Que o duplo grau de jurisdição é um princípio setorial do direito processual civil não há a menor dúvida, tanto assim que inexiste divergência a respeito do assunto entre os doutores. Aliás, ADA PELLEGRINI GRINOVER (1975, p. 138) vai além ao relacioná-lo ao lado de vários outros princípios reconhecidamente constitucionais e ensina que "o duplo grau de jurisdição funda-se na possibilidade da decisão de primeiro grau ser injusta ou errada, daí decorrendo a necessidade de permitir-se sua reforma em grau de recurso." No mesmo sentido estão as lições de EDUARDO
ARRUDA ALVIM (2012, p. 152), segundo quem o princípio do duplo grau de
jurisdição assegura às partes o direito de pleitear a revisão das decisões
judiciais proferidas no primeiro grau de jurisdição, quer em virtude de erros
de fato ou de direito, o que se liga intimamente à ideia de justiça. Em excelente monografia sobre o tema, GERSON
LUIS CARLOS BRANCO (2011) leciona que o duplo
grau de jurisdição é o princípio
jurídico segundo o qual todas as decisões terminativas de um processo podem ser
submetidas a um novo julgamento, por um órgão especializado, geralmente
colegiado. É princípio inerente ao sistema, que prevê a possibilidade de
recurso contra todas as decisões que encerram o procedimento na primeira
instância, com ou sem resolução de mérito. Após explicar que o duplo grau de jurisdição
garante a revisibilidade ampla de quaisquer decisões judiciais,
preferencialmente por magistrados distintos e localizados em nível hierárquico
diferente, SCARPINELLA BUENO (2010, p. 151-154) também avança para considerá-lo
um valor integrante do modelo constitucional adotado pelo direito processual
civil brasileiro, tanto em virtude do sentimento generalizado de que é
recorrível toda decisão no processo civil, como também de várias previsões constitucionais
relacionadas à estrutura do Poder Judiciário e à competência dos tribunais. Uma vez mais, não colocamos qualquer reparo
nessas orientações doutrinárias, mas a mera afirmação de que o duplo grau de
jurisdição é um princípio de direito processual civil não pode ser suficiente
para convencer os graduandos sobre o acerto dessa prestigiosa distinção. Daí
porque reputamos necessário realçar, ainda que por amostragem, alguns
dispositivos do Código de Processo Civil que nele se inspiraram. Felizmente, a investigação da natureza
principiológica e setorizada do duplo grau de jurisdição não é tarefa das mais
difíceis, pois a ascensão dele sobre vários dispositivos do Código de Processo
Civil é manifesta. Aliás, o simples fato de o Código conter um sistema recursal
já configura um sintoma bastante forte da ascendência do duplo grau de
jurisdição (CPC, arts. 496 e seguintes). Porém, mais do que sintomática, essa
influência torna-se certa quando observamos na legislação codificada a previsão
de vários recursos vocacionados à ampla revisibilidade de decisões judiciais
emanadas do primeiro grau de jurisdição. A título
de exemplo, perceba que o artigo 513 define o cabimento da apelação e não estabelece
qualquer restrição importante ao uso desse recurso. Com efeito, ela pode ser interposta
contra sentença em que há resolução de mérito (art. 269), bem como em face
daquela que se limita a encerrar o procedimento sem fornecer uma resposta ao
pedido inicial (art. 267). Além disso, ela pode veicular pedidos de reforma e
de invalidação da sentença, independentemente do valor atribuído à causa e da
natureza do processo em que for emitida (de conhecimento, execução ou cautelar).
No mais, a apelação é recurso com o qual se pode insistir no reexame dos fatos versados
no processo, na reavaliação das provas e na revisão de todas as matérias de
direito que o magistrado deve levar em conta no momento de decidir. Portanto, não há dúvida de que a disciplina
legal da apelação e a devolutividade que ela desencadeia têm suas raízes presas
ao princípio jurídico segundo o qual as decisões emitidas no primeiro grau de
jurisdição estão sujeitas à revisão por órgão judicial situado em patamar
hierárquico diferente, a fim de corrigir possíveis erros de procedimento ou de
julgamento capazes de injustiças inconciliáveis com os desígnios do processo
judicial. Situação similar ocorre
com o agravo contra os pronunciamentos do primeiro grau de jurisdição (arts. 522 a 529), mesmo porque o
cabimento desse recurso também não está vinculado a previsões legais
adstringentes. Com efeito, ele pode ser interposto contra qualquer decisão
interlocutória emanada do juiz da causa e serve para provocar a revisão de todos
os componentes da questão incidente. Por isso, ele pode objetivar o reexame dos
fatos sobre os quais incidiu a deliberação judicial e das eventuais provas associadas
ao respectivo episódio processual, além do direito material ou processual utilizado
para resolvê-lo. Ademais, é irrelevante o momento em que a decisão
interlocutória é proferida pelo juiz. Seja na fase cognitiva do procedimento em
primeira instância ou na etapa de cumprimento do julgado, é admissível o agravo
para o segundo grau de jurisdição. Logo, é perceptível que o regramento legal do
agravo aqui referido também se inspirou na preocupação do legislador com a boa
distribuição da justiça e com o aperfeiçoamento das decisões do primeiro grau
de jurisdição, o que se conquista proporcionando a revisão desses
pronunciamentos mediante recursos dirigidos a um órgão judicial posicionado em plano
hierárquico diverso. Mas não é só. Quem ler o artigo 475 Código de
Processo Civil observará que a relevância do duplo grau de jurisdição é tamanha
que o legislador não fez a menor cerimônia ao atribuir-lhe a máxima concretude
quando o transportou, em termos expressos, para a regra que modera a eficácia
da sentença proferida contra a União, Estado, Distrito Federal, Município,
autarquia ou fundação pública. Fala-se no reexame necessário, instituto que erige
o duplo grau de jurisdição ao status de condição para a executividade da
sentença proferida em desfavor dessas pessoas jurídicas de direito público. Pelas razões expostas, não há como desconfiar
do caráter axiológico e setorizado do duplo grau de jurisdição, cuja origem
mais remota repousa na reflexão dominante de que as decisões judiciais devem se
caracterizar por um primor de correção e que, por essa razão, elas devem ser suscetíveis
a eventuais emendas por órgão judicial situado em nível hierárquico superior
àquele que decidiu em primeira instância.
________________
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
1. MACIEL, Daniel Baggio. O duplo grau de jurisdição como um princípio setorial do processo civil. Araçatuba: Página eletrônica Isto é Direito. Maio de 2013.
2. MACIEL, Daniel Baggio. A Corte Interamericana de Direitos Humanos e sua Jurisprudência. São Paulo: Editora Boreal, 2013 (Coordenador da obra: Daniel Barille da Silveira).
3. MACIEL, Adhemar Ferreira. O Devido Processo Legal e a Constituição Brasileira de 1988. Revista de Processo, São Paulo, ano 22, nº 85, 1997.
4. ARAÚJO CINTRA, Antônio Carlos de; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. 14a ed. São Paulo: Malheiros, 1998.
1. MACIEL, Daniel Baggio. O duplo grau de jurisdição como um princípio setorial do processo civil. Araçatuba: Página eletrônica Isto é Direito. Maio de 2013.
2. MACIEL, Daniel Baggio. A Corte Interamericana de Direitos Humanos e sua Jurisprudência. São Paulo: Editora Boreal, 2013 (Coordenador da obra: Daniel Barille da Silveira).
3. MACIEL, Adhemar Ferreira. O Devido Processo Legal e a Constituição Brasileira de 1988. Revista de Processo, São Paulo, ano 22, nº 85, 1997.
4. ARAÚJO CINTRA, Antônio Carlos de; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. 14a ed. São Paulo: Malheiros, 1998.
5. ARRUDA ALVIM, Eduardo.
Direito Processual Civil. São Paulo: Editora Saraiva, 2012.
6. BRANCO, Gerson Luis
Carlos. O duplo grau de jurisdição e sua perspectiva constitucional. São Paulo:
Jurid Versão Eletrônica, 2011.
7. SCARPINELLA BUENO,
Cássio. Curso sistematizado de Direito Processual Civil. São Paulo: Saraiva,
2010.
8. SILVA, De Plácido e.
Vocabulário Jurídico. 3ª ed. Rio de Janeiro, Forense, 1991.
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