domingo, 13 de abril de 2014

A INAFASTABILIDADE DA JURISDIÇÃO NO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

A redação do artigo 3º do Código de Processo Civil projetado guarda parcial simetria com o inciso XXXV do artigo 5º da Constituição Federal, segundo o qual “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.” Fala-se na garantia constitucional do direito de ação ou da inafastabilidade da jurisdição. As garantias constitucionais podem ser definidas como instrumentos ou institutos que visam a assegurar, especialmente em face do próprio Estado, a obediência, a capacidade de exercício e a efetividade de usufruição de determinados direitos individuais, coletivos, sociais ou políticos reconhecidos na Constituição Federal, assim também certas instituições consideradas importantes para a realidade social e que, ao receberem a tutela constitucional, reflexamente acabam protegendo um, alguns ou vários dos direitos nela proclamados. Daí porque grande parte dessas garantias constitucionais corresponde a disposições declaratórias de direitos reconhecidos em relação ao Estado e tem o objetivo de limitar o poder do qual ele está investido. Uma delas é justamente a que assegura o direito de ação a qualquer sujeito que afirmar lesão ou ameaça a direito, afinal, é mediante a ação processual que se conduz à apreciação do Poder Judiciário pretensões jurídicas que reclamam solução através do processo. Em outros termos, o inciso XXXV do artigo 5º está proclamando, a um só tempo, que a ação é o instrumento apto para exigir a prestação jurisdicional do Estado, que é vedado a ele legislar criando entraves para o acesso à Justiça ou à permanência dos jurisdicionados em juízo e que, ademais, são indispensáveis atuações estatais tendentes à remoção dos óbices existentes para tanto, dentre os quais se destacam os obstáculos de ordem econômica e aqueles ligados às dificuldades de distribuição dos órgãos judiciais em todo o território nacional. Logo, se o processo começa por iniciativa da parte (NCPC, art. 2º) e é proibido subtrair do Poder Judiciário o exame de situações que podem representar lesão ou ameaça a direito (NCPC, art. 3º), fica claro que o citado inciso XXXV está assegurando, indistintamente a todos, os direitos à ação, ao processo e a uma resposta tempestiva e eficaz para as pretensões nele veiculadas, garantia essa tão vigorosa que não comporta supressão ou restrição pelo poder constituinte derivado ou reformador (CF, art. 60, § 4º, inc. IV). Enfim, ao reproduzir parte da norma constitucional que garante a inafastabilidade da jurisdição (art. 5º, inc. XXXV), o artigo 3º do Código projetado reafirma o poder, o dever e o monopólio do Estado de mediar a solução das lides através do processo judicial, mas lembra de ressalvar a utilização da arbitragem, no parágrafo 1º desse dispositivo legal. A propósito, a arbitragem pode ser definida como um método legal e alternativo de resolução de controvérsias envolvendo direitos patrimoniais e disponíveis rivalizados por pessoas físicas, jurídicas ou mesmo certos entes despersonalizados, com o qual um ou mais árbitros escolhidos pelas partes exercem o poder convencional de resolver determinado litígio, mediante a anuência prévia dos contratantes no tocante à decisão que vier a ser proferida. Embora subordinada a regras específicas (Lei nº 9.307/96), a atividade arbitral guarda semelhanças com a atividade judicial, pois ambas são vocacionadas à pacificação de conflitos, quer de forma amistosa ou impositiva para os litigantes. Além disso, não há distinção ontológica entre os poderes conciliatórios, instrutórios e decisórios dos quais estão investidos os árbitros e os juízes, razão bastante para o Código projetado equiparar a eficácia das sentenças por eles proferidas e considerá-las, indistintamente, títulos executivos judiciais (NCPC, art. 529, incs. I e VII). Portanto, nos casos e formas definidas pela legislação especial, as partes podem renunciar à prerrogativa de invocar a tutela jurisdicional do Estado para a solução de certos litígios e substituí-la pela arbitragem, mediante convenção expressa e que, ademais, é passível de ser oposta como matéria de defesa, caso uma delas transgrida esse ajuste e acesse o Poder Judiciário. Em outros termos, aquele que pactuar a arbitragem e for demandado perante a Justiça Pública poderá impugnar o pedido arguindo, em petição autônoma, a existência da respectiva convenção (art. 345), a fim de obter do juiz uma sentença de finalização do procedimento sem resolução de mérito (art. 348). Porém, cabe ressaltar que é vedado ao juiz conhecer de ofício a respeito desse tipo de convenção (art. 349) e que a falta de oposição dela no momento oportuno resulta a preclusão do direito do réu de suscitá-la mais tarde (art. 350).
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1. MACIEL, Daniel Baggio. A inafastabilidade da jurisdição no novo Código de Processo Civil. Araçatuba: Página eletrônica Isto é Direito. Abril de 2014.
NOTA RELEVANTE: Este artigo foi composto segundo os dispositivos constantes do projeto de lei que institui o novo Código de Processo Civil. 
Art. 3º. Não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito. 
§ 1º É permitida a arbitragem, na forma da lei. 
§ 2º O Estado promoverá, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos. 
§ 3º A conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por magistrados, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial. 

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