada unicamente para vistoriá-lo tende a ser de “conhecimento e satisfativa”, até porque, neste caso, a causa de pedir exposta pelo autor é justamente a propriedade exclusiva ou condominial da coisa corpórea a que ele pretende ter acesso. Logo, se o autor apenas almeja ter o contato visual com o documento que ele demonstra ser seu, certamente a ação processual correspondente não é preparatória e, tampouco, cautelar. Tanto é assim que, examinado o documento, o autor não precisará ajuizar qualquer outra ação sucessiva, afinal, a tutela exibitória já haverá satisfeito plenamente o direito material afirmado. Diferentemente da ação de conhecimento de exibição de documento, a “ação cautelar exibitória” é sempre manejável com a finalidade de assegurar prova útil a um futuro processo principal e, justamente por isso, ela deve ser intentada em caráter preparatório, ou melhor, antes da instauração do processo principal em que essa prova será efetivamente produzida. A propósito dessa diferenciação, THEODORO JÚNIOR enfatiza que a ação cautelar exibitória apenas visa a obter elementos de fato que se destinam a instruir o futuro processo principal, sem se preocupar com a maior ou menor razão daquele que dela se vale e sem ter um objetivo a exaurir em si mesma.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
1. MACIEL, Daniel Baggio. Processo Cautelar. São Paulo: Editora Boreal, 2012.
2. SILVA, Ovídio Araújo Baptista da. Do processo cautelar. 3ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 367.
3. THEODORO JÚNIOR, Humberto. Processo Cautelar. 16ª edição. São Paulo: Leud, 1.995, p. 291.
(*) Estabelece o § 810 do Código Civil da Alemanha: “Quem tiver interesse jurídico no fato de examinar um documento que se acha na posse de um estranho, poderá exigir, do possuidor, permissão para o exame, quando o documento houver sido outorgado no seu interesse, ou, no documento, estiver registrada uma relação jurídica existente entre ele e um outro, ou quando o documento contiver, sobre um negócio jurídico, condições que foram tratadas entre ele e um outro, ou entre um dos dois e um intermediário comum.”