domingo, 7 de junho de 2009

AÇÃO DE EXIBIÇÃO DE DOCUMENTO: SATISFATIVA OU CAUTELAR?

No inciso II do artigo 844 da Lei dos Ritos está prevista a medida de exibição de documento, próprio ou comum, em poder de co-interessado, sócio, condômino, credor ou devedor; ou em poder de terceiro que o tenha em sua guarda, como inventariante, testamenteiro, depositário ou administrador de bens alheios. Em cima das lições de PAOLO GUIDE, OVÍDIO BAPTISTA conceitua documento como “todo objeto corporal, produto da atividade humana que, através da percepção de algum sinal impresso em si, ou pela luz ou pelo som que possa produzir, seja capaz de representar, de modo permanente, um fato existente fora do seu conteúdo.” Portanto, além das tradicionais formas gráficas de representação, também são considerados documentos as fotografias, as gravações realizadas em fitas eletromagnéticas ou em dispositivos de informática aptos para o armazenamento de dados, enfim, qualquer objeto que possa conter impressões duradouras capazes de representar algum fato. Entende-se por “documento próprio” aquele que pertence ao requerente da medida. "Documento comum" não é somente aquele do qual o requerente da exibição é condômino, mas também aquele que representa uma relação jurídica entre ele e o réu ou entre uma das partes e terceiro. Portanto, em lugar da expressão "documento comum", o Código deveria ter mencionado “documento cujo conteúdo é de interesse comum” do postulante da medida. De todo modo, quando o inciso II disciplinou a exibição de documento próprio ou comum, ele acabou elencando um grande número de pessoas que podem estar em poder do objeto corpóreo a ser exibido. Assim é que ele aponta, a título de exemplo, o co-interessado, sócio, condômino, credor, devedor, inventariante, testamenteiro, depositário ou administrador de bens alheios. Logo, o fato de o documento estar em poder de algum sujeito olvidado pelo inciso II não exclui, por si só, a possibilidade do uso da ação exibitória. Com efeito, o grande problema do inciso II do artigo 844 é que ele não distinguiu a “ação cautelar de exibição de documento” das demais “ações processuais” capazes de veicular uma pretensão exibitória satisfativa e, inadvertidamente, acabou transmitindo a impressão de que todas elas têm lugar como procedimento preparatório. Ora, se o documento a ser exibido pertence ao requerente, a ação processual utilizada unicamente para vistoriá-lo tende a ser de “conhecimento e satisfativa”, até porque, neste caso, a causa de pedir exposta pelo autor é justamente a propriedade exclusiva ou condominial da coisa corpórea a que ele pretende ter acesso. Logo, se o autor apenas almeja ter o contato visual com o documento que ele demonstra ser seu, certamente a ação processual correspondente não é preparatória e, tampouco, cautelar. Tanto é assim que, examinado o documento, o autor não precisará ajuizar qualquer outra ação sucessiva, afinal, a tutela exibitória já haverá satisfeito plenamente o direito material afirmado. Diferentemente da ação de conhecimento de exibição de documento, a “ação cautelar exibitória” é sempre manejável com a finalidade de assegurar prova útil a um futuro processo principal e, justamente por isso, ela deve ser intentada em caráter preparatório, ou melhor, antes da instauração do processo principal em que essa prova será efetivamente produzida. A propósito dessa diferenciação, THEODORO JÚNIOR enfatiza que a ação cautelar exibitória apenas visa a obter elementos de fato que se destinam a instruir o futuro processo principal, sem se preocupar com a maior ou menor razão daquele que dela se vale e sem ter um objetivo a exaurir em si mesma.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
1. MACIEL, Daniel Baggio. Processo Cautelar. São Paulo: Editora Boreal, 2012.
2. SILVA, Ovídio Araújo Baptista da. Do processo cautelar. 3ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 367.
3. THEODORO JÚNIOR, Humberto. Processo Cautelar. 16ª edição. São Paulo: Leud, 1.995, p. 291.
(*) Estabelece o § 810 do Código Civil da Alemanha: “Quem tiver interesse jurídico no fato de examinar um documento que se acha na posse de um estranho, poderá exigir, do possuidor, permissão para o exame, quando o documento houver sido outorgado no seu interesse, ou, no documento, estiver registrada uma relação jurídica existente entre ele e um outro, ou quando o documento contiver, sobre um negócio jurídico, condições que foram tratadas entre ele e um outro, ou entre um dos dois e um intermediário comum.”

4 comentários:

Priscilla disse...

Muito clara a exposição. Gostei muito!

Bernadette Prazias disse...

Bernadette de Araçatuba -

Procurava material p/um caso e lendo sua exposição percebi a diferença clara entre exibição de documentos e cautelar exibitória.

Excelente.

Maria José disse...

Professor, a respeito do tema tenho um caso prático e gostaria de tirar uma dúvida. Ajuizei ação de exibição de documentos em face de uma instituição financeira. fui vencedora na primeira e segunda instâncias. A decisão transitou em julgado. A execução provisória que corria se transformou em definitiva. Ante a resistência da instituição em apresentar os doctos, foi expedido mandado de busca e apreensão que ainda não foi cumprido. Na hipótese de não serem exibidos os documentos, como fica a instrução da ação principal que se deseja propor para revisão da dívida?

Daniel Baggio Maciel disse...

Prezada Doutora Maria José (comentário acima)
Exceto Theodoro Júnior, os demais escritores concordam que a negativa de exibição do documento objeto da medida cautelar não acarreta a confissão dos fatos que, através eles, se pretendia provar. Aliás, também já se acha sumulado pelo STJ o entendimento de que, em ação cautelar de exibição, não se pode impor astreintes em caso de mora ou negativa de exibição documental (com o que não concordo). No entanto, é tranquilo o entendimento de que, na ação principal, o juiz da causa deve levar em conta a resistência do réu de exibir o documento objeto da demanda cautelar cautelar e que, portanto, essa circunstância deve participar do convencimento do magistrado no momento de sentenciar a ação satisfativa. Enfim, os tribunais só tem aplicado a pena de confissão quando a negativa de exibição ocorre incidentalmente no processo cognitivo, vale dizer, quando a exibição probatória for incidental e decorrer dos poderes instrutórios dos quais o juiz está investido.
Um forte abraço e votos de sucesso!
Prof. Daniel