terça-feira, 31 de maio de 2011

AÇÃO DE REVISÃO CRIMINAL

No direito brasileiro a eliminação do erro judiciário penal após o trânsito em julgado da sentença penal condenatória está condicionada ao ajuizamento da revisão criminal e à procedência da pretensão nela deduzida. É o que se extrai da cabeça do artigo 622 do Código de Processo Penal, segundo o qual “a revisão poderá ser requerida em qualquer tempo, antes da extinção da pena ou após”. Portanto, no Brasil o direito à revisão da condenação não é elidido pela coisa julgada material e formal constituída no processo penal. Mais do que isso, a revisão também não se sujeita a prazo, porque ela pode ser pedida antes ou depois da extinção da pena, pelo próprio réu ou por procurador legalmente habilitado ou, em caso de morte do condenado, pelo cônjuge, ascendente, descendente ou irmão, conforme o artigo 623 dessa lei adjetiva. Procedente o pedido revisional fundamentado em uma das hipóteses do artigo 621 do Código de Processo Penal, surgirá para o Estado (União ou Estado-membro, conforme o caso) a responsabilidade de indenizar o condenado por erro judiciário, independentemente de culpa, nos termos do artigo 630 do Código de Processo Penal e do artigo 37, parágrafo 6º, da Constituição Federal. Pela interpretação sintática do “caput” do referido artigo 630, parece que o legislador infraconstitucional, após estabelecer a necessidade de revisão criminal para a rescisão da sentença penal condenatória, tornou a indenização do erro judiciário uma mera faculdade a ser reconhecida pelo Tribunal competente, ou seja, sem caráter obrigatório mesmo quando requerida pelo lesado. Isso porque a estrutura normativa deste dispositivo emprega a palavra “poderá”, aparentando que a concessão da indenização nestes casos se sujeita à “discricionariedade” do órgão colegiado de revisão, isto é, uma espécie de favor a ser concedido ou não pelo Estado. Porém, aqui a interpretação literal não corresponde ao método adequado para a compreensão da mensagem do legislador e do alcance deste preceito legal. Na verdade, a indenização de que trata o “caput” do artigo 630 constitui direito subjetivo daquele que foi absolvido da injusta condenação já passada em julgado. Procedente do pedido revisional, tem o jurisdicionado a faculdade de exigir do Estado a indenização que lhe assegura esta regra e, em primeiro plano, na Constituição Federal, no artigo 5º, inciso LXXV. “Ter o direito de exigir” do Estado a indenização correspondente ao erro judiciário não significa que “deva o requerente reclamá-la no âmbito da revisão criminal”. É neste sentido que a cabeça do artigo 630 do Código de Processo Penal deve ser interpretada, isto é, se houver pedido expresso de ressarcimento de danos na petição inicial e a revisão for procedente, o Tribunal deverá julgar o pedido indenitário à vista das provas coligidas e deferir ao requerente as indenizações pertinentes, que podem abranger danos patrimoniais e danos morais. A respeito do assunto, o Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais assim se manifestou na oportunidade do julgamento dos Embargos de Declaração nº 178.777-9/01, em que foi relator o Desembargaddor Kelsen Carneiro (DJMG 18.04.2001): "EMBARGOS DE DECLARAÇÃO - Revisão criminal - Condenação indevida - Pedido expresso de indenização - Acórdão - Não apreciação - Omissão - Existência. Contém omissão o acórdão proferido na revisão criminal que deixa de examinar pedido expresso do peticionário, no sentido de reconhecer em seu favor o direito a uma justa indenização, nos termos do artigo 630 do CPP, em razão de ter sofrido condenação indevida, devendo ser acolhidos os embargos de declaração para suprimir a omissão verificada, completar o julgado e reconhecer o direito à reparação." Se, de outro lado, o requerente deixou de deduzir pretensão indenizatória expressa, o órgão colegiado está impedido de deferir a reparação, ainda que os danos experimentados pelo lesado sejam notórios, afinal, aqui também vige o princípio da ação. Ademais, o juiz não pode julgar “extra petita” ou “ultra petita”, dadas as vedações contidas nos artigos 2º, 128 e 460 do Código de Processo Civil. De fato, a indenização do erro judiciário não precisa ser postulada juntamente com a revisão criminal. Pode ser requerida depois da revisional, mediante ação autônoma. Será imprescindível, porém, a procedência da revisão e a absolvição do réu para que o judiciário possa deferir as reparações pretendidas pelo lesado. A título de exemplo, imagine o caso de um condenado que dispõe de provas suficientes para a propositura e procedência da revisão criminal, mas que ainda não conseguiu obter outras a respeito da extensão total dos danos que sofreu pela injusta condenação. Nesta hipótese, a cautela recomenda que se obtenha preliminarmente a rescisão do julgado criminal para depois, em outro momento, manejar a demanda indenizatória, isto é, quando forem reunidos elementos de convicção sobre a existência dos danos materiais e morais.
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REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA:
1. MACIEL, Daniel Baggio. A Responsabilidade Patrimonial do Estado pela Atividade Jurisdicional. São Paulo: Editora Boreal, 2006.

segunda-feira, 23 de maio de 2011

MEDIDAS CAUTELARES DE OFÍCIO

Dentre os dispositivos que compõem o Livro III do CPC, talvez o artigo 797 seja o que produz maior dificuldade de interpretação e desencontros entre os escritores. Por isso, sem a intenção de dizermos a última palavra, buscaremos atribuir-lhe um entendimento que reputamos compatível com a teoria geral do processo e com as demais regras de direito cautelar. Nesse dispositivo legal, há a previsão de que “só em casos excepcionais, expressamente autorizados por lei, o juiz determinará medidas cautelares sem ouvir as partes.” Com essa redação o legislador normatizou o poder do magistrado ordenar medidas cautelares "inaudita altera pars", sem pedido e contraditório prévio acerca dos pressupostos dessa espécie de tutela, isto é, de ofício. Ao fazê-lo, o artigo 797 excepciona a regra geral contida no artigo 2º do Código, que proíbe o juiz de prestar a tutela jurisdicional sem que haja requerimento da parte ou interessado, nos casos e formas legais (respectivamente, princípios da inércia da jurisdição e da legalidade das formas). Embora esses dois dispositivos legais sejam aparentemente contrastantes, a conjugação de ambos permite a natural conclusão de que a inércia da jurisdição é a regra geral, excepcionável pelo próprio ordenamento jurídico em situações especiais. Exceções como a do artigo 797 não podem causar espanto ao intérprete porque há casos em que o Código permite ao juiz proceder sem a provocação da parte ou do interessado, assim como ocorre no inventário de ofício (art. 989) e na arrecadação de bens do ausente (art. 1.142). Apesar de o magistrado poder ordenar medidas cautelares de ofício, ele somente as determinará se houver um processo judicial em curso, quando nele atuará incidentalmente diante da iminência do dano. A propósito, é impensável que o juiz esteja autorizado a ordenar medidas de segurança antes de formada a relação processual, o que acabaria por neutralizar o princípio da inércia da jurisdição e distorcer a mensagem revelada no próprio artigo 797, cuja redação pressupõe a existência de um processo. Ademais, ordenações tais romperiam com o princípio do acesso à justiça, que defere aos jurisdicionados o direito de demandar em juízo, não o dever de fazê-lo (CF, art. 5º, XXXV). Assentados esses aspectos, não se pode deixar de reconhecer no artigo 797 um certo pleonasmo quando diz que o juiz poderá determinar medidas cautelares de ofício “só em casos excepcionais, expressamente autorizados por lei.” Ora, se a regra é a inércia da jurisdição e houver no caso concreto autorização legal para a medida cautelar de ofício, ele só pode mesmo ser excepcional. De qualquer modo, ao falar da excepcionalidade das medidas cautelares sem requerimento, parece claro que o legislador pretendeu advertir o magistrado acerca da regra geral da inércia da jurisdição. Também não resta dúvida de que ele se preocupou em evitar a responsabilidade indenitária do Estado por ato do juiz, ciente de que muitas medidas cautelares são hábeis à causação de danos aos jurisdicionados (CF, art. 37, § 6º). Pelo exposto, podemos concluir que o juiz pode ordenar medidas cautelares de ofício, contanto que exista autorização legal expressa para o caso concreto, que a tutela seja necessária e que esteja em curso alguma relação processual. Contudo, resta saber quais são as situações em que essa ordenação judicial é juridicamente possível. Como critério de identificação das medidas cautelares determináveis de ofício, OVÍDIO BAPTISTA propõe a separação das providências de “defesa da jurisdição” daquelas outras de “defesa do direito ameçado” e ensina que as primeiras visam à preservação da seriedade da função jurisdicional, motivo pelo qual podem ser ordenadas sem requerimento da parte e contraditório, ao passo que as medidas de defesa do direito somente são decretáveis se o interessado as requerer, afinal, o magistrado não pode agir "ex officio" no domínio da jurisdição civil. SIDNEY SANCHES exemplifica algumas medidas cautelares decretáveis sem requerimento da parte: 1) O artigo 125 do CPC relaciona os poderes-deveres do magistrado na presidência do processo, dentre eles o de prevenir ou reprimir qualquer ato atentatório à dignidade da justiça como acontece quando ordena a busca e apreensão de autos retidos injustificadamente pela parte e a proíbe de vistá-los fora do cartório. 2) O artigo 266 veda que as partes, o Ministério Público e o próprio juiz pratiquem qualquer ato processual durante a suspensão do processo, mas permite ao magistrado determinar a realização de atos urgentes para evitar dano irreparável ou de difícil reparação. 3) O artigo 588, inciso II, autoriza ao juiz ordenar na execução provisória que o exequente preste caução idônea para que levante depósito em dinheiro ou pratique atos que importem alienação do domínio ou outros dos quais possa resultar dano grave ao executado. 4) O artigo 653 possibilita ao juiz determinar a feitura do arresto pelo oficial de justiça na execução por quantia certa contra devedor solvente quando este não for encontrado para a citação. 5) O artigo 804 prevê que o juiz, ao deferir a medida cautelar liminarmente ou após justificação prévia sem ouvir o réu, pode determinar que o requerente preste caução real ou fidejussória de ressarcir os danos que o requerido venha a sofrer. 6) O parágrafo único do artigo 1.000 atribui ao juiz o poder de nomear outro inventariante, observada a preferência legal, quando acolher a reclamação contra aquele que até então desempenhava o encargo. 7) Conforme o artigo 1.001, o juiz poderá mandar reservar em poder do inventariante o quinhão do herdeiro excluído se não admiti-lo no inventário e remetê-lo às vias ordinárias. 8) O parágrafo único do artigo 1.018 diz que o juiz poderá mandar reservar em poder do inventariante bens suficientes para pagar o credor quando as partes do inventário não concordarem com o pedido de pagamento e o credor for remetido às vias ordinárias. Embora o juiz possa ordenar de ofício várias providências cautelares tendentes à defesa da jurisdição, fica fácil ver que o artigo 797 é ostensivamente cerceador da atividade jurisdicional. Ao impor a excepcionalidade das medidas cautelares de ofício e exigir expressa autorização legal para ordená-las, esse dispositivo legal acaba nutrindo um antigo fator ideológico que orientou certas doutrinas processualistas retrógradas, responsáveis por reduzir o magistrado a um mero espectador da lide.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
1. MACIEL, Daniel Baggio. Processo Cautelar. São Paulo: Editora Boreal, 2012.
2. SILVA, Ovídio de Araújo Baptista da. Do Processo Cautelar. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2009.
3. SANCHES, Sidney. O poder geral de cautela do juiz. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1978.

terça-feira, 17 de maio de 2011

AÇÃO CAUTELAR DE PRODUÇÃO ANTECIPADA DE PROVAS

Quem ler o artigo 846 do CPC verá que ele aparentemente limita o campo de incidência da ação de asseguração de provas ao relacionar somente o interrogatório da parte, a inquirição de testemunhas e o exame pericial. Contudo, não há dúvida de que o Código de 1973 mostrou-se razoavelmente liberal ao estabelecer que todos meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados em lei, são hábeis à prova dos fatos em que se funda a ação ou a defesa. Atentos à essa previsão legal do artigo 332, acreditamos que outros meios de prova não contemplados expressamente no artigo 846 também podem ser assegurados contra o fundado receio de dano, tal qual a inspeção judicial (arts. 440 a 443). THEODORO JÚNIOR compartilha dessa mesma opinião ao dizer que embora o Código tenha regulado especificamente a antecipação de provas orais e periciais, não há empecilho a que o juiz, dentro do seu poder geral de cautela (art. 798), admita medidas similares com relação a outros meios de convencimento, como, por exemplo, a inspeção judicial (art. 440). Portanto, não vemos como exaustiva a previsão do artigo 846, de modo que, ao menos em princípio, não descartamos a possibilidade jurídica da asseguração de outras provas previstas no Código, além das moralmente legítimas e que ele não regulou expressamente, contanto que presentes os pressupostos de concessão das medidas cautelares. Entretanto, é certo que o procedimento para a asseguração dependerá da espécie probatória pretendida no caso concreto. Para a tutela da prova documental vale recordar que o Código regulou expressamente a providência da exibição (art. 844), motivo pelo qual acreditamos não ser possível aplicar as previsões do artigos 846 e seguintes para essa espécie probatória. A propósito, a doutrina é bastante tolerante com a utilização da ação cautelar de busca e apreensão para a asseguração da prova documental.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
1. MACIEL, Daniel Baggio. Processo Cautelar. São Paulo: Editora Boreal, 2012.
2. THEODORO JÚNIOR, Humberto. Processo Cautelar. São Paulo: Editora Leud, 2010.