sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE E JUÍZO DE MÉRITO DOS RECURSOS NO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

Sem exceção, todo ato postulatório da instauração do processo, de alguma das suas fases, de um incidente ou de um módulo recursal sempre fica sujeito a um primeiro exame judicial relacionado à validade dele, ao qual se atribui o nome de juízo de admissibilidade e que possui uma prioridade lógica sobre o julgamento da procedência ou improcedência da pretensão formulada pelo jurisdicionado, denominado juízo de mérito. A título de exemplo, a regra geral no processo civil é a de que ele começa por iniciativa da parte (art. 2º), o que exige do autor a prática de um ato postulatório consubstanciado em uma petição inicial. Porém, antes que o juiz da causa possa decidir o pedido nela deduzido (juízo de mérito), é imprescindível que analise a validade da respectiva postulação, o que compreende a verificação da concorrência das condições da ação, da presença dos pressupostos processuais e da regularidade formal do correspondente peticionamento (juízo de admissibilidade). Logo, o juízo de admissibilidade de qualquer ato postulatório é uma espécie de exigência prévia a ser suplantada para que se possa alcançar o juízo de mérito. Ademais, ele compreende a constatação da existência de determinados requisitos legais do ato postulatório, sem os quais o órgão judicial fica impedido de se pronunciar validamente sobre o acolhimento ou não da pretensão apresentada pelo jurisdicionado. Diante dessas considerações, fica claro que o juízo de admissibilidade pode ser positivo ou negativo, o que resulta a admissibilidade ou a rejeição do ato postulatório. Admitida, recebida ou conhecida a postulação, o procedimento pode avançar no sentido do juízo de mérito, que também pode ser positivo ou negativo, de procedência ou improcedência da tutela jurisdicional almejada, de provimento ou desprovimento dela. Com os recursos tudo se passa de modo idêntico, pois eles também se submetem a um primitivo juízo de admissibilidade, que subordina o sucessivo juízo de mérito. No juízo de admissibilidade dos recursos são analisados determinados requisitos de validade desse tipo de postulação, ao passo que no juízo de mérito decide-se sobre o provimento ou não do pedido recursal de reforma, decretação de nulidade, esclarecimento ou integração da decisão recorrida, assim também sobre a pretensão à correção de algum erro material que o pronunciamento jurisdicional possa conter. Os requisitos de validade da postulação recursal são denominados pressupostos de admissibilidade dos recursos e são de ordem pública. Isso significa que a matéria relacionada ao conhecimento dos recursos, além de não se sujeitar à preclusão, deve ser examinada de ofício pelo órgão judicial competente, independentemente de arguição da parte ou do interessado. Portanto, ainda que o recorrido não alegue nas contrarrazões a falta desses pressupostos, o órgão judicial competente deverá examiná-los e, detectando a ausência de qualquer um deles, decidir pela inadmissibilidade do recurso. Na sistemática adotada pelo Código de 2.015, o juízo de admissibilidade dos recursos deve ser realizado pelo mesmo órgão judicial ao qual a legislação atribuir a competência para o juízo de mérito sobre eles. À guisa de exemplo, interposta a apelação contra a sentença com ou sem resolução de mérito (arts. 485 e 487), o tribunal do segundo grau de jurisdição deverá examinar a admissibilidade do recurso porque compete a ele o julgamento do mérito do apelo (art. 1.009, § 3º). Manejado o recurso especial contra decisão de única ou última instância emanada de algum tribunal local (CF, art. 105, inc. III), compete ao Superior Tribunal de Justiça analisar a admissibilidade dele porque se insere na sua competência o juízo de mérito dessa modalidade recursal (art. 1.032, parágrafo único). Por força do inciso III do artigo 932, o juízo de admissibilidade dos recursos que competem aos tribunais é tarefa que incumbe ao relator, mas é importante frisar que a decisão por ele proferida não vincula o órgão colegiado encarregado do julgamento de mérito. Portanto, pode ocorrer de o relator admitir o recurso e, na sessão de julgamento dele, o órgão colegiado não conhecê-lo em razão da falta de algum dos seus pressupostos. De outro lado, também pode acontecer de o relator não conhecer de determinado recurso e o órgão colegiado por ele integrado reformar a decisão de inadmissibilidade ao julgar o agravo interno utilizado para impugná-la (art. 1.021). No mais, ainda restam duas outras importantes observações sobre o juízo de admissibilidade dos recursos. A primeira é a de que a decisão de recebimento deles é irrecorrível, por ausência de interesse, pois a parte contrária pode suscitar a falta dos pressupostos recursais na oportunidade das contrarrazões. No entanto, a decisão de inadmissibilidade dos recursos normalmente pode ser impugnada mediante novo recurso, cuja modalidade fica na dependência de certas particularidades do caso concreto. Como já esclarecido, se a decisão de inadmissibilidade for unipessoal do relator (art. 932, inc. III), o recurso adequado para contrastá-la é o agravo interno (art. 1.021). Porém, se a decisão que não recebê-lo for colegiada, de única ou última instância, emanada de tribunal local e violar direito federal, o recurso apropriado será o especial (CF, art. 102, inc. III). Por seu turno, o recurso correto para contrariá-la será o extraordinário se a decisão hostilizada for de única ou última instância e ofender direito constitucional (CF, art. 102, inc. III). Concorrendo essas duas ofensas, o recurso especial e o recurso extraordinário deverão ser interpostos simultaneamente (art. 1.031). Todavia, se os embargos de declaração não forem admitidos pelo juiz da causa, só restará ao legitimado interpor a apelação para postular a decretação de nulidade processual (art. 1.009), pois o artigo 1.015 do novo Código não autoriza o agravo de instrumento neste caso. Finalmente, cumpre acrescentar que a admissibilidade positiva dos recursos possui natureza declaratória e produz efeitos retroativos ao momento em que ocorreu a interposição deles (efeito ex tunc). Por essa razão, quando o recurso é conhecido porque presentes todos os seus pressupostos, a respectiva decisão proclama a validade da postulação recursal ab initio. O mesmo não ocorre com a admissibilidade negativa, que também possui carga declaratória, mas que produz efeitos apenas para o futuro, por expressa disposição legal, qualquer que seja o pressuposto ausente (efeito ex nunc). É assim porque o artigo 975 estabelece que o direito de propor ação rescisória se extingue em dois anos contados do trânsito julgado da última decisão proferida no processo. Com essa previsão, o Código de 2.015 não deixa dúvida de que, mesmo quando a inadmissibilidade do recurso for motivada na intempestividade dele, o referido prazo só poderá ser computado quando se tornar irrecorrível o respectivo pronunciamento judicial, seja pelo decurso do prazo de interposição da espécie recursal apta para impugná-lo ou pelo esgotamento de todas elas. A título de exemplo, se o réu manejar uma apelação um dia após o decurso do prazo legal para tanto e o relator não admiti-la meses depois por intempestividade ou qualquer outro motivo, aquele prazo de dois anos para a ação rescisória só passará a ser contabilizado depois de esgotado o prazo para a interposição do agravo interno. Aliás, se este recurso for interposto para questionar a inadmissibilidade do apelo, aqueles dois anos não poderão ser contados enquanto o agravo interno não for decidido e transcorrer, integralmente, os prazos dos demais recursos possíveis contra a decisão dele resultante. Em um arremedo de conclusão, em virtude do artigo 975, não há mais que se cogitar do trânsito em julgado e do início do prazo da ação rescisória enquanto a decisão de inadmissibilidade do recurso permanecer vulnerável a questionamento no mesmo processo, vale dizer, mediante novo recurso.
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MACIEL, Daniel Baggio. Juízo de admissibilidade e juízo de mérito dos recursos no novo Código de Processo Civil. Página Eletrônica Isto é Direito. Janeiro de 2015.
NOTA RELEVANTE: Este artigo foi composto segundo os dispositivos constantes do projeto de lei que institui o novo Código de Processo Civil. 

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