A redação do artigo 3º
do Código de Processo Civil projetado guarda parcial simetria com o inciso XXXV
do artigo 5º da Constituição Federal, segundo o qual “a lei não excluirá da
apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.” Fala-se na garantia
constitucional do direito de ação ou da inafastabilidade da jurisdição. As
garantias constitucionais podem ser definidas como instrumentos ou institutos
que visam a assegurar, especialmente em face do próprio Estado, a obediência, a
capacidade de exercício e a efetividade de usufruição de determinados direitos
individuais, coletivos, sociais ou políticos reconhecidos na Constituição
Federal, assim também certas instituições consideradas importantes para a
realidade social e que, ao receberem a tutela constitucional, reflexamente
acabam protegendo um, alguns ou vários dos direitos nela proclamados. Daí porque
grande parte dessas garantias constitucionais corresponde a disposições
declaratórias de direitos reconhecidos em relação ao Estado e tem o objetivo de
limitar o poder do qual ele está investido. Uma delas é justamente a que
assegura o direito de ação a qualquer sujeito que afirmar lesão ou ameaça a
direito, afinal, é mediante a ação processual que se conduz à apreciação do
Poder Judiciário pretensões jurídicas que reclamam solução através do processo.
Em outros termos, o inciso XXXV do artigo 5º está proclamando, a um só tempo,
que a ação é o instrumento apto para exigir a prestação jurisdicional do
Estado, que é vedado a ele legislar criando entraves para o acesso à Justiça ou
à permanência dos jurisdicionados em juízo e que, ademais, são indispensáveis atuações
estatais tendentes à remoção dos óbices existentes para tanto, dentre os quais
se destacam os obstáculos de ordem econômica e aqueles ligados às dificuldades de
distribuição dos órgãos judiciais em todo o território nacional. Logo, se o
processo começa por iniciativa da parte (NCPC, art. 2º) e é proibido subtrair
do Poder Judiciário o exame de situações que podem representar lesão ou ameaça
a direito (NCPC, art. 3º), fica claro que o citado inciso XXXV está
assegurando, indistintamente a todos, os direitos à ação, ao processo e a uma
resposta tempestiva e eficaz para as pretensões nele veiculadas, garantia essa
tão vigorosa que não comporta supressão ou restrição pelo poder constituinte
derivado ou reformador (CF, art. 60, § 4º, inc. IV). Enfim, ao reproduzir parte
da norma constitucional que garante a inafastabilidade da jurisdição (art. 5º,
inc. XXXV), o artigo 3º do Código projetado reafirma o poder, o dever e o
monopólio do Estado de mediar a solução das lides através do processo judicial,
mas lembra de ressalvar a utilização da arbitragem, no parágrafo 1º desse
dispositivo legal. A propósito, a arbitragem pode ser definida como um método
legal e alternativo de resolução de controvérsias envolvendo direitos
patrimoniais e disponíveis rivalizados por pessoas físicas, jurídicas ou mesmo
certos entes despersonalizados, com o qual um ou mais árbitros escolhidos pelas
partes exercem o poder convencional de resolver determinado litígio, mediante a
anuência prévia dos contratantes no tocante à decisão que vier a ser proferida.
Embora subordinada a regras específicas (Lei nº 9.307/96), a atividade
arbitral guarda semelhanças com a atividade judicial, pois ambas são vocacionadas à pacificação de conflitos, quer de forma amistosa ou impositiva para os
litigantes. Além disso, não há distinção ontológica entre os poderes conciliatórios, instrutórios e decisórios dos quais estão investidos
os árbitros e os juízes, razão bastante para o Código projetado equiparar a
eficácia das sentenças por eles proferidas e considerá-las, indistintamente,
títulos executivos judiciais (NCPC, art. 529, incs. I e VII). Portanto, nos casos e formas definidas pela
legislação especial, as partes podem renunciar à prerrogativa de invocar a
tutela jurisdicional do Estado para a solução de certos litígios e substituí-la
pela arbitragem, mediante convenção expressa e que, ademais, é passível de ser
oposta como matéria de defesa, caso uma delas transgrida esse ajuste e acesse o
Poder Judiciário. Em outros termos, aquele que pactuar a arbitragem e for
demandado perante a Justiça Pública poderá impugnar o pedido arguindo, em
petição autônoma, a existência da respectiva convenção (art. 345), a fim de
obter do juiz uma sentença de finalização do procedimento sem resolução de
mérito (art. 348). Porém, cabe ressaltar que é vedado ao juiz conhecer de
ofício a respeito desse tipo de convenção (art. 349) e que a falta de oposição dela no momento oportuno resulta a preclusão do direito do
réu de suscitá-la mais tarde (art. 350).
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1. MACIEL, Daniel Baggio. A inafastabilidade da jurisdição no novo Código de Processo Civil. Araçatuba: Página eletrônica Isto é Direito. Abril de 2014.
NOTA RELEVANTE: Este artigo foi composto segundo os dispositivos constantes do projeto de lei que institui o novo Código de Processo Civil.
Art.
3º. Não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito.
§
1º É permitida a arbitragem, na forma da lei.
§
2º O Estado promoverá, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos.
§
3º A conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de
conflitos deverão ser estimulados por magistrados, advogados, defensores
públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo
judicial.
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