"No processo deve vencer quem tem razão, mas fazer com que esta prevaleça exige muito conhecimento e a falta deste é fonte de injustiça."
Uma afirmação falsa pronunciada reiteradamente possui um enorme potencial para se tornar verdade aos menos avisados. Uma dessas falácias é a de que o vocábulo “aluno” traduz um indivíduo "sem luz”, propagada com velocidade a partir do fenômeno da internet (“a”= prefixo grego de negação + “lun”= do latim "luminis"). Exceto por alguns escritores mais cautelosos, muitos se limitam a reproduzir essa equivocada noção. Porém, para desfazê-la, é suficiente uma breve incursão em qualquer dicionário mais abalizado e nele perceberemos que, etimologicamente, a literalidade do termo “aluno” significa “lactente” ou “filho adotivo” (do latim "alumnu"= criança que se dá para criar). No sentido metafórico, essa palavra designa alguém que ainda é intelectualmente imaturo, uma espécie de discípulo ou pupilo que precisa ser nutrido culturalmente por um ou mais professores, até alcançar certa autonomia. É desvendando esse pequeno mito que inicio este breve artigo, que se dirige primordialmente a meus colegas professores, mesmo porque não tenho a pretensão de convencer qualquer aluno sobre a propriedade das minhas considerações. Em verdade, o mito que cotidianamente me aflige, em especial no período dos exames de final de ano, é o de que os conhecimentos e as habilidades dos nossos discípulos são mensuráveis exclusivamente segundo um critério matemático empregado nas provas escritas que, invariavelmente, todos nós aplicamos nas faculdades de Direito. Antes que alguém suspeite que sou contrário a esse tipo de exame, adianto-me para reconhecer que ele é absolutamente necessário na nossa área de formação, afinal, as provas escritas costumam desencadear estudos mais ou menos demorados e são instrumentos valiosos para sedimentar conteúdos relevantes para a vida profissional que esses acadêmicos almejam, ainda que eles não a conheçam em profundidade. Em outras palavras, esses resultados normalmente são alcançados não só nos momentos que antecedem essas atividades e naqueles que as sucedem, mas também durante a execução delas, em que os alunos são levados a recordar conceitos, noções, raciocínios e conclusões úteis à resolução dos questionamentos que lhes são apresentados, muitos deles representativos de eventos recorrentes no plano naturalístico. Essa é a primeira de um conjunto de razões pelas quais rejeito, com veemência, o tortuoso ditado segundo o qual “na prática a teoria é outra”. Definitivamente, este é o pior de todos os mitos que rondam a academia de Direito e, a respeito dele, não tenho o menor receio de dizer que o profissional que ousa divulgá-lo sabe pouco ou nada sobre uma coisa e outra. Aliás, se os conhecimentos teóricos sobre o Direito existem para tornar segura a aplicação dele, que é fortemente vocacionada à prevenção e à resolução de litígios, parece-me um tanto imprudente alguém levantar essa bandeira e se lançar a mediar interesses de outrem, sem antes dominar, suficientemente, os conteúdos teóricos relacionados ao caso concreto e seus possíveis desdobramentos. Daí porque me posiciono ao lado daqueles que defendem a necessidade de novas balizas para a graduação em Direito, mas sem que haja a supervalorização da prática em detrimento da teoria, que é seu pressuposto e, para mim, uma espécie de cláusula pétrea da formação jurídica: ela não comporta restrição ou supressão pelo “poder reformador” do Ministério da Educação. Assentadas essas premissas e retornando à inquietação que motivou a construção desse texto, deixo grafado, privativamente para a reflexão dos meus colegas de várias universidades, que não tenho recordação de haver me equivocado nos prognósticos que todos nós naturalmente fazemos a respeito do aproveitamento dos nossos alunos nas provas escritas. No meu caso, aqueles acadêmicos que revelaram alto desempenho em sala de aula sempre apresentaram elogiável rendimento na soma das provas a que se submeteram. Hoje, muitos deles são advogados bem sucedidos, magistrados, membros do Ministério Público, defensores públicos, delegados de polícia estadual ou federal, professores que dividem comigo o mesmo ambiente de trabalho, servidores públicos nas mais diversas funções. De outro lado, os alunos que manifestaram atividade insatisfatória na sequência dos encontros letivos jamais deixaram de colher resultados frustrantes. A propósito, dentre os sintomas mais frequentes de atividade insatisfatória estão os seguintes: 1) atrasos para o ingresso na sala de aula; 2) saídas antecipadas dela; 3) faltas episódicas e injustificadas; 4) faltas habituais, sucessivas ou intercaladas, mesmo que justificadas; 5) organização deficiente das rotinas diárias; 6) desvio de atenção; 7) inexecução de atividades extraclasse; 8) desídia; 9) desinteresse; 10) não utilização dos materiais sugeridos; 11) falta de acesso à bibliografia recomendada; 12) uso de aparelhos de telefonia móvel ou de equipamentos similares durante os encontros; 13) utilização anômala de microcomputadores em sala; 14) falta de interação com o professor ou com os colegas de classe; 15) inexecução de estágio profissional ou acesso tardio a ele. Entre esses dois extremos permaneceu uma grande parte dos alunos e, quanto a estes, observei com alguma frequência os sintomas catalogados nos números 1, 3, 5 e 15, bem como bem uma modesta interação com o professor, além do recurso inconstante à literatura sugerida. Ciente de que o baixo desempenho acadêmico normalmente é sintomático, há anos venho adotando a prática de dialogar com alguns alunos, a fim de investigar as causas das suas insuficiências e de contorná-las com a máxima precocidade possível. Refiro-me a “alguns alunos” porque nem todos são receptivos a abordagens dessa natureza e muitos tendem a transformar conselhos pedagógicos em advertências injustas ou em promessas de retenção despropositada, inconciliáveis com as funções de quem exerce o magistério. Com a devida vênia daqueles que pensam diferente, a falta de uniformidade no tratamento do baixo rendimento estudantil e a resposta a ele mediante a simples atribuição de notas numéricas nas provas escritas compõem, na minha concepção, uma metodologia de trabalho que comporta substancial aperfeiçoamento, inclusive porque já se tornou conveniente, para uma massa importante de alunos, debitar a seus professores todas as culpas pelos insucessos que cultivaram mediante a adoção de um, alguns, vários ou todos os comportamentos acima relacionados. No final de tudo, uma das relações humanas mais primorosas se deteriora e, sem demora, o professor deixa de ser acolhido como um profissional que, por sua qualificação e experiência, é capaz de transmitir didaticamente alguma ciência, arte, técnica ou outro conhecimento importante para a formação do cidadão (consulte “A República”, de Platão) e passa a ser visto como um obstáculo incômodo para o acesso ao grau de bacharel em Direito. Certamente, parte das soluções para a formação em Direito pode ser colhida de vários textos de Espinosa, mas estou convencido de que nenhum marco regulatório possui a capacidade mágica de elevar sobremodo os índices de aprovação na Ordem dos Advogados do Brasil e nos concursos públicos para determinadas carreiras jurídicas, cuja metodologia de avaliação dos candidatos igualmente merece reparos. Enfim, penso que os problemas locais de desempenho acadêmico merecem acertamentos locais, intimamente ligados à política universitária, especialmente no tocante às avaliações discentes. Sairão na frente as instituições que mais cedo tiverem a ousadia de desenredar certos mitos sobre exigir mais dos alunos (na medida dos serviços que lhes são prestados), enfrentarem com coragem as causas do baixo desempenho acadêmico e inovarem mediante fundamentos consistentes. Sairão na frente os alunos que mais cedo realizarem uma avaliação sincera de si próprios e se conscientizarem de que todo profissional serve a outrem, o que, na nossa área, exige intensa e permanente capacitação. Enquanto isso, fico lembrando com saudades dos meus tempos de colégio, em que a cartilha do professor também servia para registrar pontos positivos e negativos, conforme o nosso desempenho diário nos afazeres escolares. Será mesmo que estavam errados aqueles estimados docentes, que alfabetizaram e formaram grande parte da minha geração?
Uma afirmação falsa pronunciada reiteradamente possui um enorme potencial para se tornar verdade aos menos avisados. Uma dessas falácias é a de que o vocábulo “aluno” traduz um indivíduo "sem luz”, propagada com velocidade a partir do fenômeno da internet (“a”= prefixo grego de negação + “lun”= do latim "luminis"). Exceto por alguns escritores mais cautelosos, muitos se limitam a reproduzir essa equivocada noção. Porém, para desfazê-la, é suficiente uma breve incursão em qualquer dicionário mais abalizado e nele perceberemos que, etimologicamente, a literalidade do termo “aluno” significa “lactente” ou “filho adotivo” (do latim "alumnu"= criança que se dá para criar). No sentido metafórico, essa palavra designa alguém que ainda é intelectualmente imaturo, uma espécie de discípulo ou pupilo que precisa ser nutrido culturalmente por um ou mais professores, até alcançar certa autonomia. É desvendando esse pequeno mito que inicio este breve artigo, que se dirige primordialmente a meus colegas professores, mesmo porque não tenho a pretensão de convencer qualquer aluno sobre a propriedade das minhas considerações. Em verdade, o mito que cotidianamente me aflige, em especial no período dos exames de final de ano, é o de que os conhecimentos e as habilidades dos nossos discípulos são mensuráveis exclusivamente segundo um critério matemático empregado nas provas escritas que, invariavelmente, todos nós aplicamos nas faculdades de Direito. Antes que alguém suspeite que sou contrário a esse tipo de exame, adianto-me para reconhecer que ele é absolutamente necessário na nossa área de formação, afinal, as provas escritas costumam desencadear estudos mais ou menos demorados e são instrumentos valiosos para sedimentar conteúdos relevantes para a vida profissional que esses acadêmicos almejam, ainda que eles não a conheçam em profundidade. Em outras palavras, esses resultados normalmente são alcançados não só nos momentos que antecedem essas atividades e naqueles que as sucedem, mas também durante a execução delas, em que os alunos são levados a recordar conceitos, noções, raciocínios e conclusões úteis à resolução dos questionamentos que lhes são apresentados, muitos deles representativos de eventos recorrentes no plano naturalístico. Essa é a primeira de um conjunto de razões pelas quais rejeito, com veemência, o tortuoso ditado segundo o qual “na prática a teoria é outra”. Definitivamente, este é o pior de todos os mitos que rondam a academia de Direito e, a respeito dele, não tenho o menor receio de dizer que o profissional que ousa divulgá-lo sabe pouco ou nada sobre uma coisa e outra. Aliás, se os conhecimentos teóricos sobre o Direito existem para tornar segura a aplicação dele, que é fortemente vocacionada à prevenção e à resolução de litígios, parece-me um tanto imprudente alguém levantar essa bandeira e se lançar a mediar interesses de outrem, sem antes dominar, suficientemente, os conteúdos teóricos relacionados ao caso concreto e seus possíveis desdobramentos. Daí porque me posiciono ao lado daqueles que defendem a necessidade de novas balizas para a graduação em Direito, mas sem que haja a supervalorização da prática em detrimento da teoria, que é seu pressuposto e, para mim, uma espécie de cláusula pétrea da formação jurídica: ela não comporta restrição ou supressão pelo “poder reformador” do Ministério da Educação. Assentadas essas premissas e retornando à inquietação que motivou a construção desse texto, deixo grafado, privativamente para a reflexão dos meus colegas de várias universidades, que não tenho recordação de haver me equivocado nos prognósticos que todos nós naturalmente fazemos a respeito do aproveitamento dos nossos alunos nas provas escritas. No meu caso, aqueles acadêmicos que revelaram alto desempenho em sala de aula sempre apresentaram elogiável rendimento na soma das provas a que se submeteram. Hoje, muitos deles são advogados bem sucedidos, magistrados, membros do Ministério Público, defensores públicos, delegados de polícia estadual ou federal, professores que dividem comigo o mesmo ambiente de trabalho, servidores públicos nas mais diversas funções. De outro lado, os alunos que manifestaram atividade insatisfatória na sequência dos encontros letivos jamais deixaram de colher resultados frustrantes. A propósito, dentre os sintomas mais frequentes de atividade insatisfatória estão os seguintes: 1) atrasos para o ingresso na sala de aula; 2) saídas antecipadas dela; 3) faltas episódicas e injustificadas; 4) faltas habituais, sucessivas ou intercaladas, mesmo que justificadas; 5) organização deficiente das rotinas diárias; 6) desvio de atenção; 7) inexecução de atividades extraclasse; 8) desídia; 9) desinteresse; 10) não utilização dos materiais sugeridos; 11) falta de acesso à bibliografia recomendada; 12) uso de aparelhos de telefonia móvel ou de equipamentos similares durante os encontros; 13) utilização anômala de microcomputadores em sala; 14) falta de interação com o professor ou com os colegas de classe; 15) inexecução de estágio profissional ou acesso tardio a ele. Entre esses dois extremos permaneceu uma grande parte dos alunos e, quanto a estes, observei com alguma frequência os sintomas catalogados nos números 1, 3, 5 e 15, bem como bem uma modesta interação com o professor, além do recurso inconstante à literatura sugerida. Ciente de que o baixo desempenho acadêmico normalmente é sintomático, há anos venho adotando a prática de dialogar com alguns alunos, a fim de investigar as causas das suas insuficiências e de contorná-las com a máxima precocidade possível. Refiro-me a “alguns alunos” porque nem todos são receptivos a abordagens dessa natureza e muitos tendem a transformar conselhos pedagógicos em advertências injustas ou em promessas de retenção despropositada, inconciliáveis com as funções de quem exerce o magistério. Com a devida vênia daqueles que pensam diferente, a falta de uniformidade no tratamento do baixo rendimento estudantil e a resposta a ele mediante a simples atribuição de notas numéricas nas provas escritas compõem, na minha concepção, uma metodologia de trabalho que comporta substancial aperfeiçoamento, inclusive porque já se tornou conveniente, para uma massa importante de alunos, debitar a seus professores todas as culpas pelos insucessos que cultivaram mediante a adoção de um, alguns, vários ou todos os comportamentos acima relacionados. No final de tudo, uma das relações humanas mais primorosas se deteriora e, sem demora, o professor deixa de ser acolhido como um profissional que, por sua qualificação e experiência, é capaz de transmitir didaticamente alguma ciência, arte, técnica ou outro conhecimento importante para a formação do cidadão (consulte “A República”, de Platão) e passa a ser visto como um obstáculo incômodo para o acesso ao grau de bacharel em Direito. Certamente, parte das soluções para a formação em Direito pode ser colhida de vários textos de Espinosa, mas estou convencido de que nenhum marco regulatório possui a capacidade mágica de elevar sobremodo os índices de aprovação na Ordem dos Advogados do Brasil e nos concursos públicos para determinadas carreiras jurídicas, cuja metodologia de avaliação dos candidatos igualmente merece reparos. Enfim, penso que os problemas locais de desempenho acadêmico merecem acertamentos locais, intimamente ligados à política universitária, especialmente no tocante às avaliações discentes. Sairão na frente as instituições que mais cedo tiverem a ousadia de desenredar certos mitos sobre exigir mais dos alunos (na medida dos serviços que lhes são prestados), enfrentarem com coragem as causas do baixo desempenho acadêmico e inovarem mediante fundamentos consistentes. Sairão na frente os alunos que mais cedo realizarem uma avaliação sincera de si próprios e se conscientizarem de que todo profissional serve a outrem, o que, na nossa área, exige intensa e permanente capacitação. Enquanto isso, fico lembrando com saudades dos meus tempos de colégio, em que a cartilha do professor também servia para registrar pontos positivos e negativos, conforme o nosso desempenho diário nos afazeres escolares. Será mesmo que estavam errados aqueles estimados docentes, que alfabetizaram e formaram grande parte da minha geração?
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1. MACIEL, Daniel Baggio. Indicado para professores e sem
contraindicação para alunos. Araçatuba: Página eletrônica Isto é Direito.
Dezembro de 2013.
2. Nota explicativa: o vocábulo "mito" foi utilizado
coloquialmente pelo autor para significar uma ideia falsa, pois o uso acadêmico
dele geralmente não envolve qualquer julgamento quanto à verdade ou
falsidade.