sábado, 29 de outubro de 2011

A TUTELA DOS DIREITOS SUCESSÓRIOS DO NASCITURO

Conforme o artigo 2º do Código Civil, para as pessoas naturais a personalidade inicia-se no momento do nascimento com vida, vale dizer, quando é desfeita a unidade biológica entre a mãe e o feto mediante a separação deste do corpo daquela, seja naturalmente, seja com o auxílio de recursos médicos obstétricos. Porém, esse mesmo dispositivo legal também estabelece que a lei coloca a salvo os direitos do nascituro, desde a concepção. Isto significa que a titularidade de direitos e obrigações na ordem civil começa para a pessoa quando ela vem ao mundo com vida, mas que o ser humano já concebido também é destinatário da proteção legal, que antecipa uma parcela da eficácia das normas jurídicas que serão aplicadas a ele quando nascer. Por isso, é equivocado supor que o nascituro possui apenas uma mera expectativa de direito, até porque aqui a probabilidade de existência não recai propriamente sobre os direitos dele, que são certos, mas sim sobre o nascimento com vida da pessoa que os titulariza. Em outras palavras, o que fica sob condição não são os direitos do nascituro, mas sim o nascimento com vida do titular desses direitos. Para viabilizar parte da proteção legal referida pelo artigo 2º do Código Civil, os artigos 877 e 878 do Código de Processo Civil unem duas pretensões distintas: uma relativa à "prova do estado de gravidez" da mulher que leva no ventre o nascituro e outra relacionada à "imissão dela na posse dos bens" que caberão àquele, quando nascer com vida. Portanto, a ação de posse em nome do nascituro tem origem na junção de duas ações processuais distintas: a ação constitutiva da prova da gravidez e a ação de imissão na posse dos bens do nascituro. No entanto, é imperioso ressaltar que essas duas pretensões são inseparáveis e que o deferimento da segunda sempre fica na dependência do provimento da primeira, o que não significa que a mulher não possa se valer de uma outra ação processual se pretender apenas provar o seu estado de gravidez, o que pode ser feito mediante a justificação disciplinada nos artigos 861 a 866 do Código de Processo Civil. Apesar de a ação de posse em nome do nascituro objetivar a tutela dos direitos sucessórios daquele que provavelmente nascerá com vida, ela é totalmente desprovida de cautelaridade, razão pela qual o deferimento da imissão na posse em favor da mãe não se liga aos pressupostos do "fumus boni iuris" e do "periculum in mora". Ademais, sobrevindo o nascimento com vida, nenhuma outra ação processual será necessária para, em termos definitivos, atribuir efetividade aos direitos patrimoniais do recém-nascido, postos a salvo durante a gestação. O artigo 877 é expresso ao deferir a legitimação ativa para a “missio in possessionem ventris nomine” à mulher grávida e não especifica o estado civil dessa legitimada. Daí porque tanto a viúva como também a companheira podem manejar a ação de posse em nome do nascituro. Citanto PONTES DE MIRANDA em seus comentários ao Código Civil de 1.916, OVÍDIO BAPTISTA lembra também que a ação de posse em nome do nascituro pode ser igualmente ajuizada pelo curador caso a mulher grávida encontre-se interditada. Além disso, esses dois juristas não descartam a legitimação ativa do genitor, seja ele marido ou companheiro, desde que a gestante incapaz ainda não tenha sido interditada, que ele detenha o poder familiar em relação ao nascituro e que este venha a ser contemplado em testamento ou legado por terceiro já falecido. Porém, caso a mulher grávida ainda não esteja interditada em virtude de enfermidade ou deficiência mental e o pai daquele que já foi concebido houver falecido, a “missio ventris nomine” deverá ser promovida pelo Ministério Público. Por seu turno, o § 2º do artigo 877 não deixa dúvida de que no pólo passivo da relação processual devem ser colocados todos os demais herdeiros do autor da herança, o que exclui os titulares de simples meação patrimonial e o próprio espólio, embora este último seja um legitimado por excelência para múltiplas ações processuais relacionadas à herança (CPC, art. 12, inc. V). Finalmente cabe anotar que a intervenção do Ministério Público como custus legis é obrigatória no processo originário da ação de posse em nome do nascituro, salvo nos casos em que ele próprio se valer da sua legitimação extraordinária e funcionar como autor da demanda. Aliás, nessa particular situação, não faz o menor sentido exigir a intervenção de outro membro Ministério Público no processo, em razão dos princípios da unidade e da indivisibilidade que caracterizam o parquet brasileiro (CF, art. 127).
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
1. MACIEL, Daniel Baggio. Processo Cautelar. São Paulo: Editora Boreal, 2012.
2. SILVA, Ovídio de Araújo Baptista. Do Processo Cautelar. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2009.

Um comentário:

Fernando R. Pereira [Caju] disse...

Professor Daniel!

Brilhante artigo, digo mais, atualíssimo. Não sei se o Professor acompanha, mas é interessante ver o desdobramento do processo em que os Advogados da Wanessa Camargo movem em face do humorista Rafinha Bastos (por comentários durante o programa CQC da band); os causídicos colocaram no pólo ativo da ação o nascituro que a cantora está gerando. Assim que eu encontrar a petição inicial dessa ação vou encaminhá-la ao Professor por email.

Abraços!

Fernando Roberto Pereira