segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

ALIMENTOS: CONCEITO E DISTINÇÕES

No sentido jurídico a palavra “alimentos” designa um conjunto de víveres a serem fornecidos por quem está obrigado àquele que não reúne condições materiais para diligenciar a própria subsistência. É justamente dessa noção que decorre a conclusão de que os alimentos podem variar “quantitativa” e “qualitativamente” a cada caso concreto, dependendo das “necessidades” do alimentário e das “possibilidades” do alimentante. Nada obstante, eles devem ser proporcionais (CC, art. 1694, § 1º) e podem abranger, “exempli gratia”, a habitação, o vestuário, a alimentação, a instrução escolar e a assistência médica. São muitas as classificações adotadas a propósito dos alimentos. Embora amplamente divulgadas pela doutrina, todas elas derivam da própria legislação e as mais utilizadas levam em conta os critérios da natureza, da causa jurídica e da finalidade dos alimentos. Quanto à natureza os alimentos podem ser classificados em “naturais” ou “necessários”, “civis” ou “côngruos” e ambos estão previstos no artigo 1694 do Código Civil. Naturais ou necessários são os alimentos que compreendem o indispensável para a satisfação das necessidades primárias da vida do alimentário, ao passo que os alimentos civis ou côngruos destinam-se a manter a condição social dele, ou seja, o status da família. Quanto à causa jurídica os alimentos podem ser “legais” ou “legítimos”, “voluntários” e “indenizatórios”. Legais ou legítimos são os alimentos que decorrem do casamento, união estável ou parentesco entre o alimentando e o alimentante, ou seja, aqueles previstos pelo Direito de Família (CC, art. 1694). Voluntários são os alimentos que emanam da vontade de alguém de prestá-los. Quando contratados para pagamento em vida pelo alimentante os alimentos voluntários são chamados “inter vivos” e pertencem ao Direito das Obrigações. Porém, se estabelecidos como disposição de última vontade eles são denominados “causa mortis” ou “legado de alimentos” e se inserem no Direitos das Sucessões (CC, art. 1687). Finalmente, indenizatórios, reparatórios ou ressarcitórios são os alimentos cuja fonte produtora é o dano patrimonial injusto, tal qual ocorre no homicídio doloso ou culposo (CC, art. 948). Quanto à finalidade os alimentos são divididos em “definitivos” ou “regulares”, “provisórios” e “provisionais”. Regulares ou definitivos são aqueles de caráter permanente, arbitrados mediante sentença na ação de alimentos ou resultantes de acordo homologado judicialmente, embora sujeitos a revisão sempre que houver mudança nas condições financeiras de quem os supre ou nas de quem os recebe (CC, art. 1699). Provisórios são os alimentos fixados liminarmente pelo juiz na ação de alimentos em razão da existência de certeza jurídica da relação parental, conjugal ou convivencial entre o autor e o réu (Lei 5478/68, art. 4º). Eles têm natureza antecipatória e recebem essa denominação legal porque vigem apenas temporariamente até a fixação dos alimentos definitivos. Por último, provisionais são os alimentos fixados em procedimento cautelar específico regido pelo Código de Processo Civil. Também conhecidos como alimentos “ad litem” ou “expensa litis”, os provisionais são destinados a afastar o fundado receio de lesão grave e de difícil reparação para o alimentário que demonstrar a probabilidade da existência do direito material aos alimentos definitivos. Portanto, provisionais são aqueles cuja existência fica na dependência da demonstração dos pressupostos inerentes às tutelas de urgência, quais sejam, o “fumus boni iuris” e o “periculum in mora”.
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REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA:
1. MACIEL, Daniel Baggio. Processo Cautelar. São Paulo: Editora Boreal, 2012.

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

JUSTIÇA GRATUITA PARA PESSOAS JURÍDICAS

Para a pessoa jurídica receber os benefícios da Justiça Gratuita ela deve apresentar prova convincente de sua incapacidade de pagar as custas do processo. O entendimento que prevaleceu na Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) foi iniciado pelo ministro Castro Meira e acompanhado pela maioria dos ministros. A empresa Unicon Engenharia e Comércio Ltda. ajuizou uma ação processual em relação ao município de Rondonópolis (MT) para o pagamento de serviços prestados. Após a condenação do município, a empresa requereu os benefícios da Justiça Gratuita. Alegou que suas atividades se encontravam paralisadas e que não tinha condições financeiras de arcar com as custas do processo. O pedido foi negado em primeira instância, o que foi mantido pelo Tribunal de Justiça do Mato Grosso (TJMT). O tribunal entendeu que pessoas jurídicas deveriam demonstrar a real necessidade da gratuidade e que, além disso, a empresa estaria sendo representada por advogados particulares. A Unicon manejou uma ação cautelar no STJ requerendo que a cobrança das custas fosse suspensa. Para tanto, alegou o risco da extinção da execução. Pediu ainda a suspensão da decisão do TJMT até a execução do débito. A relatora, ministra Eliana Calmon, acatou o pedido. Ela também apontou que foi apresentada documentação comprovando que a empresa sofreu a paralisação das suas atividades. No seu voto-vista, entretanto, o ministro Castro Meira anotou que não havia comprovação suficiente de que a empresa é incapaz de arcar com as custas processuais. O ministro destacou que a Unicon teria comprovado apenas a paralisação de suas atividades, não a sua falência. O ministro também ponderou que, para ser concedido o efeito suspensivo ao recurso, deveria haver o fumus boni iuris, o periculum in mora e a viabilidade jurídica do pedido. Segundo o ministro, para determinar se empresa tem ou não a real necessidade da Justiça Gratuita o STJ haveria de reexaminar matéria fática, o que é vedado pela Súmula 7 do próprio tribunal. “Dessarte, a aparente inviabilidade do recurso especial leva-me a divergir da relatora para concluir que a cautelar deve ser indeferida e o processo extinto”, completou. O restante da turma acompanhou o entendimento do ministro.
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Fonte: STJ

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

EXCEÇÕES DE IMPEDIMENTO E DE SUSPEIÇÃO

Nos artigos 134 e 135 do CPC estão catalogados os motivos que determinam o impedimento e a suspeição do juiz. O propósito de todos eles é sempre o mesmo: assegurar que a demanda seja processada e julgada por um magistrado imparcial. Nada obstante, a legislação processual defere um tratamento bastante diferenciado a esses dois indutores do afastamento do juiz e dedica especial rigor ao impedimento. A título de exemplo, o impedimento é matéria que não se sujeita a preclusão. De consequência, a não oposição da respectiva exceção em quinze dias não impede que a parte alegue essa mesma matéria em outra oportunidade processual, inclusive após o trânsito em julgado da sentença de mérito, em sede de ação rescisória (CPC, art. 485, II). Com a suspeição tudo se passa de modo diverso, afinal, a não oposição dessa exceção no momento oportuno gera a preclusão consumativa e, com ela, a impossibilidade de a parte suscitá-la futuramente, salvo, é claro, se sobrevier um novo fato indutor de outra suspeição. Dada a gravidade que cerca o impedimento, ele pode ser alegado mediante exceção ou por qualquer outro meio processual, inclusive no ambiente preliminar da própria contestação. De qualquer modo, é fato que o CPC estabeleceu que o impedimento e a suspeição são suscitáveis mediante petição dirigida ao próprio juiz da causa. Nela o excipiente deverá expor as razões pelas quais almeja o afastamento do juiz, vale dizer, a causa do impedimento ou da suspeição. Também nessa oportunidade ele poderá exibir as provas documentais capazes de demonstrar os fatos alegados. Se pretender provar o impedimento ou a suspeição por testemunhas, é na própria exceção que o excipiente apresentará o rol daqueles que almeja inquirir na futura audiência de instrução. A contagem do prazo para a apresentação das exceções de impedimento e suspeição varia conforme o momento em que a parte toma conhecimento da causa apta a afastar o juiz do processo. Se o motivo hábil para tanto é conhecido desde logo, o prazo de quinze dias para o autor excepcionar é contado da data da distribuição da petição inicial. Nesta hipótese, o prazo para o réu opor sua exceção só começará a contar da juntada aos autos do mandado de citação. Porém, se a causa do impedimento ou da suspeição só se tornar conhecida durante o processo, o prazo de quinze dias para ambas as partes só começará a fluir do instante em que elas tiverem ciência do motivo legal para o afastamento. Apresentada a exceção ao juiz da causa, para ele restarão duas alternativas: (a) a primeira é concordar com a arguição e determinar a remessa dos autos ao seu substituto automático; (b) a segunda é não proclamar o óbice e oferecer suas razões escritas no prazo de dez dias, podendo instruí-las com documentos do seu interesse e dotá-las com o rol das testemunhas que almeja inquirir na futura audiência de instrução, caso em que determinará a remessa dos autos ao órgão competente para concluir o processamento da exceção e julgá-la. Neste último caso, perceba que não há a intimação do outro litigante para se manifestar nesse incidente, afinal, nas exceções de impedimento e de suspeição o excepto é o próprio juiz. Além disso, perceba também que se o juiz aceitar o seu afastamento não será preciso remeter os autos para deliberação do órgão competente para julgá-la. A respeito das exceções de impedimento e de suspeição é ineliminável a controvérsia sobre a necessidade (ou não) de o advogado do excipiente possuir poderes especial para apresentá-las. Apesar disso, no STJ há vários precedentes que se contentam com poderes gerais para o foro. Neste sentido: "ADVOGADO - Mandato - Exceção de suspeição - Procuração com poderes especiais - Desnecessidade - Precedentes do STJ - CPC, artigos 38 e 304. Segundo a dicção do artigo 38 do CPC, a regra geral é de que a procuração "habilita o advogado a praticar todos os atos do processo", sendo que as exceções constam expressamente na parte final dessa norma e dentre elas não se encontra a exigência de poderes especiais para argüir a exceção de suspeição." (STJ - REsp. nº 595.522 - 2ª T. - DF - Rel. Min. Castro Meira - J. 18.10.2005 - DJ. 07.11.2005).
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1. MACIEL, Daniel Baggio. Exceções de impedimento e de suspeição. Araçatuba: Página eletrônica Isto é Direito. Outubro de 2009.

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

ANOTAÇÕES SOBRE A EXCEÇÃO DE INCOMPETÊNCIA

O artigo 297 do Código de Processo Civil cataloga as respostas do réu citado na ação de conhecimento que adote o procedimento ordinário, quais sejam, contestação, exceções e reconvenção. Longe de exaurir todas as respostas possíveis para o demandado, fato é que o artigo em análise possibilita que ele ofereça as exceções de incompetência, impedimento e suspeição (arts. 307 e 312). Essas últimas arguições são batizadas de "exceções rituais" e representam meras defesas indiretas, afinal, elas não têm o efeito de conduzir o processo à extinção (art. 267), senão apenas eliminar um problema relacionado ao "órgão judicial" que processa a demanda (incompetência) ou ao "magistrado" que nela atua (impedimento e suspeição). A exceção de incompetência só pode ser suscitada nos casos em que a competência for "relativa". Para tanto, o réu possui o prazo de quinze dias se o procedimento for o ordinário. Nele, se o demandado for a Fazenda Pública ou o Ministério Público o prazo computar-se-á em quádruplo (art. 188). Contudo, esse prazo será contado em dobro se houver litisconsórcio passivo e os réus estiverem representados por advogados distintos (art. 191). No procedimento sumário a exceção de incompetência deve ser apresentada na audiência de conciliação, instrução e julgamento. Nos procedimentos especiais ela deve ser formulada no prazo definido em lei para contestação (v.g. art. 802). A exceção de incompetência pode ser apresentada simultaneamente à contestação ou antes dela. Se for apresentada antes, o simples oferecimento da exceção suspenderá o processo e o prazo para as demais respostas do réu, embora o artigo 306 equivocadamente mencione que essa suspensão se dará apenas com o recebimento dela pelo juiz. Improcedente a exceção, o prazo de resposta retomará o seu curso normal do dia em que parou. Procedente a exceção, ele só voltará a correr da intimação feita pelo novo juízo sobre a chegada dos autos. Em hipótese alguma a exceção poderá ser manejada após a contestação, caso em que haverá a preclusão consumativa e a prorrogação da competência, isto é, o juízo relativamente incompetente se tornará competente. Assim como as demais exceções rituais, a de incompetência deve ser formulada em petição escrita dirigida ao juiz que processa a causa, embora o réu possa apresentá-la para protocolo no juízo do seu domicílio e requerer a imediata remessa da exceção ao juiz que ordenou a citação (art. 305, par. único). Apresentada, a exceção será autuada em apenso. Essa petição deve ser fundamentada e, se necessário, instruída com documentos. Conclusos os autos, o juiz mandará intimar o excepto (o autor) para que ele se manifeste, também por escrito, no prazo de dez dias. Após essa manifestação e não havendo a necessidade de produzir prova em audiência, o juiz decidirá em igual prazo mediante interlocutória suscetível de agravo de instrumento (art. 522, parte final). Intimadas as partes sobre a decisão de primeira instância na exceção, o processo retomará o seu curso normal, mesmo que haja a interposição de agravo, ademais, este recurso originalmente não é dotado de efeito suspensivo. Nada obstante, se a exceção for provida, o processo só voltará a tramitar com a chegada dos autos no juízo competente. Há ainda algumas curiosidades sobre a exceção de incompetência e a primeira delas diz respeito à possibilidade de o juiz acolher a exceção e remeter os autos para juízo diverso daquele indicado pelo excipiente ou mesmo daquele apontado pelo excepto em sua manifestação. Porém, se o excepto concordar com a exceção, o juiz não terá outra alternativa senão deferi-la, até porque o magistrado não pode contrariar a convenção das partes em matéria de competência relativa. Por último, mesmo que a exceção seja manifestamente improcedente, o prazo para as demais respostas do réu permanecerá suspenso até a data em que as partes forem intimadas do indeferimento liminar.
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1. MACIEL, Daniel Baggio. Anotações sobre a exceção de incompetência. Araçatuba: Página eletrônica Isto é Direito. Setembro de 2009.

terça-feira, 8 de setembro de 2009

NOÇÕES GERAIS SOBRE A RECONVENÇÃO

A reconvenção foi tratada pelo artigo 297 do CPC como uma das respostas do réu citado na ação de conhecimento de procedimento ordinário. Apesar disso, ela também pode ser manejada nas ações processuais que observam procedimentos especiais de jurisdição contenciosa, contanto que haja previsão legal para a conversão do procedimento em ordinário após a apresentação da resposta, tal qual ocorre nas ações de consignação em pagamento e monitória. Apesar de numerosas as hipóteses de cabimento da reconvenção, não se pode cogitar dela nas ações de execução, cautelares, naquelas que seguem o procedimento sumário e nas ações de competência dos juizados especiais cíveis. A propósito, nestes dois últimos casos a contestação pode assumir um caráter dúplice se o réu, além de se defender, formular pretensões contra o autor. Logo, podemos conceituar a reconvenção como uma resposta com a qual o réu apresenta alguma pretensão judicial em relação ao autor da ação processual originária, assumindo uma postura ativa e diversa daquela que adotaria se apenas contestasse o pedido inicial. Aliás, não é por outra razão que a reconvenção deve ser apresentada no prazo da resposta e simultaneamente à contestação, sob pena de preclusão consumativa (CPC, art. 299). Nas ações processuais com procedimento ordinário, a reconvenção deve ser apresentada no prazo de quinze dias contados da juntada aos autos do mandado de citação ou do comprovante do aviso de recebimento. Contudo, se o réu for o Ministério Público ou a Fazenda Pública, este prazo será computado em quádruplo (CPC, art. 188). Para os litisconsortes passivos com advogados distintos, assim também para a defensoria pública, o prazo da reconvenção é computado em dobro (Lei 1050/60, art. 5º, par. 5º). Embora tratada como resposta, a reconvenção tem natureza de ação de conhecimento incidental, o que exige do réu-reconvinte a apresentação de uma petição inicial nos moldes dos artigos 282 e 283 do CPC. Enfim, ela é uma nova ação que ocupa o mesmo processo e provoca o seguinte fenômeno processual: o autor da ação originária converte-se em réu na reconvenção, ao passo que o réu na ação originária ocupa a posição de autor da reconvenção. Como nova ação processual, o uso da reconvenção é sempre facultativo para o réu. Assim, em lugar da reconvenção, o réu pode preferir iniciar um processo autônomo formulando sua pretensão em uma ação processual não incidental, mas que provavelmente acabará reunida à ação originária por força da conexão. Curiosamente, o ato judicial que indefere liminarmente a reconvenção não tem a natureza de sentença, mesmo porque ele se limita a extinguir a reconvenção, não o processo em si, que continuará a se desenvolver em virtude da ação originária. Trata-se, pois, de decisão interlocutória sujeita a agravo. O réu que apresentar sua reconvenção pode, simultaneamente, formular sua contestação, mas ele não está obrigado a tanto. Logo, pode haver contestação sem reconvenção e vice-versa, mas em nenhum desses casos será possível falar em revelia e em presunção de verdade dos fatos afirmados na petição inicial da ação originária, se as narrativas fáticas de uma e outra estiverem contrapostas. Ao contrário do que pode parecer à primeira vista, o uso da reconvenção não é indiscriminado e deve preencher os seguintes requisitos: conexidade, competência, procedimento compatível e que o autor da ação originária não seja legitimado extraordinário. Haverá conexidade quando os pedidos ou a causa de pedir das duas demandas forem idênticos. A título de exemplo, existirá conexidade dos pedidos quando a esposa ajuizar uma ação de anulação de casamento em face do marido e ele reconvir postulando a invalidação do matrimônio em relação a ela. Por sua vez, haverá conexidade entre as causas de pedir quando o credor ajuizar uma ação cognitiva de cobrança e o réu reconvir postulando a declaração de nulidade do negócio jurídico que celebrou com aquele. Por sua vez, a competência para a ação originária e a reconvenção deve ser a mesma ou, pelo menos, não pode haver incompetência absoluta do juiz para processar e julgar a reconvenção, afinal, tanto ela quanto a ação originária são decididas mediante uma única sentença e os atos decisórios de juiz absolutamente incompetente são nulos (CPC, art. 113, par. 2º). O procedimento utilizado para a ação originária e para a reconvenção deve ser o mesmo para não provocar marchas descompassadas no processo. Entretanto, nada impede que o procedimento da reconvenção seja diverso, se ele puder ser convertido no ordinário. Logo, é perfeitamente possível que o réu apresente sua reconvenção, cujo rito original seja o sumário, e abra mão dele para que a demanda seja processada pelo procedimento ordinário. Finalmente, a reconvenção só é possível se o autor da ação originária não estiver demandando na qualidade de legitimado extraordinário, ou seja, de substituto processual do titular do direito lesado ou ameaçado. Se estiver, fica descartado o uso da reconvenção porque ela tem natureza de nova ação processual e o autor da ação originária não é o titular do direito posto em juízo. O procedimento da reconvenção é relativamente simples. Se não for o caso de indeferi-la liminar, o juiz receberá a reconvenção e mandará intimar o advogado do réu para contestá-la, no prazo de quinze dias (CPC, arts. 188 e 191). Embora o CPC mencione “intimação”, para todos os efeitos este ato processual equivale a uma “citação”, efetivada, porém, na pessoa do advogado do autor-reconvindo. A propósito, mesmo que este não conteste a reconvenção não haverá revelia nem confissão ficta, afinal, possivelmente os fatos narrados na petição inicial da ação originária serão antagônicos àqueles afirmados na reconvenção. A instrução da ação originária e da reconvenção é uma só e, concluída esta, o juiz proferirá uma única sentença para julgar as duas demandas. Não é possível cindir o julgamento do mérito, de modo que o juiz deverá dotar sua sentença de dois dispositivos: um para a ação originária e outro para a reconvenção. Porém, como já assinalado, pode acontecer de o juiz extinguir uma das demandas antecipadamente, mediante decisão interlocutória, caso em que a outra prosseguirá até final sentença. Aliás, o artigo 317 é suficientemente claro ao estabelecer que “a desistência da ação, ou a existência de qualquer causa que a extinga, não obsta o prosseguimento da reconvenção.”
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1. MACIEL, Daniel Baggio. Noções gerais sobre a reconvenção. Araçatuba: Página eletrônica Isto é Direito. Setembro de 2009.

terça-feira, 1 de setembro de 2009

SÚMULA: A CUMULATIVIDADE DOS DANOS ESTÉTICOS E MORAIS

“É possível a acumulação das indenizações de dano estético e moral.” Esse é o teor da Súmula 387, aprovada pela Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Segundo o entendimento firmado, cabe a acumulação de ambos os danos quando, ainda que decorrentes do mesmo fato, é possível a identificação separada de cada um deles. Em um dos recursos que serviu de base para a edição da Súmula 387, o STJ avaliou um pedido de indenização decorrente de acidente de carro em transporte coletivo. Um passageiro perdeu uma das orelhas na colisão e, em consequência das lesões sofridas, ficou afastado das atividades profissionais. Segundo o STJ, presente no caso o dano moral e estético, deve o passageiro ser indenizado de forma ampla. Em outro recurso, um empregado sofreu acidente de trabalho e perdeu o antebraço numa máquina de dobra de tecidos. A defesa da empresa condenada a pagar a indenização alegou que o dano estético era uma subcategoria de dano moral, por isso, eram inacumuláveis. “O dano estético subsume-se no dano moral, pelo que não cabe dupla indenização”, alegava. O STJ, no entanto, já seguia o entendimento de que é permitido cumular valores autônomos, um fixado a título de dano moral e outro a título de dano estético, derivados do mesmo fato, quando forem passíveis de apuração separada, com causas inconfundíveis. O relator da nova súmula é o ministro Fernando Gonçalves.
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Fonte: Coordenadoria de Editoria e Imprensa do STJ.

domingo, 30 de agosto de 2009

O QUE É COGNIÇÃO SUMÁRIA?

“Cognição” significa conhecimento de algo posto sob exame. O ato cognitivo é ato de inteligência, de compreensão. A palavra “sumária” indica simplicidade, brevidade, concisão. Unindo-as sob o prisma do direito processual, pode-se dizer que se trata de uma atividade do juiz consistente em examinar com menor verticalidade fatos e direitos postos sob sua apreciação para que compreenda algo. Ao fazê-lo com razoável agilidade e baixa intensidade, dificilmente o juiz conseguiria colher da sua cognição a convicção de “certeza” da existência do direito alegado e do fato verificado. Apesar disso, essa espécie de percepção é apta a permitir ao magistrado inferir “probabilidades” de existência dos elementos examinados, o que basta à concessão de certas medidas jurisdicionais, a exemplo das cautelares. Os elementos de que falamos são o “direito” posto em juízo e o “fato” que pode desencadear-lhe a lesão. Após examiná-los sumariamente, se o juiz concluir pela probabilidade do direito e da lesão, estará autorizado a determinar medidas jurisdicionais que previnam o dano iminente. Daí os pressupostos “fumus boni iuris” e “periculum in mora” que caracterizam as tutelas de simples segurança. Com efeito, essa forma de cognição precisa mesmo caracterizar o processo cautelar, sob pena de inviabilizar completamente as chances de prevenção do dano. Em outros termos, exigir cognição de maior densidade no processo cautelar resultaria demora capaz de inutilizar a medida cautelar e de determinar o sacrifício do direito merecedor da proteção. Em idêntico sentido são as considerações de OVÍDIO BAPTISTA ao advertir que: “A cognição exauriente que o magistrado tivesse de desenvolver, quando ele fosse convocado para prestar a tutela cautelar, além de supérflua e inútil, seria incompatível com a urgência que se presume, invariavelmente, como elemento constante para o cabimento da tutela cautelar. Ora, tal exigência torna inadequado o procedimento ordinário” (Processo Cautelar, Editora Forense). No processo cautelar, é essa cognição sumária que impede a declaração de existência do direito na sentença e a formação da coisa julgada material. Portanto, essa forma de cognição funciona como verdadeiro "limite" da atividade jurisdicional cautelar, que não pode ser ultrapassado pelo magistrado. Obviamente, “probabilidade de direito” não significa certeza de existência dele. Trata-se de uma conclusão judicial bem menos segura e rarefeita, que pode não se confirmar após a cognição exaustiva no ambiente próprio. Por isso, é impensável atribuir imutabilidade aos efeitos das decisões cautelares.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
1. MACIEL, Daniel Baggio. Processo Cautelar. São Paulo: Editora Boreal, 2012.
2. SILVA, Ovídio de Araújo Baptista da. Do Processo Cautelar. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2001.

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

CABIMENTO DE MEDIDAS CAUTELARES EM AÇÕES DECLARATÓRIAS

Durante certo período, parte da doutrina e dos tribunais brasileiros negaram cabimento para a medidas cautelares em ações declaratórias. O principal raciocínio utilizado para tanto era o de que os provimentos "estritamente declaratórios" não são dotados de executividade e, por isso, não poderiam ser assegurados por provimentos de mera segurança. Em outros termos, alguns reduziam as tutelas cautelares a instrumentos de asseguração da futura execução forçada. Como os pronunciamentos judiciais meramente declaratórios ordinariamente não ensejam atividade judicial dessa natureza (execução), já que apenas reconhecem a existência ou não de determinada relação jurídica ou a autenticidade ou falsidade de dado documento, não haveria objeto a ser amparado pela concessão de medidas cautelares, diziam eles. Na doutrina nacional, GRECCO FILHO foi um dos escritores que desmistificou essa irrefletida conclusão valendo-se de construções teóricas irrespondíveis e de exemplos claros. Com razão, o eminente professor assevera que na ação processual declaratória positiva ou negativa o autor visa a determinado efeito prático não obtenível por execução forçada, mas sim o mero reconhecimento de que determinada relação jurídica existe ou não. Pode ocorrer - afirma ele - de alguém acreditar existir determinada relação jurídica e assim se comportar de modo a causar perigo de dano a outrem por sua indevida atuação, oportunidade em que se torna necessária a medida cautelar para inibir a lesão. (1) Dentre outros exemplos, GRECCO FILHO ilustra seu pensamento apontando a medida de sustação de protesto em ação declaratória de nulidade do título de crédito, bem como a medida de suspensão de deliberações sociais em ação declaratória de nulidade de assembléia corporativa.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
1. GRECCO FILHO, Vicente. Direito Processual Civil. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 174.
2. MACIEL, Daniel Baggio. Processo Cautelar. São Paulo: Editora Boreal, 2012.

sábado, 25 de julho de 2009

CONCEITO DE BUSCA E APREENSÃO

O vocábulo "busca" indica o ato ou o efeito de procurar algo que se pretende encontrar. A palavra "apreensão" designa o ato ou o efeito de segurar, agarrar, pegar, prender, apropriar judicialmente de alguma coisa ou pessoa. Destarte, a busca e apreensão pode ser inicialmente conceituada como uma providência jurídica de procura de coisas ou pessoas a serem apropriadas em virtude de ordem emanada de algum órgão jurisdicional. Nas palavras de GARRIDO DE PAULA, “a busca e apreensão consiste no assenhoramento de coisa ou pessoa a ser encontrada, em razão de pedido formulado por quem tenha interesse em ter materialmente a coisa ou estar com a pessoa sob sua companhia e guarda.” THEODORO JÚNIOR afirma que a busca sempre vem ligada ao seu complemento que é a apreensão da coisa buscada, de modo que não existe separação ou autonomia entre os dois atos, os quais se fundem em uma única medida jurisdicional. Porém, em cima das lições de ROMEU BARROS, MARCOS DESTEFENNI sustenta que a busca e a apreensão envolvem duas providências distintas porque nem sempre o objeto procurado é encontrado para apreensão ou mesmo porque a apreensão pode ocorrer sem ser precedida da diligência de busca. Seja como for, é certo que a legislação brasileira não prevê a busca separada da apreensão. Embora distintas e episodicamente realizadas de modo isolado, ambas ostentam uma nítida relação de complementaridade porque a busca visa à apreensão e normalmente a apreensão só é consumada porque antes buscou-se com êxito a coisa ou a pessoa objeto da medida jurisdicional. Aliás, o próprio OVÍDIO BAPTISTA admite que o conceito de busca e apreensão sofreu uma espécie de fusão semântica para formar um conceito unitário, tal qual ocorreu com a expressão perdas e danos, que hoje simboliza a concepção de uma realidade jurídica especial. 
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
1. MACIEL, Daniel Baggio. Processo Cautelar. São Paulo: Editora Boreal, 2012.
2. GARRIDO DE PAULA, Paulo Afonso. In: MARCATO, Antonio Carlos (coordenador). Código de Processo Civil Interpretado. São Paulo, Atlas: 2.004. p. 2292.
3. THEODORO JÚNIOR. Processo Cautelar. São Paulo: Editora Leud, 1998.
4. DESTEFENNI, Marcos. Curso de Processo Civil - Processo Cautelar. São Paulo: Editora Saraiva, 2.006, vol. 3, p. 81.
5. SILVA, Ovídio Araújo Baptista da. Do Processo Cautelar. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2001.

terça-feira, 7 de julho de 2009

COMPETÊNCIA DOS TRIBUNAIS NAS CAUTELARES INCIDENTAIS

O parágrafo único do artigo 800 do Código de Processo Civil estabelece que, “interposto o recurso, a medida será requerida diretamente ao tribunal.” Nestes termos, atribui competência ao órgão judicial imediatamente superior para conhecer do pedido cautelar incidental formulado após a interposição do recurso da decisão proferida pelo órgão judicial "a quo" no processo principal. Esse é o resultado da interpretação sintática do parágrafo único, que em certos casos acabará suprimindo a instância inferior. À guisa de exemplo, se interposta a apelação da sentença que julga procedente o pedido em ação de conhecimento, a medida cautelar será requerida a partir daí ao tribunal competente para decidir o recurso, sem qualquer deliberação do juízo monocrático a respeito. Notoriamente, aqui a vontade do legislador foi a de definir regra de competência hierárquica, entre órgãos jurisdicionais inferiores e superiores. Por isso, nada mais natural do que atentar para as regras de competência recursal. Ora, se o recurso está sendo processado no tribunal, é este o órgão judicial competente para decidir o incidente processual, até porque é ele que estará em poder dos autos. Apesar do valor dessa previsão legal, nela o legislador pecou quando definiu a interposição do recurso como o divisor de competências entre diferentes graus de jurisdição. Quando assim o fez, ele olvidou que a interposição de muitos recursos não se dá diretamente na instância superior, mas sim no órgão judicial prolator da decisão recorrida, junto do qual esses recursos são processados um certo tempo para posterior remessa ao tribunal competente. É o caso da apelação, cuja interposição deve ser feita no órgão sentenciante, ao qual caberá conhecer primeiro do recurso, declarar-lhe os efeitos, intimar o apelado para que ofereça as suas contrarrazões e aguardá-las no prazo legal para, depois, ordenar a subida dos autos ao tribunal (arts. 513 e 518). Pela forma de processamento de muitos recursos, é fácil ver que os órgãos judiciais de que partiram as decisões impugnadas possuem uma espécie de competência voltada ao trâmite recursal em uma primeira fase, durante a qual permanecerão em poder dos autos. Portanto, pelos critérios da eficiência e da celeridade do serviço judiciário, nada mais coerente do que reconhecer em favor desses órgãos recorridos a mesma competência residual para decidir pedidos cautelares formulados no período que medeia a interposição do recurso e a subida dos autos à instância superior. Registre-se que essa não era a orientação de OVÍDIO BAPTISTA. Para o emérito escritor, “se o recurso interposto ainda estiver sendo processo no juízo a quo, o requerente da medida cautelar deverá instruir o pedido com cópias dos documentos existentes nos autos, considerados indispensáveis, para que o relator do incidente possa contar com elementos que o capacitem a decidir.” Se antes da Lei 10.444/2.002 o entendimento que manifestamos era razoável, agora com mais razão. Ao introduzir o § 7º no artigo 273, a referida lei autorizou o juiz a deferir a medida cautelar em caráter incidental no processo principal e sem o manejo da ação cautelar, bastando um requerimento fundamentado ao órgão processante da causa. Diante dessa previsão legal, não há sentido em requerer a medida cautelar diretamente ao tribunal enquanto os autos do processo principal permanecerem na instância inferior. Em casos tais, para atender à eficiência e à celeridade que proclamamos, deve-se reconhecer ao órgão inferior a competência para decidir o pedido cautelar incidental, cujo resultado será dado mediante decisão interlocutória agravável por instrumento na forma dos artigos 522 e seguintes. Outro aspecto justificador dessa competência residual tange ao cumprimento da medida cautelar. Deferida pelo juízo inferior, a medida cautelar tende a ser efetivada com maior rapidez e menores embaraços, assim como ocorre com os alimentos provisionais, os quais devem ser requeridos em primeira instância ainda que o processo principal penda de recurso no tribunal (art. 853). Enfim, sempre vimos no parágrafo único do artigo 800 uma regra excepcional e por isso, sempre que possível, deve-se prestigiar a competência do juiz da causa.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
1. MACIEL, Daniel Baggio. Processo Cautelar. São Paulo: Editora Boreal, 2012.
2. SILVA, Ovídio de Araújo Baptista da. Do Processo Cautelar. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2001.
(*) Nosso entendimento está de acordo com a Súmula 635 do Supremo Tribunal Federal, segundo a qual: “Cabe ao Presidente do Tribunal de origem decidir pedido de medida cautelar em recurso extraordinário ainda pendente do seu juízo de admissibilidade.”
(*) Acolhendo as ponderações feitas neste artigo, confira-se o pronunciamento monocrático emitido pelo Desembargador Relator SARAIVA SOBRINHO na Apelação Cível 2010.014003-7, do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul.

segunda-feira, 6 de julho de 2009

CONSIDERAÇÕES À LEGÍTIMA DEFESA CIVIL

Atualmente, o direito não mais reconhece a autotutela como forma legítima de solução dos conflitos de interesses, ao menos em regra. Havendo resistência de alguém à pretensão manifestada por outrem, normalmente deve-se recorrer ao Estado para que este, pelo Judiciário, promova o acertamento, a satisfatividade ou a proteção provisória do direito afirmado pelo litigante em processo judicial adequado. Contudo, sabe-se que o Estado não se trata de um organismo onipresente e que a ausência dele em determinados momentos do cotidiano pode permitir lesão a direito de outrem. Por essa razão, em determinadas situações o próprio ordenamento jurídico defere à pessoa a faculdade de afastar agressão ou ameaça de lesão mediante o uso da força, se necessário for, como ocorre nos casos de legítima defesa. Muito embora a lei civil não defina a legítima defesa, nada impede que se busque conceituá-la a partir dos requisitos que são traçados pela lei penal. Essa, aliás, a recomendação feita pela doutrina de RUI STOCO (2001, p. 134), que vê a legítima defesa como um direito do particular de repelir agressão injusta, atual ou iminente, contra direito seu ou de outrem, mediante recurso a medida de cunho defensivo (CP, art. 25). Evidentemente, não é considerada legítima defesa qualquer espécie de resposta a comportamento de outrem. Para se reconhecer essa excludente da responsabilidade civil como manifestação de um ato lícito é imprescindível que a iniciativa da agressão parta da outra pessoa, sem que o agente a tenha provocado anteriormente. É imperioso também que a agressão seja “atual ou iminente”, isto é, que esteja ocorrendo ou prestes a se desencadear. A agressão já cessada não justifica a defesa. Além disso, a reação defensiva tem que ser “proporcional” à agressão sofrida e não exceder os limites do “necessário” para afastar o mal, pois, caso contrário, haverá excesso punível e os danos praticados em excesso doloso ou culposo na legítima defesa tornam-se indenizáveis. Diz o Código Civil que os atos praticados em legítima defesa não constituem ato ilícito (art. 188, I). Deste modo, o dano causado pelo agente que estiver acobertado por esta causa de isenção não será indenizável, conforme leciona CARLOS ROBERTO GONÇALVES (Responsabilidade Civil, Saraiva, 1994, p. 483-484), aplaudido por RUI STOCO (Tratado, Revista dos Tribunais, 2001, p. 135). Deste pensamento diverge parcialmente SÍLVIO ROGRIGUES (Curso de Direito Civil, Saraiva, 1989, p. 257) e com razão. Para este civilista, a legítima defesa constitui causa eficaz de exclusão da responsabilidade apenas quando o lesado é “o autor da agressão injusta”. Nessa linha de raciocínio, se "um terceiro" for atingido pela reação defensiva do agente, este último ficará obrigado a reparar os danos que causar, configurando-se perfeitamente a sua responsabilidade civil. É a chamada “aberratio ictus” ou o desvio na execução do golpe que, assim, vem a atingir terceira pessoa, como ocorreu no caso relatado pelo Desembargador RONALD VALLADARES, da 6ª Câmara do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, cujo acórdão foi assim ementado (AC 9.443/98, de 16.03.1999, Boletim AASP 2.149, p. 265): “O ato praticado em legítima defesa obriga a reparação em relação a terceiro não participante do fato que motiva a repulsa legalmente autorizada. O Estado, incumbido da segurança pública no meio-social, responde, objetivamente, pelos atos dos seus servidores que colocam em risco a incolumidade das pessoas em lugares públicos, quando, por qualquer motivo, não sejam executados com a perfeição necessária e causem prejuízos financeiros a terceiros, vítimas inocentes, que deveriam estar sob o seu poder de proteção.”
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REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA:
1. MACIEL, Daniel Baggio. Responsabilidade patrimonial do Estado pela Atividade Jurisdicional. São Paulo: Editora Boreal, 2006.

terça-feira, 30 de junho de 2009

CASO FORTUITO E FORÇA MAIOR: HÁ DIFERENÇA ENTRE ELES?

Existem certos fatos capazes de influenciar alguns acontecimentos da vida e que extinguem o nexo causal indispensável para que se estabeleça a obrigação de reparar o dano experimentado pela vítima. Dentre esses eventos encontram-se o caso fortuito e a força maior, que se verificam “no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir”, conforme o artigo 393 do Código Civil. Como se observa da redação desse dispositivo legal, o legislador não se preocupou em distinguir o caso fortuito da força maior, apontando, no entanto, a mesma consequência jurídica para ambos: a exclusão da responsabilidade patrimonial pelos prejuízos que resultarem deles. É por essa razão que parte da doutrina insiste que não há diferença alguma entre essas excludentes da responsabilidade civil, já que seus efeitos são idênticos. Essa é a opinião de MELO DA SILVA. Contudo, há escritores que sustentam haver distinções significativas entre essas duas causas capazes de romper o nexo causal. Na opinião de CAIO MÁRIO, “em pura doutrina distinguem-se estes eventos dizendo que o caso fortuito é o acontecimento natural, derivado das forças da natureza ou o fato das coisas, como o raio, a inundação, o terremoto ou o temporal. Na força maior há sempre um elemento humano, a ação das autoridades (factum principis), como a revolução, o furto ou roubo, o assalto ou, noutro gênero, a desapropriação.” Dessas conceituações diverge MARIA HELENA DINIZ ao afirmar que na "força maior a causa do dano é sempre conhecida porque decorre de um fato da natureza, ao passo que no caso fortuito o acidente advém de uma causa desconhecida ou de algum comportamento de terceiro que, sendo absoluto, acarreta a extinção das obrigações, salvo se as partes convencionaram o pagamento de alguma indenização ou se a lei estabelecer esse dever, nos casos de responsabilidade objetiva." De qualquer modo, importante mesmo é que o caso fortuito e a força maior são acontecimentos inevitáveis, que eliminam a relação de causalidade entre o prejuízo experimentado pela vítima e a conduta do suposto agente. Ordinariamente, ocorrendo um ou outro, não haverá o dever de reparar os prejuízos daí resultantes, exceto se houver contratação garantindo a indenização nessas situações ou se a lei expressamente mencionar apenas um deles, tal qual ocorre nos artigos 737 e 936 do Código Civil, que tratam da responsabilidade do transportador de pessoas e do dono ou detentor de animal, respectivamente. Nos eventos regidos por esses dois dispositivos legais, apenas a força maior funciona como excludente da responsabilidade.
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1. DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2006.
2. MELO DA SILVA, Wilson. Responsabilidade sem culpa. São Paulo: Saraiva, 1974.
3. SILVA PEREIRA, Caio Mário. Instituições de Direito Civil. Rio de Janeiro: Editora Forense, 1999.
4. MACIEL, Daniel Baggio. Caso fortuito e força maior: há diferença entre eles? Araçatuba: Página eletrônica Isto é Direito. Junho de 2009.

sábado, 20 de junho de 2009

RESPONSABILIDADE DO ESTADO POR CONDUTAS DO JUIZ

Tema relativamente controvertido é a existência de responsabilidade do Estado pelas falhas funcionais do juiz, disciplinadas no artigo 133 do Código de Processo Civil. De um lado encontram-se doutrinadores que entendem não haver responsabilidade para o Estado quando o juiz causar dano ao jurisdicionado, por uma das formas previstas no mencionado dispositivo legal. Perfilhando desse mesmo entendimento, a jurisprudência que se formou nos tribunais pátrios, de 1950 a 1980, era dominante no sentido de que o Estado não responde por atos do Poder Judiciário, como se vê de acórdão assim ementado (RT, 259:127): "A responsabilidade do Estado se restringe aos danos causados por funcionários administrativos, nessa qualidade, a terceiros; não responde o Estado por possíveis danos, oriundos de decisões ou atos judiciais errados, segundo a doutrina já aceita e consagrada pela jurisprudência dos tribunais." Contudo, de outro lado posicionam-se aqueles que enxergam responsabilidade solidária do Estado pelos atos lesivos e ilícitos praticados pelo juiz. Este é o pensamento de HELY LOPES MEIRELLES (1992, p. 562) e de MARIA HELENA DINIZ (2002, p. 561). Muito embora o Código de Processo Civil tenha estabelecido a responsabilidade civil do juiz nos casos de dolo ou fraude no exercício das suas funções, assim também de recusa, omissão ou retardamento de providência que deva determinar de ofício ou a requerimento da parte, isso não significa que o Estado não possa ser responsabilizado nestas situações. O mesmo se diga em relação possíveis falhas do magistrado de que trata o artigo 1744, incisos I e II, do Código Civil. Como já demonstramos mais de uma vez, o juiz é um agente estatal que pode comprometer o Poder Público com suas ações e omissões, dolosas ou culposas. Além disso, a Constituição Federal prevê expressamente, no parágrafo 6º do artigo 37, que as pessoas jurídicas de direito público respondem pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros. Portanto, se o juiz é um agente estatal que pode, nessa qualidade, causar dano ao jurisdicionado, não há razão jurídica para eximir o Estado do dever de reparar o dano. Seja pela supremacia da Constituição Federal em relação ao Código de Processo Civil, seja pela própria dicção do artigo 133 da Lei do Ritos, nada faz crer que o Estado está imune à responsabilidade que tem perante os jurisdicionados, em razão do exercício da atividade jurisdicional. É certo que a indenização paga pelo Poder Público ao particular, em razão de ilícito praticado pelo juiz, pode ser exigida em ação regressiva, como, ademais, prevê a parte final do referido parágrafo 6º. Além disso, importa lembrar que, nas hipóteses do artigo 133 do Código de Processo Civil, o jurisdicionado tem o direito de exigir a indenização diretamente do magistrado que lhe causou o dano ou, alternativamente, do Estado, que tem responsabilidade pelo comportamento lesivo do seu agente. Muito embora existam vários entraves ao recebimento de indenizações do Estado, a exemplo do precatório exigido pelo artigo 100 da Constituição Federal, a sua solvabilidade é sempre certa, ao contrário do juiz, que nem sempre reúne condições financeiras para indenizar o lesado pelos danos que causar nas hipóteses comentadas. Por isso, o jurisdicionado poderá preferir propor a ação reparatória contra o Estado, ao qual caberá indenizar o dano e voltar-se contra o magistrado, se entender que este agiu com dolo ou culpa (CPC, art. 133, I e II). Contudo, se direcionar a demanda contra o juiz, o particular ficará incumbido de provar a conduta dolosa ou fraudulenta do magistrado, ou ainda a recusa, a omissão ou o retardamento de providência que o juiz deveria determinar, assim como os demais pressupostos gerais da responsabilidade civil examinados na nossa obra literária.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
1. MACIEL. Daniel Baggio. Responsabilidade patrimonial do Estado pela atividade jurisdicional. Editora Boreal, 2006.
2. MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 1992.
3. DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2002.

domingo, 7 de junho de 2009

AÇÃO DE EXIBIÇÃO DE DOCUMENTO: SATISFATIVA OU CAUTELAR?

No inciso II do artigo 844 da Lei dos Ritos está prevista a medida de exibição de documento, próprio ou comum, em poder de co-interessado, sócio, condômino, credor ou devedor; ou em poder de terceiro que o tenha em sua guarda, como inventariante, testamenteiro, depositário ou administrador de bens alheios. Em cima das lições de PAOLO GUIDE, OVÍDIO BAPTISTA conceitua documento como “todo objeto corporal, produto da atividade humana que, através da percepção de algum sinal impresso em si, ou pela luz ou pelo som que possa produzir, seja capaz de representar, de modo permanente, um fato existente fora do seu conteúdo.” Portanto, além das tradicionais formas gráficas de representação, também são considerados documentos as fotografias, as gravações realizadas em fitas eletromagnéticas ou em dispositivos de informática aptos para o armazenamento de dados, enfim, qualquer objeto que possa conter impressões duradouras capazes de representar algum fato. Entende-se por “documento próprio” aquele que pertence ao requerente da medida. "Documento comum" não é somente aquele do qual o requerente da exibição é condômino, mas também aquele que representa uma relação jurídica entre ele e o réu ou entre uma das partes e terceiro. Portanto, em lugar da expressão "documento comum", o Código deveria ter mencionado “documento cujo conteúdo é de interesse comum” do postulante da medida. De todo modo, quando o inciso II disciplinou a exibição de documento próprio ou comum, ele acabou elencando um grande número de pessoas que podem estar em poder do objeto corpóreo a ser exibido. Assim é que ele aponta, a título de exemplo, o co-interessado, sócio, condômino, credor, devedor, inventariante, testamenteiro, depositário ou administrador de bens alheios. Logo, o fato de o documento estar em poder de algum sujeito olvidado pelo inciso II não exclui, por si só, a possibilidade do uso da ação exibitória. Com efeito, o grande problema do inciso II do artigo 844 é que ele não distinguiu a “ação cautelar de exibição de documento” das demais “ações processuais” capazes de veicular uma pretensão exibitória satisfativa e, inadvertidamente, acabou transmitindo a impressão de que todas elas têm lugar como procedimento preparatório. Ora, se o documento a ser exibido pertence ao requerente, a ação processual utilizada unicamente para vistoriá-lo tende a ser de “conhecimento e satisfativa”, até porque, neste caso, a causa de pedir exposta pelo autor é justamente a propriedade exclusiva ou condominial da coisa corpórea a que ele pretende ter acesso. Logo, se o autor apenas almeja ter o contato visual com o documento que ele demonstra ser seu, certamente a ação processual correspondente não é preparatória e, tampouco, cautelar. Tanto é assim que, examinado o documento, o autor não precisará ajuizar qualquer outra ação sucessiva, afinal, a tutela exibitória já haverá satisfeito plenamente o direito material afirmado. Diferentemente da ação de conhecimento de exibição de documento, a “ação cautelar exibitória” é sempre manejável com a finalidade de assegurar prova útil a um futuro processo principal e, justamente por isso, ela deve ser intentada em caráter preparatório, ou melhor, antes da instauração do processo principal em que essa prova será efetivamente produzida. A propósito dessa diferenciação, THEODORO JÚNIOR enfatiza que a ação cautelar exibitória apenas visa a obter elementos de fato que se destinam a instruir o futuro processo principal, sem se preocupar com a maior ou menor razão daquele que dela se vale e sem ter um objetivo a exaurir em si mesma.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
1. MACIEL, Daniel Baggio. Processo Cautelar. São Paulo: Editora Boreal, 2012.
2. SILVA, Ovídio Araújo Baptista da. Do processo cautelar. 3ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 367.
3. THEODORO JÚNIOR, Humberto. Processo Cautelar. 16ª edição. São Paulo: Leud, 1.995, p. 291.
(*) Estabelece o § 810 do Código Civil da Alemanha: “Quem tiver interesse jurídico no fato de examinar um documento que se acha na posse de um estranho, poderá exigir, do possuidor, permissão para o exame, quando o documento houver sido outorgado no seu interesse, ou, no documento, estiver registrada uma relação jurídica existente entre ele e um outro, ou quando o documento contiver, sobre um negócio jurídico, condições que foram tratadas entre ele e um outro, ou entre um dos dois e um intermediário comum.”

sexta-feira, 10 de abril de 2009

LEGITIMADOS PARA AÇÃO CAUTELAR DE PRODUÇÃO ANTECIPADA DE PROVAS

A ação de asseguração de provas (CPC, arts. 846 a 851) pode ser ajuizada por todos aqueles que têm legitimação ativa ou passiva para a ação principal. Portanto, o autor da ação cautelar relacionada à tutela emergencial da prova não é necessariamente aquele que figurará como autor da futura ação principal, afinal, tanto ele como o réu podem ter interesse em preservar provas importantes para a resolução da demanda satisfativa. O mesmo se diga quando a aceleração da prova for postulada no curso do processo de conhecimento. A possibilidade de a asseguração de provas ser requerida pelo autor ou pelo réu da futura ação principal também se explica pelo simples fato de que a prova é um ônus e um direito de todos aqueles que têm legitimação ad causam para a demanda satisfativa. A propósito, vale recordar que o artigo 333 distribui o ônus da prova entre as partes do processo e estabelece que incumbe ao autor o ônus de demonstrar os fatos constitutivos do direito alegado. Neste mesmo dispositivo legal, ainda há a previsão de que pertence ao réu o ônus da prova dos fatos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito afirmado pelo autor. Além daqueles que possuem legitimação para demandar ou para serem demandados na ação principal, também pode ocorrer de um terceiro requerer a asseguração da prova mediante ação cautelar. Para tanto, ele também deverá evidenciar o risco a que está sujeita a prova almejada, o seu presumível direito à obtenção dela e o interesse jurídico no acertamento da lide principal. Exemplo clássico da asseguração pretendida por terceiro é o da seguradora que requer a realização de perícia no veículo segurado para proteger a prova dos danos causados em decorrência de um acidente de trânsito. Pode ocorrer, e não raro acontece, de a seguradora recear que terceiro ajuíze a ação indenizatória contra o segurado e que este promova a denunciação da lide em relação à empresa que, em virtude do contrato, está obrigada a ressarcir regressivamente o prejuízo experimentado pelo contratante (art. 70, III). Daí o interesse jurídico dela em preservar a prova dos danos.
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REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA:
1. MACIEL, Daniel Baggio. Processo Cautelar. São Paulo: Editora Boreal, 2012.

domingo, 29 de março de 2009

A INDENIZAÇÃO DO DANO MORAL INDIVIDUAL NO BRASIL

Conforme assinala STOCO, a compensação do dano moral é tema bastante controvertido em doutrina e jurisprudência. Um dos motivos que levam ao debate acirrado sobre o assunto é a dificuldade de dosar as indenizações em casos tais, porque aqui não há como reconduzir a vítima ao estado anterior de coisas mediante o pagamento de uma determinada soma em dinheiro matematicamente aferível. Pela via da indenização monetária, objetiva-se apenas atenuar as consequências psicológicas amargadas pelo lesado, sem, contudo, restaurar completamente a mesma situação de ânimo em que ele se encontrava antes da lesão. Daí decorre, inevitavelmente, a seguinte pergunta: que valor é suficiente e eficaz para tanto? Quando se cuida de indenizar esta espécie de dano, o julgador ingressa num terreno de difícil trânsito, porque o efeito moral da lesão normalmente é de difícil avaliação e oscila em cada caso conforme as suas circunstâncias. Esta é a razão da existência de decisões judiciais aparentemente contrastantes em casos que guardam semelhanças, mas que expressam, na verdade, que a quantificação do dano moral não pode ficar reclusa a balizas pouco flexíveis impostas pela lei, sob pena de flagrantes injustiças, afinal, a mínima modificação no fato pode gerar grande diversidade no direito. Ao tratar do dano moral no caso concreto, deve o magistrado, antes de tudo, ter em mente a natureza da indenização a ser arbitrada, isto é, conhecer bem quais são as suas finalidades originais. Em segundo lugar, deve investigar todas as circunstâncias da lesão e os seus efeitos. Também é imperioso que considere dados essenciais a respeito do ofensor e do ofendido e sempre pautar suas decisões dentro de um critério de razoabilidade. A indenização do dano moral tem caráter dúplice, isto é, compensatório e punitivo. Compensatório porque tem o propósito de abrandar as consequências psíquicas causadas pela lesão, possibilitando que a vítima tenha acesso a determinados bens da vida que lhe tragam satisfação, mediante o uso da quantia recebida na ação judicial, que não pode, contudo, ser fonte de enriquecimento ilícito. Punitivo porque a quantia arbitrada deve ter um efeito aflitivo sobre o ofensor a fim de sancioná-lo pelo dano causado. Do mesmo modo, fixando-se indenização que implique a prudente diminuição do seu patrimônio, procura-se também desestimular a recidiva. Isso não significa, contudo, que se deva exorbitar a punição do agente, a ponto de identificá-la com os padrões americanos dos "punitive damages" (indenizações punitivas). Atento à natureza dúplice da indenização, o magistrado deve seguir as demais orientações fornecidas pela doutrina, grande parte delas alinhadas DINIZ (2002, p.92) para obter homogeneidade na avaliação do dano moral. Resumidamente, eis as recomendações a serem observadas pelo juiz: a) a quantia arbitrada não pode ser tão ínfima que possa aviltar a reparação, desvirtuando a sua finalidade; b) não poderá, entretanto, servir como fonte de enriquecimento sem causa para os lesados; c) não aceitar tarifação, porque esta implica despersonalização da indenização; d) equacionar o valor de acordo com a espécie de lesão, a sua extensão e gravidade; e) investigar a repercussão pública provocada pelo evento lesivo e as suas circunstâncias; f) verificar os benefícios eventualmente obtidos pelo agente, o seu posicionamento ulterior diante da vítima e a sua situação econômica; g) verificar a intensidade do dolo ou da culpa do ofensor; h) analisar a pessoa da vítima, verificando o seu estado de ânimo após a lesão, a sua posição social, política, profissional e seu grau de instrução escolar; i) pesquisar a jurisprudência e harmonizar a indenização àquelas arbitradas em casos semelhantes; j) evitar estabelecer presunções precipitadas, fundamentando-se em prova robusta do dano; l) utilizar-se da prudência e da razoabilidade no caso “sub judice”, levando em conta o contexto econômico do país.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
1. STOCO, Rui. Tratado de Responsabilidade Civil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001.
2. PINHEIRO MARÇAL. Sérgio. A respeito da teoria do valor desestímulo e os “punitive damages” nos Estados Unidos, confira-se artigo de Sérgio Pinheiro Marçal, do Pinheiro Neto Advogados, publicado no Boletim do 3o RTD, de São Paulo, setembro/97, número 126.
3. DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil. São Paulo: Editora Saraiva, 2002.
4. MACIEL, Daniel Baggio. Responsabilidade do Estado pela Atividade Jurisdicional. São Paulo: Editora Boreal, 2006.

ALGUMAS ESPÉCIES DE BUSCA E APREENSÃO

Embora o Livro III do Código discipline a medida e o procedimento de busca e apreensão, nem todas as medidas jurisdicionais assim intituladas são dotadas de cautelaridade. Em verdade, o direito brasileiro prevê várias providências judiciais com essa nomenclatura, mas nem todas elas visam à mera asseguração de um direito provável contra o estado de perigo. Por essa razão é que, não raramente, alguns operadores do Direito incorrem em erro ao tratá-las todas como se cautelares fossem e as postulam, indiscriminadamente, sob os fundamentos do "fumus boni iuris" e do "periculum in mora". À guisa de exemplo, certa vez tivemos a oportunidade de contestar uma ação de busca e apreensão intentada como demanda cautelar por uma mãe para reaver a filha menor que estava temporariamente sob os cuidados de uma vizinha. A menor, severamente castigada pela genitora, empreendeu fuga e alojou-se emergencialmente na residência da nossa assistida, que prestou abrigo à adolescente em situação de risco. Considerando que a mãe estava regularmente investida na guarda, a busca e apreensão almejada não objetivava apenas tutelar temporariamente um direito supostamente afetado pelo risco de dano irreparável ou de difícil reparação, mas sim satisfazer plena e definitivamente a pretensão da genitora de ter a filha menor em sua companhia. Nada obstante, a demanda foi inadvertidamente proposta como cautelar e, com o advento da ordem judicial para a emenda à petição inicial, a autora informou que se tratava de uma "ação cautelar satisfativa" de busca e apreensão, afinal, ela não vislumbrou a necessidade nem a existência de qualquer outra ação processual sucessiva. Com efeito, o primeiro equívoco da requerente consistiu em ajuizar uma ação cautelar de busca e apreensão porque o provimento judicial pretendido iria muito além de simplesmente assegurar um provável direito da mãe sobre a menor. Na verdade, cumprida a busca e apreensão, restaria satisfeito permanentemente para a requerente o seu direito material de ter a filha consigo. Portanto, a ação processual adequada era de conhecimento, não cautelar. O segundo engano foi o de supor a existência de uma medida cautelar satisfativa de busca e apreensão. Ora, se é cautelar não pode ser satisfativa e vice-versa. Tampouco a liminar de busca e apreensão pretendida pela autora possuía cautelaridade, ademais, ela realizaria antecipada e provisoriamente a pretensão deduzida na inicial. Tratava-se, pois, de medida antecipatória subordinada aos requisitos delineados pelo artigo 273 do Código de Processo Civil, enfim, do que comumente se denomina de antecipação de tutela. Com efeito, nenhuma impropriedade haveria se a genitora houve ajuizado uma ação de conhecimento de busca e apreensão com pedido de liminar antecipatória, apontando o procedimento cautelar previsto no Livro III para fazer processar a causa. Isso porque o emprego do rito cautelar para o processo de conhecimento não tem o condão de alterar-lhe a natureza, que permanece cognitiva, e tampouco é capaz de modificar a índole da busca e apreensão, que se conserva satisfativa. A principal utilidade dessa prática processual é acrescer velocidade ao processo de conhecimento que objetiva a busca e apreensão, afinal, o rito cautelar é especial e permite alcançar a fase decisória em menor tempo do que o procedimento ordinário. Trazendo à luz esses mesmos fundamentos, OVÍDIO BAPTISTA revela sua inclinação por esse posicionamento dizendo que: “No que respeita à ação de busca e apreensão de incapazes, de natureza satisfativa e definitiva, Theodoro Júnior (Comentários 276) é de opinião que ela se deva processar como procedimento ordinário, ‘como ação de cognição’. Seu ponto de vista é respeitável. Temos a maior simpatia, porém, pela solução oposta, qual seja, a de dar às demandas de busca e apreensão de incapazes, mesmo quando satisfativas, o rito desta Seção, ao invés de processá-las como demandas de procedimento ordinário”. GARRIDO DE PAULA também compartilha desse entendimento e ensina que: “Seja tutela preventiva ou satisfativa, o procedimento para a obtenção da providência segue os parâmetros indicados nos artigos 839 a 843, importando procedimento especial que, em caso de lacuna, é integrado pelas disposições gerais dos artigos 796 a 812 do CPC.” (1) Também não refutamos o parecer de THEODORO JÚNIOR sobre o tema, porém, não vislumbramos óbice algum em fazer as demandas de busca e apreensão de incapazes serem processadas segundo o procedimento especial regulado a partir do artigo 839, independentemente delas ostentarem índole cautelar ou satisfativa. Entretanto, que não se confundam as noções de ação processual, de medida jurisdicional, de processo judicial e de procedimento! Enfim, tudo o que escrevemos até aqui tem a finalidade de demonstrar que nem toda busca e apreensão é cautelar, ao contrário do que muitos imaginam quando se deparam com a Seção IV do Livro III. Quando a ação processual intentada almejar a busca e apreensão de incapaz irregularmente em poder de terceiro, a demanda é satisfativa. Conseqüentemente, a ação e o processo são de conhecimento, não cautelares. Outro caso corriqueiro em que a ação de busca e apreensão é cognitiva e satisfativa é o do pai divorciado que, após a regulamentação judicial da guarda em favor da esposa, retira o filho menor do lar materno para visitação e o retém indevidamente além do período destinado a esses encontros. Buscado e apreendido o filho menor, o direito material da mãe ficará definitivamente satisfeito, não apenas assegurado por um certo tempo. Contudo, diferente é a situação em que se encontram os pais, casados ou não, quando ainda não houve a definição judicial da guarda do filho menor em favor de um deles. Como ambos possuem o mesmo direito material em relação ao descendente, qualquer ação de busca e apreensão que um ajuíze contra o outro só pode possuir natureza cautelar e deve firmar-se nos pressupostos do "fumus boni iuris" e do "periculum in mora", afinal, aqui não se pode imaginar satisfazer definitivamente a pretensão de um genitor em detrimento do outro, que possui idêntico direito. Como ação genuinamente cautelar, ela gera para o requerente o ônus de propor a ação principal. Por isso é que THEODORO JÚNIOR só reconhece cautelaridade na busca e apreensão quando ela serve “à atuação de outras medidas cautelares ou quando por si só desempenha a função de assegurar o estado de fato necessário à útil e eficiente atuação do processo principal, diante do perigo na demora”, vale dizer, quando ela não tende à realização concreta e definitiva de um direito do requerente sobre a pessoa ou a coisa objeto da providência judicial. (2) Finalmente, é satisfativa e autônoma a ação de busca e apreensão de bem objeto de alienação fiduciária em garantia regulada pelo Decreto-lei 911/1.969. Conhecida como ação de retomada, essa busca e apreensão, tão comum no meio forense, tem a finalidade de reaver o bem cuja aquisição foi proporcionada pelo mútuo contratado com agente financeiro, que reservou para si o direito de propriedade da coisa financiada. O tomador do mútuo que descumprir a obrigação de pagar as prestações ajustadas pode ser demandado na ação de busca e apreensão e perder definitivamente a posse direta do bem. Nessas condições, não é difícil ver que a autonomia e a satisfatividade dessa ação processual tornam desnecessário instaurar qualquer outro procedimento posterior, aliás, conforme assinalado textualmente no § 8º do artigo 3º do referido Decreto-lei.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
1. MACIEL, Daniel Baggio. Processo Cautelar. São Paulo: Editora Boreal, 2012.
2, SILVA, Ovídio Araújo Baptista da. Do Processo Cautelar. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2001.
3. GARRIDO DE PAULA. CPC Comentado. Coordenador Antonio Carlos Marcato. São Paulo: Editora Atlas, 2008.
4. THEODORO JÚNIOR. Processo Cautelar. São Paulo: Editora Leud, 1995.

domingo, 22 de março de 2009

FINALIDADE DA AÇÃO CAUTELAR DE PRODUÇÃO ANTECIPADA DE PROVAS

A ação cautelar denominada impropriamente de produção antecipada de provas visa a preservar o direito que a parte titulariza de demonstrar, no futuro processo principal, fatos constitutivos, impeditivos ou modificativos que ela tenderá a afirmar na sucessiva demanda cognitiva ou executiva. Em outras palavras, o que se coloca sob a tutela jurisdicional do Estado na ação de asseguração de provas é o direito provável à prova de fato determinado, quando esse direito se achar ameaçado por alguma circunstância episódica capaz de dificultar ou impedir a produção dela no momento apropriado. Seja pela análise da legislação material ou pela compreensão da lei processual, não é difícil perceber que as partes no processo titularizam um genuíno direito à prova, afinal, se elas possuem o ônus de provar fatos (CPC, art. 333), a essa incumbência legal só pode corresponder algum direito. Portanto, a finalidade da ação cautelar prevista nos artigos 846 e seguintes da Lei dos Ritos é a segurança do direito à prova, o que se alcança, na prática, com a obtenção emergencial do elemento de convicção que estiver em estado de perigo. Para tanto, deverá ser documentado o interrogatório da parte, a inquirição de testemunhas ou o exame pericial, evitando, com isso, o desaparecimento de dados ou informações úteis ao justo acertamento do conflito no processo principal. Entretanto, como adverte THEODORO JÚNIOR, “a coleta de depoimentos ou a realização de laudos periciais em procedimentos cautelares antecipatórios não muda a natureza da prova realmente feita, transformando-os em prova documental. Os depoimentos continuarão sendo prova oral e o exame continuará sendo prova pericial." Considerando que a asseguração de provas possui natureza exclusivamente cautelar, o deferimento dessa medida jurisdicional no caso concreto fica na dependência da demonstração da existência dos pressupostos legais de concessão das tutelas de mera segurança, quais sejam, o "fumus boni iuris" e o "periculum damnun irreparabile". Por essa razão, aquele que manejar a ação cautelar antecedente deverá evidenciar o seu direito provável à prova e as circunstâncias que justificam o receio de ser tornar embaraçosa a futura produção dela. Para justificar o direito provável à prova, basta que o requerente da asseguração mencione com precisão o fato jurídico sobre o qual ela recairá e evidencie a relevância dela para o futuro e eventual processo principal em que o postulante da medida será parte. De outro lado, para demonstrar o fundado temor de se tornar difícil ou impossível a produção da prova na fase processual oportuna, o requerente da medida deverá expor o risco a que ela está sujeita e a necessidade da asseguração emergencial. Embora essa medida jurisdicional tutele o direito da parte à prova, não se pode deixar de reconhecer nela uma utilidade transcedental, qual seja, o justo acertamento do conflito de interesses sobre o qual recairá o processo principal. Nas palavras de THEODORO JÚNIOR, “como a finalidade do processo é a justa composição do litígio e esta só é satisfeita mediante a descoberta da verdade, a medida que vise a tutelar a comprovação antecipada da verdade serve indubitavelmente mais ao processo que propriamente ao interesse ou ao direito subjetivo da parte.”
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
1. MACIEL, Daniel Baggio. Processo Cautelar. São Paulo: Editora Boreal, 2012.
2. THEODORO JÚNIOR, Humberto. Processo Cautelar. São Paulo: Editora Leud, 1995.

domingo, 15 de março de 2009

ESPÉCIES DE EXIBIÇÃO DE DOCUMENTOS

A doutrina brasileira reconhece três espécies de pedidos de exibição: a exibição como objeto de ação cautelar antecedente, a exibição como objeto de ação cognitiva satisfativa e a exibição incidental com finalidade probatória no processo de conhecimento. A "ação cautelar antecedente de exibição" sempre se baseia na necessidade de preservação emergencial do documento ou da coisa que se encontre em estado de perigo, para que seja possível instruir o futuro processo principal. Diferentemente, a "ação autônoma cognitiva de exibição" advém de uma relação jurídica que gera para o requerente da medida o direito material de conhecer o documento ou a coisa cuja apresentação é almejada. Por essa razão, esta ação processual revela um nítido caráter satisfativo que lhe retira todo e qualquer resquício de cautelaridade, mesmo que o documento mostrado pelo requerido possa ser utilizado como meio de prova em outro processo judicial. Por sua vez, a "exibição incidental probatória" nunca decorre de uma ação cautelar ou cognitiva satisfativa, mas sim do poder instrutório do qual está investido o juiz e que lhe autoriza ordenar, no curso do processo de conhecimento, a apresentação de documento importante para a prova de algum fato jurídico relacionado à lide. Por essa razão, a exibição incidental probatória pode ser determinada de ofício ou a requerimento da parte que demonstrar legítimo interesse na produção da prova documental.
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REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA:
1. MACIEL, Daniel Baggio. Processo Cautelar. São Paulo: Editora Boreal, 2012.