Sem
exceção, todo ato postulatório da instauração do processo, de alguma das suas
fases, de um incidente ou de um módulo recursal sempre fica sujeito a um
primeiro exame judicial relacionado à validade dele, ao qual se atribui o nome
de juízo de admissibilidade e que
possui uma prioridade lógica sobre o julgamento da procedência ou improcedência
da pretensão formulada pelo jurisdicionado, denominado juízo de mérito. A título de exemplo, a regra geral no processo
civil é a de que ele começa por iniciativa da parte (art. 2º), o que exige do autor
a prática de um ato postulatório consubstanciado em uma petição inicial. Porém,
antes que o juiz da causa possa decidir o pedido nela deduzido (juízo de
mérito), é imprescindível que analise a validade da respectiva postulação, o
que compreende a verificação da concorrência das condições da ação, da presença
dos pressupostos processuais e da regularidade formal do correspondente peticionamento
(juízo de admissibilidade). Logo, o juízo de admissibilidade de qualquer ato
postulatório é uma espécie de exigência prévia a ser suplantada para que se
possa alcançar o juízo de mérito. Ademais, ele compreende a constatação da existência
de determinados requisitos legais do ato postulatório, sem os quais o órgão
judicial fica impedido de se pronunciar validamente sobre o acolhimento ou não
da pretensão apresentada pelo jurisdicionado. Diante dessas considerações, fica
claro que o juízo de admissibilidade pode ser positivo ou negativo, o que
resulta a admissibilidade ou a rejeição do ato postulatório. Admitida, recebida
ou conhecida a postulação, o procedimento pode avançar no sentido do juízo de
mérito, que também pode ser positivo ou negativo, de procedência ou
improcedência da tutela jurisdicional almejada, de provimento ou desprovimento
dela. Com os recursos tudo se passa de modo idêntico, pois eles também se
submetem a um primitivo juízo de admissibilidade, que subordina o sucessivo
juízo de mérito. No juízo de admissibilidade dos recursos são analisados determinados
requisitos de validade desse tipo de postulação, ao passo que no juízo de
mérito decide-se sobre o provimento ou não do pedido recursal de reforma, decretação
de nulidade, esclarecimento ou integração da decisão recorrida, assim também
sobre a pretensão à correção de algum erro material que o pronunciamento jurisdicional
possa conter. Os requisitos de validade da postulação recursal são denominados pressupostos de admissibilidade dos recursos
e são de ordem pública. Isso significa que a matéria relacionada ao conhecimento
dos recursos, além de não se sujeitar à preclusão, deve ser examinada de ofício
pelo órgão judicial competente, independentemente de arguição da parte ou do
interessado. Portanto, ainda que o recorrido não alegue nas contrarrazões a falta
desses pressupostos, o órgão judicial competente deverá examiná-los e, detectando
a ausência de qualquer um deles, decidir pela inadmissibilidade do recurso. Na
sistemática adotada pelo Código de 2.015, o juízo de admissibilidade dos
recursos deve ser realizado pelo mesmo órgão judicial ao qual a legislação
atribuir a competência para o juízo de mérito sobre eles. À guisa de exemplo, interposta
a apelação contra a sentença com ou sem resolução de mérito (arts. 485 e 487), o
tribunal do segundo grau de jurisdição deverá examinar a admissibilidade do
recurso porque compete a ele o julgamento do mérito do apelo (art. 1.009, § 3º). Manejado o recurso especial contra
decisão de única ou última instância emanada de algum tribunal local (CF, art.
105, inc. III), compete ao Superior Tribunal de Justiça analisar a
admissibilidade dele porque se insere na sua competência o juízo de mérito
dessa modalidade recursal (art. 1.032, parágrafo único). Por força do inciso
III do artigo 932, o juízo de admissibilidade dos recursos que competem aos
tribunais é tarefa que incumbe ao relator, mas é importante frisar que a
decisão por ele proferida não vincula o órgão colegiado encarregado do julgamento
de mérito. Portanto, pode ocorrer de o relator admitir o recurso e, na sessão
de julgamento dele, o órgão colegiado não conhecê-lo em razão da falta de algum
dos seus pressupostos. De outro lado, também pode acontecer de o relator não
conhecer de determinado recurso e o órgão colegiado por ele integrado reformar
a decisão de inadmissibilidade ao julgar o agravo interno utilizado para
impugná-la (art. 1.021). No mais, ainda restam duas outras importantes observações
sobre o juízo de admissibilidade dos recursos. A primeira é a de que a decisão de
recebimento deles é irrecorrível, por ausência de interesse, pois a parte
contrária pode suscitar a falta dos pressupostos recursais na oportunidade das
contrarrazões. No entanto, a decisão de inadmissibilidade dos recursos normalmente pode ser
impugnada mediante novo recurso, cuja modalidade fica na dependência de certas
particularidades do caso concreto. Como já esclarecido, se a decisão de
inadmissibilidade for unipessoal do relator (art. 932, inc. III), o recurso
adequado para contrastá-la é o agravo interno (art. 1.021). Porém, se a decisão
que não recebê-lo for colegiada, de única ou última instância, emanada de
tribunal local e violar direito federal, o recurso apropriado será o especial (CF,
art. 102, inc. III). Por seu turno, o recurso correto para contrariá-la será o extraordinário
se a decisão hostilizada for de única ou última instância e ofender direito
constitucional (CF, art. 102, inc. III). Concorrendo essas duas ofensas, o
recurso especial e o recurso extraordinário deverão ser interpostos
simultaneamente (art. 1.031). Todavia, se os embargos de declaração não
forem admitidos pelo juiz da causa, só restará ao legitimado interpor a
apelação para postular a decretação de nulidade processual (art. 1.009), pois o artigo 1.015 do novo Código não autoriza o agravo
de instrumento neste caso. Finalmente, cumpre acrescentar que a admissibilidade
positiva dos recursos possui natureza declaratória e produz efeitos retroativos
ao momento em que ocorreu a interposição deles (efeito ex tunc). Por essa razão, quando o recurso é conhecido porque
presentes todos os seus pressupostos, a respectiva decisão proclama a validade
da postulação recursal ab initio. O
mesmo não ocorre com a admissibilidade negativa, que também possui carga
declaratória, mas que produz efeitos apenas para o futuro, por expressa
disposição legal, qualquer que seja o pressuposto ausente (efeito ex nunc). É assim porque o artigo 975
estabelece que o direito de propor ação rescisória se extingue em dois anos
contados do trânsito julgado da última decisão proferida no processo. Com essa
previsão, o Código de 2.015 não deixa dúvida de que, mesmo quando a
inadmissibilidade do recurso for motivada na intempestividade dele, o referido
prazo só poderá ser computado quando se tornar irrecorrível o respectivo pronunciamento
judicial, seja pelo decurso do prazo de interposição da espécie recursal apta para
impugná-lo ou pelo esgotamento de todas elas. A título de exemplo, se o réu
manejar uma apelação um dia após o decurso do prazo legal para tanto e o
relator não admiti-la meses depois por intempestividade ou qualquer outro
motivo, aquele prazo de dois anos para a ação rescisória só passará a ser
contabilizado depois de esgotado o prazo para a interposição do agravo interno.
Aliás, se este recurso for interposto para questionar a inadmissibilidade do
apelo, aqueles dois anos não poderão ser contados enquanto o agravo interno não
for decidido e transcorrer, integralmente, os prazos dos demais recursos
possíveis contra a decisão dele resultante. Em um arremedo de conclusão, em
virtude do artigo 975, não há mais que se cogitar do trânsito em julgado e do início
do prazo da ação rescisória enquanto a decisão de inadmissibilidade do recurso
permanecer vulnerável a questionamento no mesmo processo, vale dizer, mediante novo
recurso.
_______________
MACIEL, Daniel Baggio. Juízo de admissibilidade e juízo
de mérito dos recursos no novo Código de Processo Civil. Página
Eletrônica Isto é Direito. Janeiro de 2015.
NOTA RELEVANTE: Este artigo foi composto segundo os dispositivos constantes do projeto de lei que institui o novo Código de Processo Civil.
NOTA RELEVANTE: Este artigo foi composto segundo os dispositivos constantes do projeto de lei que institui o novo Código de Processo Civil.
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