sexta-feira, 8 de junho de 2018

A APELAÇÃO NO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

O conceito da apelação foi substancialmente ampliado pelo artigo 1.009 do Código de 2.015, pois o Código de 1.973 apenas proporcionava o manejo dela para postular a decretação de nulidade ou a reforma da sentença com ou sem resolução de mérito. No Código atual, a apelação segue como o recurso adequado para veicular estas pretensões, cumulativamente ou não, mas agora ela também pode conter a impugnação preliminar de uma ou mais decisões interlocutórias proferidas na fase de conhecimento do processo, contra as quais o artigo 1.015 não oportuniza o agravo de instrumento e que, por esta razão, não precluem enquanto não esgotado o prazo do apelo e das respectivas contrarrazões. É assim porque o novo Código previu o cabimento do agravo de instrumento apenas contra algumas decisões interlocutórias emitidas no módulo cognitivo do processo (art. 1.015) e, ao fazê-lo, assentou que os demais pronunciamentos da mesma espécie só poderão ser contrastados em preliminar de apelação, eventualmente interposta contra a decisão final, ou na contrariedade a este recurso (§ 1º do art. 1.009). Logo, é visível que a cumulação de pretensões facultada na apelação e nas sucessivas contrarrazões acaba atribuindo novas dimensões à devolutividade que a caracteriza (art. 1.013), que pode compreender apenas uma, algumas ou todas as decisões proferidas naquela fase procedimental, contanto que não alcançadas pela preclusão, além de reunir um número maior de fundamentos, matérias, teses, questões, pontos e argumentos. Apesar da aparente simplicidade do § 1º do artigo 1.009, ele suscita algumas indagações que merecem ser respondidas desde já. Uma delas diz respeito ao cabimento ou não da apelação para impugnar apenas decisão interlocutória que não precluiu durante o referido módulo. Outra está ligada à dependência ou não das respectivas contrarrazões ao seguimento da apelação para julgamento, quando a contrariedade a este recurso combater decisão interlocutória não preclusa. Finalmente, a terceira inquirição associa-se à adequação ou não da apelação adesiva e das respectivas contrarrazões para hostilizar decisão que se encontrar nesta circunstância. Longe de ser óbvia, mesmo porque no direito não há obviedades, a resposta ao primeiro questionamento é relativamente simples, pois recusar o cabimento da apelação para impugnar apenas decisões interlocutórias que ainda não precluíram, significa torná-las irrecorríveis caso a parte prejudicada por alguma delas saia vitoriosa na sentença, afinal, ela teria que suportar a lesividade decorrente daquele pronunciamento jurisdicional, por não reunir interesse em contrastar este último, o que subverteria seriamente a garantia do devido processo legal, em especial o contraditório por ela abarcado. A título de exemplo, imagine que o juiz da causa profira uma decisão interlocutória e imponha ao autor as reprimendas que o artigo 81 dedica ao litigante de má-fé, mas que os pedidos iniciais sejam julgados integralmente procedentes na sentença. Porque a referida interlocutória não está catalogada dentre as hipóteses de agravo de instrumento pelo artigo 1.015, o autor não poderá impugná-la imediatamente e, vitorioso na sentença, também não conseguiria contrastá-la na apelação. Portanto, considerando a unicidade do recurso legalmente previsto para as decisões interlocutórias que não precluíram na fase de conhecimento e a sentença, bem como a dissociação dos resultados de cada uma delas, é de se admitir a apelação interposta apenas para revisar um ou mais pronunciamentos jurisdicionais daquela espécie. Ademais, considerando que as contrarrazões da apelação também podem ser utilizadas para que a parte impugne decisões interlocutórias que não precluíram durante a fase cognitiva, tal qual aquela que mencionamos para fins didáticos, fica claro que o § 1º do artigo 1.009 defere ao jurisdicionado duas alternativas: apelar do pronunciamento que lhe impôs algum prejuízo (v.g. penalidades pela litigância de má-fé) ou, estrategicamente, aguardar o eventual apelo do adversário e contrastar, na resposta a este recurso, a decisão interlocutória que lhe interessa revisar. Porém, há que se fazer duas importantes observações conforme a alternativa adotada pela parte. Se ela optar pela apelação da decisão interlocutória que ainda não precluiu, seu recurso não está atrelado a qualquer condição, senão apenas aos pressupostos legais de admissibilidade dele, mas se a escolha recair na impugnação daquele ato jurisdicional nas contrarrazões do apelo, o julgamento desta pretensão ficará na dependência da admissibilidade do recurso e da inocorrência de desistência dele. Esta nossa percepção decorre do fato de que as contrarrazões são, por natureza e essência, uma resposta facultativa ao recurso da parte contrária, mesmo que nela se permita formular uma ou mais pretensões a serem decididas pelo tribunal, o que, aliás, nunca foi vedado pela legislação processual, a exemplo do pedido de condenação do recorrente a pagar ao devedor o dobro do que houver cobrado ou o equivalente do que dele exigir, quando o credor demandar por dívida já paga, sem ressalvar as quantias recebidas ou, respectivamente, pedir mais do que lhe for devido (CC, art. 940). Por sua vez, também é preciso advertir que opção da parte pela apelação, independentemente de haver ou não sucumbência recíproca na sentença, obstava que ela impugne, nas contrarrazões ao recurso da outra, as decisões interlocutórias proferidas na fase de conhecimento e que não se sujeitaram ao agravo de instrumento. É assim porque a interposição da apelação contra a sentença enseja a preclusão consumativa para que o recorrente impugne, nas contrarrazões ao apelo do adversário, as decisões interlocutórias que poderia haver questionado no recurso do qual já se valeu. Igual raciocínio, associado à preclusão consumativa, também se aplica à parte que, mesmo vitoriosa na sentença, optar pela apelação contra alguma decisão interlocutória que ainda não houver precluído, oportunidade em que ela deve concentrar as impugnações a todas demais decisões da mesma espécie, já que não poderá questioná-las mais tarde, nas contrarrazões à eventual apelação da parte contrária. De resto, porque a apelação adesiva se volta, nuclearmente, contra a sentença da qual resultar a sucumbência recíproca, é inimaginável utilizá-la para questionar uma ou mais decisões interlocutórias que não precluíram durante o módulo cognitivo do processo, ainda que se invoque o argumento de que o prazo deste recurso é o mesmo das contrarrazões ao apelo principal e que, por economia, os respectivos conteúdos poderiam ser reunidos em uma só peça processual, afinal, nenhum racionamento significativo haverá na hipótese, além do que, definitivamente, não é esta a forma escolhida pelo Código para que o apelado combata esta espécie de pronunciamento jurisdicional. Porque o objeto da apelação adesiva é a sentença com o mencionado resultado, não as decisões interlocutórias imunizadas contra a preclusão na fase de conhecimento do processo, também não se pode admitir a vulneração destes pronunciamentos nas contrarrazões desse recurso subordinado, inclusive em virtude da preclusão temporal, que já haverá se consumado na ocasião. Em um arremedo de conclusão, as oportunidades que as partes têm para impugnar as mencionadas decisões interlocutórias, sob pena de preclusão, são a apelação e as respectivas contrarrazões, mas não é lícito ao mesmo sujeito do processo fracionar suas irresignações, apelando de um ou alguns pronunciamentos decisórios e contrastando os demais nas contrarrazões. 
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MACIEL, Daniel Baggio. O conceito da apelação no novo Código de Processo Civil. Araçatuba: Página eletrônica Isto é Direito, junho de 2018. 

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