terça-feira, 16 de dezembro de 2008

UMA BREVE NOTA SOBRE A POSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO

A respeito das condições da ação processual, sabe-se perfeitamente que não são admissíveis em juízo pretensões contrárias ao ordenamento jurídico ou nele não previstas abstratamente. Justamente por isso, pode-se dizer que a possibilidade jurídica do pedido consiste na conformação entre a pretensão de direito material ou processual formulada pela parte e a ordem jurídica do Estado. Para examinar a presença dessa condição da ação, o juiz precisa investigar se existe alguma previsão abstrata no ordenamento jurídico a que corresponda o pedido do demandante. Mas não é só. Ele também deve verificar a causa de pedir exposta como fundamento da ação, afinal, ainda que o pedido possa parecer juridicamente possível em uma primeira análise, a sua causa remota pode revelar alguma ilicitude que lhe determine a injuridicidade. É o que ocorre, por exemplo, com a pretensão ao pagamento de dívida de jogo não permitido pela legislação, em que o pedido condenatório é juridicamente possível à primeira vista, não após o exame da correspondente causa de pedir. Além disso, há casos em que a impossibilidade jurídica do pedido não decorre propriamente de ofensa à lei, mas sim à moral e aos bons costumes, assim como se dá com a cobrança de preço por serviços de prostituição, prática imoral que inviabiliza completamente a pretensão judicial. Logo, fica fácil entender que a expressão "possibilidade jurídica do pedido" é parcialmente imprecisa para designar uma das condições da ação, afinal, o exame a ser realizado pelo juiz não se limita à mera certificação da existência de previsão legal para o pedido formulado pelo litigante. Essa análise há de ser muito mais verticalizada, para compreender a legalidade e a moralidade da causa de pedir. Desse pensamento não diverge RIOS GONÇALVES, segundo quem: “não se admite a formulação de pretensões que contrariem o ordenamento jurídico. Aquele que vai a juízo postular algo que é vedado por lei terá a sua pretensão obstada. Não haveria sentido em movimentar a máquina judiciária se já se sabe de antemão que a demanda será malsucedida porque contraria o ordenamento jurídico. Para que o juiz verifique o preenchimento dessa condição da ação, não basta que ele examine, isoladamente, o pedido, mas também a causa de pedir, cuja ilicitude ou imoralidade contaminará o pedido”. Embora o artigo 267, inciso VI, do Código de Processo Civil de 1973 aponte a possibilidade jurídica do pedido como uma das condições da ação, cuja falta acarreta a emissão de sentença sem resolução de mérito, sempre acreditamos que o pronunciamento judicial que reconhece a ausência desse predicado (possibilidade jurídica) deveria ser tratado pela legislação como decisão de mérito, mesmo porque só assim é possível revesti-lo da qualidade da coisa julgada material quando transitar em julgado e, de consequência, obstar que ele seja renovado em ação processual sucessiva. Felizmente, é nessa direção que se orientou o projeto de lei do futuro Código de Processo Civil, ao prever que o ajuizamento de qualquer ação imprescinde de legitimidade e interesse (art. 16). Além disso, o Código projetado deixou de relacionar a inexistência de possibilidade jurídica do pedido como uma das causas determinantes da emissão de sentença sem resolução de mérito, revelando a intenção de adequar a futura codificação às construções teóricas de ENRICO TULLIO LIEBMAN (Art. 467). Portanto, caso aprovado o referido projeto de lei, a sentença que declarar o pedido juridicamente impossível será de mérito, posto que resolverá definitivamente a lide.       
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
1. MACIEL, Daniel Baggio. Uma breve nota sobre a possibilidade jurídica do pedido. Araçatuba: Página eletrônica Isto é Direito. Dezembro de 2008.
2. RIOS GONÇALVES, Marcus Vinícius. Novo Curso de Direito Processual Civil. São Paulo: Editora Saraiva, 2007, p. 90/91.

segunda-feira, 29 de setembro de 2008

A AUTONOMIA DO PROCESSO CAUTELAR

Falar em autonomia do processo cautelar aparentemente contrasta com a suposta dependência que faz supor o artigo 796. Ora, se é autônomo não é dependente e vice-versa. Porém, a autonomia que carateriza o processo cautelar reside no fato de que ele possui uma função própria e diversa dos processos ditos principais, de conhecimento e de execução. Em outros termos, o processo cautelar possui uma finalidade distinta dos demais, qual seja, a obtenção de medidas de mera segurança do direito ameaçado, as quais não se inserem dentre as funções típicas dos outros processos judiciais. O processo de conhecimento serve ao acertamento definitivo da lide mediante a certificação de qual das partes tem razão, enquanto que o processo de execução é o instrumento legal apto à satisfação da obrigação contida no título executivo. No entanto, sabe-se que as providências cautelares também podem ser determinadas sem a formação do processo cautelar, ou seja, incidentalmente em processos de natureza diversa, mas sem estabelecer uma referibilidade direta com a finalidade originária do processo principal. Essa possibilidade foi autorizada expressamente pelo § 7º do artigo 273, mas não implicou modificação na natureza e na função do processo de conhecimento. É importante observar que a característica da autonomia afasta a ideia de que possam existir dois processos relativos ao mesmo litígio. Enquanto ao processo cautelar caberá o trato do risco de dano que aflige o direito provável, o processo principal objetivará a certificação desse direito mediante sentença e/ou a satisfação dele. Por outro lado, a autonomia do processo cautelar também se verifica sob o plano procedimental. É que ele é coordenado segundo procedimentos próprios, formas especiais de se desenvolver e que diferem dos ritos empregados nos demais processos judiciais. Para chegar a esta conclusão, basta ler os artigos 801 a 804 e neles constatar a utilização de técnicas legislativas de especialização procedimental, como a simplificação e agilização dos trâmites processuais, que aqui se manifestam na redução de prazos e na modificação da forma para a prática de determinados atos do processo. Por exemplo, a petição inicial da ação cautelar contenta-se com a exposição sumária de direito ameaçado (art. 801, IV), enquanto que a contestação deve ser apresentada em cinco dias (art. 802). Além desses elementos especializantes, para o procedimento cautelar há previsão legal de justificação prévia unilateral tendente à obtenção de prova testemunhal necessária ao deferimento da segurança, mediante provimento interlocutório denominado liminar (art. 804), o que torna o procedimento cautelar bastante diferenciado.
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REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA:
1. MACIEL, Daniel Baggio. Processo Cautelar. São Paulo: Editora Boreal, 2012.

quarta-feira, 27 de agosto de 2008

A INFORMATIZAÇÃO DO PROCESSO JUDICIAL

A Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006, disciplinou no Brasil a informatização do processo judicial. Estima-se que dentro de 5 anos todos os processos judiciais que tramitam perante os mais diversos juízos e tribunais do país já estarão integralmente informatizados, inclusive aqueles cujos autos originalmente são compostos de papéis. Essa nova realidade inevitavelmente ensejará grandes mudanças nas rotinas de trabalho de todos aqueles que, direta ou indiretamente, protagonizam os processos judiciais, a começar pelos próprios integrantes do Poder Judiciário, assim os magistrados e servidores das mais variadas atribuições. De igual modo, todas as evoluções propiciadas pelo processo eletrônico também terão repercussões significativas sobre o exercício da advocacia, não só na formação e no desenvolvimento desses processos, como também nas relações entre os advogados e seus assistidos. A ideia nuclear que orientou a criação do processo eletrônico é a necessidade de diminuir a excessiva burocracia que historicamente caracteriza o processo judicial brasileiro, a começar com a eliminação física dos autos, cujo trânsito constante entre as partes, o juiz, os técnicos, os escreventes e os peritos é fator que contribui negativamente no tempo da realização efetiva da atividade jurisdicional. Assim é que o artigo 1º da referida lei começa afirmando o uso de meio eletrônico na tramitação dos processos judiciais, na comunicação dos atos e transmissão de peças processuais. Entende-se por “meio eletrônico” qualquer forma de armazenamento ou tráfego de documentos e arquivos digitais. A “transmissão eletrônica” representa toda e qualquer forma de comunicação a distância com a utilização de redes de comunicação, preferencialmente a rede mundial de computadores. Conforme o artigo 2º da Lei 11.419, o envio de petições, de recursos e a prática de atos processuais em geral por meio eletrônico serão admitidos mediante uso de assinatura eletrônica, na forma do artigo 1º, sendo obrigatório o credenciamento prévio no Poder Judiciário, conforme disciplinado pelos órgãos respectivos. O credenciamento no Poder Judiciário será realizado mediante procedimento no qual esteja assegurada a adequada identificação presencial do interessado. Ao credenciado será atribuído registro e meio de acesso ao sistema, de modo a preservar o sigilo, a identificação e a autenticidade de suas comunicações. Os órgãos do Poder Judiciário poderão criar um cadastro único para o credenciamento previsto neste artigo. Interessante mesmo é a previsão do artigo 3º, segundo o qual são considerados realizados os atos processuais por meio eletrônico no dia e hora do seu envio ao sistema do Poder Judiciário, do que deverá ser fornecido protocolo eletrônico. Quando a petição eletrônica for enviada para atender prazo processual, serão consideradas tempestivas as transmitidas até as 24 horas do seu último dia. Segundo o artigo 7º, as cartas precatórias, rogatórias, de ordem e, de um modo geral, todas as comunicações oficiais que transitem entre órgãos do Poder Judiciário, bem como entre os deste e os dos demais Poderes, serão feitas preferentemente por meio eletrônico. Aliás, conforme o artigo 9º, no processo eletrônico, todas as citações, intimações e notificações, inclusive da Fazenda Pública, serão feitas por meio eletrônico, na forma dessa Lei. As citações, intimações, notificações e remessas que viabilizem o acesso à íntegra do processo correspondente serão consideradas vista pessoal do interessado para todos os efeitos legais. Porém, quando for inviável, por motivo técnico, o uso do meio eletrônico para a realização de citação, intimação ou notificação, esses atos processuais poderão ser praticados segundo as regras ordinárias, digitalizando-se o documento físico, que deverá ser posteriormente destruído. Sobre as petições iniciais, contestações, recursos e petições interlocutórias, o artigo 10 estabelece que a distribuição e a juntada serão realizadas em formato digital, nos autos de processo eletrônico, diretamente pelos advogados públicos e privados, sem necessidade da intervenção do cartório ou secretaria judicial, situação em que a autuação deverá se dar de forma automática, fornecendo-se recibo eletrônico de protocolo. Quando o ato processual tiver que ser praticado em determinado prazo, por meio de petição eletrônica, serão considerados tempestivos os efetivados até as 24 horas do último dia. Neste caso, se o Sistema do Poder Judiciário se tornar indisponível por motivo técnico, o prazo fica automaticamente prorrogado para o primeiro dia útil seguinte à resolução do problema. Ademais, os órgãos do Poder Judiciário deverão manter equipamentos de digitalização e de acesso à rede mundial de computadores à disposição dos interessados para distribuição de peças processuais. Os documentos produzidos eletronicamente e juntados aos processos eletrônicos com garantia da origem e de seu signatário, na forma estabelecida nessa lei, serão considerados originais para todos os efeitos legais (art. 11). Os extratos digitais e os documentos digitalizados e juntados aos autos pelos órgãos da Justiça e seus auxiliares, pelo Ministério Público e seus auxiliares, pelas procuradorias, pelas autoridades policiais, pelas repartições públicas em geral e por advogados públicos e privados têm a mesma força probante dos originais, ressalvada a alegação motivada e fundamentada de adulteração antes ou durante o processo de digitalização. A arguição de falsidade do documento original será processada eletronicamente na forma da lei processual em vigor. Os originais dos documentos digitalizados deverão ser preservados pelo seu detentor até o trânsito em julgado da sentença ou, quando admitida, até o final do prazo para interposição de ação rescisória. Os documentos cuja digitalização seja tecnicamente inviável devido ao grande volume ou por motivo de ilegibilidade deverão ser apresentados ao cartório ou secretaria no prazo de 10 dias contados do envio de petição eletrônica comunicando o fato, os quais serão devolvidos à parte após o trânsito em julgado. Os documentos digitalizados juntados em processo eletrônico somente estarão disponíveis para acesso por meio da rede externa para suas respectivas partes processuais e para o Ministério Público, respeitado o disposto em lei para as situações de sigilo e de segredo de justiça. Em linhas gerais, aqui estão algumas inovações referentes ao processo eletrônico, com as quais todos deverão se familiarizar no menor tempo possível. Como é inerente a toda grande mudança, dificuldades e embaraços surgirão inicialmente para todos aqueles que nele atuarem. Nada obstante, acreditamos firmemente no acerto dessa modernização e na produção de resultados positivos com essa nova realidade, notadamente no tempo de duração dos processos judiciais.
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1. MACIEL, Daniel Baggio. Informatização do processo judicial. Araçatuba: Página eletrônica Isto é Direito. Agosto de 2008.

terça-feira, 19 de agosto de 2008

A DURAÇÃO DA PRESTAÇÃO ALIMENTAR ENTRE PAIS E FILHOS

Nova súmula exige contraditório para fim de pensão alimentícia. O Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) aprovou a Súmula 358, que assegura ao filho o direito ao contraditório nos casos em que, por decorrência da idade, cessaria o direito de receber pensão alimentícia. De acordo com a Súmula, a exoneração da pensão não se opera automaticamente, quando o filho completa 18 anos. Isso depende de decisão judicial. Deve ser garantido o direito do filho de se manifestar sobre a possibilidade de prover o próprio sustento. De modo geral, os responsáveis requerem, nos próprios autos da ação que garantiu a pensão, o cancelamento ou a redução da obrigação. Os juízes aceitam o procedimento e determinam a intimação do interessado. Se houver concordância, o requerimento é deferido. Caso o filho alegue que ainda necessita da prestação, o devedor é encaminhado à ação de revisão, ou é instaurada, nos mesmos autos, uma espécie de contraditório, no qual o juiz profere a sentença. Em inúmeras decisões, magistrados entendem que a pensão cessa automaticamente com a idade. Os ministros da Segunda Seção editaram a súmula que estabelece que, com a maioridade, cessa o poder pátrio, mas não significa que o filho não vá depender do seu responsável. “Ás vezes, o filho continua dependendo do pai em razão do estudo, trabalho ou doença”, assinalou o ministro Antônio de Pádua Ribeiro no julgamento do Resp 442.502/SP. Nesse recurso, um pai de São Paulo solicitou em juízo a exoneração do pagamento à ex-mulher de pensão ou redução desta. O filho, maior de 18, solicitou o ingresso na causa na condição de litisconsorte. A sentença entendeu, no caso, não haver litisconsorte necessário porque o filho teria sido automaticamente excluído do benefício. Para os ministros, é ao alimentante que se exige a iniciativa para provar as condições ou capacidade para demandar a cessação do encargo. Seria contrário aos princípios que valorizam os interesses dos filhos inverter o ônus da prova. Há o entendimento de que o dever de alimentar não cessa nunca, apenas se transforma com o tempo. O novo Código Civil reduziu a capacidade civil para 18 anos. O sustento da prole pelo pai ou pela mãe pode se extinguir mais cedo, mas com o direito ao contraditório. Num dos casos de referência para a edição da súmula, um pai do Paraná pedia a exclusão do filho já maior do benefício. O argumento é de que já tinha obrigação de pagar pensão para outros dois filhos menores. O filho trabalhava com o avô materno, mas teve a garantido o direito ao contraditório. O fim dos depósitos ou o desconto em folha podem ser apurados em pedido dirigido ao juiz nos próprios autos em que fixada a obrigação, ou em processo autônomo de revisão ou cancelamento, sempre com contraditório. O texto da nova súmula é este: “O cancelamento de pensão alimentícia de filho que atingiu a maioridade está sujeito à decisão judicial, mediante contraditório, ainda que nos próprios autos.” Referência: CPC, art 47, Resp 442.502/SP, Resp 4.347/CE, RHC 16.005/SC, Resp 608371/MG, AgRg no Ag 655.104/SP, HC 55.065/SP, Resp 347.010/SP, Resp 682.889/DF, RHC 19.389/PR, Resp 688902/DF.
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Fonte: Coordenadoria de Editoria e Imprensa do STJ.

quarta-feira, 13 de agosto de 2008

A RAZÃO DA EXISTÊNCIA DOS PROCEDIMENTOS ESPECIAIS

Quem manusear o Código de Processo Civil verá que ele é composto de cinco Livros e que o Livro IV regula vários procedimentos especiais: alguns de jurisdição contenciosa e outros de jurisdição voluntária. Entre os primeiros, encontram-se os procedimentos de consignação em pagamento, depósito, anulação e substituição de títulos ao portador, prestação de contas, possessório, nunciação de obra nova, monitório, dentre outros. Antes mesmo de iniciar o estudo de qualquer um deles, a primeira indagação a ser levantada pelo intérprete é a seguinte: qual a razão da existência desses procedimentos especiais e de outros tantos disciplinados em leis esparsas? Adiantamos que quem identificar a resposta para essa indagação haverá de compreender melhor cada um deles. Com efeito, os procedimentos especiais, entendidos como tais aqueles que diferem total ou parcialmente do procedimento comum (CPC, art. 272), não são criados aleatoriamente pelo legislador, mas sim em atenção ao direito material posto em juízo. É que determinados direitos dessa natureza apresentam particularidades relevantes que recomendam ao legislador a criação de procedimentos diferenciados para melhor tutelá-los em juízo. Portanto, a razão da existência desses procedimentos especiais é, invariavelmente, a busca pela máxima efetividade do processo judicial. Um bom exemplo daquilo que afirmamos é o procedimento especial do mandado de segurança, regulado pela Lei 1533/1951. Nele, o autor deve instruir a petição inicial com todos os documentos hábeis à pronta demonstração do direito afirmado, designado pelo texto constitucional de “líquido e certo” (CF, art. 5º, LXIX). Se a petição inicial estiver suficientemente instruída, demonstrada a relevância dos fundamentos e o risco de ineficácia do provimento final, o juiz poderá conceder o “writ” liminarmente a fim de sustar provisoriamente os efeitos da ilegalidade ou do abuso de poder perpetrado pela autoridade coatora, que será notificada a prestar informações em 10 dias. Com ou sem essas informações, o juiz da causa intimará o Ministério Público para que se manifeste e, em seguida, proferirá sentença. Embora ilustrado resumidamente, esse procedimento desembaraçado e veloz aplicável ao processo de mandado de segurança apóia-se basicamente em uma razão, qual seja, a necessidade de tutelar melhor o direito material que se caracterizar como “líquido e certo”, isto é, aquele que tem origem em fatos demonstrados de plano mediante documentos inequívocos exibidos logo na petição inicial. Enfim, é esse predicado do direito material objeto do mandado de segurança que orientou o legislador na criação do rito especial previsto pela Lei 1533/1951. Embora o exemplo dado enfatize a velocidade dos trâmites processuais, não é correto supor que todos os procedimentos especiais sejam mais céleres do que o ordinário, que é comum. Na verdade, vários ritos especiais de jurisdição contenciosa têm como molde o próprio procedimento ordinário, no qual são introduzidos um ou mais elementos especializantes que nem sempre simplificam o desenvolvimento do processo. Assim ocorre com o procedimento especial possessório (CPC, art. 920 e seguintes), cuja base é o rito ordinário, porém, munido de certos elementos especializantes, a exemplo da audiência de justificação da posse e da liminar.
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1. MACIEL, Daniel Baggio. A razão da existência dos procedimentos especiais. Araçatuba: Página eletrônica Isto é Direito. Agosto de 2008.
2. THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. São Paulo: Editora Forense, vol. 1, 2005.

segunda-feira, 14 de julho de 2008

A CONDENAÇÃO DO BENEFICIÁRIO DA GRATUIDADE DA JUSTIÇA

Em processo civil, a regra geral é aquela segundo a qual a parte tem a obrigação de custear todas as despesas decorrentes das atividades processuais, inclusive de adiantar os respectivos pagamentos. Entretanto, impor indiscriminadamente esse ônus material como pressuposto para a prestação jurisdicional significaria obstaculizar o acesso das pessoas economicamente desfavorecidas ao Poder Judiciário. Daí porque a Constituição da República garante a “assistência judiciária aos necessitados”, na forma da lei (art. 5º, LXXIV). No Brasil, é a Lei 1060/50 que regula o que muitos conhecem por “Justiça Gratuita”, deferindo os benefícios dessa gratuidade aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país, contanto que necessitados. Conforme a dicção legal, entende-se por “necessitado” não somente o miserável, mas também “todo aquele cuja situação econômica não lhe permita pagar as custas do processo e os honorários do advogado, sem prejuízo do sustento próprio ou da família” (art. 2º, par. único). Aliás, independentemente de atestado de pobreza passado por autoridade pública ou de informações sobre vencimentos, rendimentos e encargos próprios e familiares, "presume-se pobre, até prova em contrário, quem afirmar essa condição nos termos da lei" (art. 4º, § 1º). Os benefícios da assistência judiciária abrangem: a) serviços advocatícios gratuitos; b) isenção do pagamento das despesas processuais até a solução final da causa. Sobrevindo o julgamento do processo, os ônus da derrota são estabelecidos da seguinte forma: a) se o assistido sair “vencedor”, seu assistente terá o direito de receber honorários advocatícios devidos pela parte perdedora; b) se o assistido for “derrotado”, não terá a incumbência de ressarcir as despesas do processo e tampouco de pagar os honorários advocatícios da parte vitoriosa, ao menos em princípio. Fala-se "em princípio" porque o artigo 12 da Lei 1060/1950 prevê uma espécie de “condenação condicional” ao pagamento das custas (em sentido amplo) pelo assistido que sucumbir no processo judicial, obrigação essa cuja execução fica suspensa até que ele possa satisfazê-la, mas que prescreve em 5 anos contados da sentença. Em cima de alguns precedentes do Superior Tribunal de Justiça, THEODORO JÚNIOR é da opinião de que o citado artigo 12 não foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988, razão pela qual não haveria mais fundamento legal para essa modalidade de condenação condicional (v.g. REsp. 61976-9). Nada obstante, no Supremo Tribunal Federal há entendimento oposto, no sentido de que esse dispositivo legal não é incompatível com o inciso LXXIV do artigo 5º da Lei das Leis (RT 781/170). Embora tenhamos enorme simpatia pela solução adotada pelo eminente jurista mineiro, não conseguimos visualizar sob qual aspecto o referido artigo 12 estaria a afrontar o ordenamento constitucional, razão da nossa adesão à orientação da Corte Suprema.
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1. MACIEL, Daniel Baggio. A condenação do beneficiário da gratuidade da justiça. Araçatuba: Página eletrônica Isto é Direito. Julho de 2008.

quinta-feira, 10 de julho de 2008

A ADOÇÃO DO PROCEDIMENTO SUMÁRIO

O procedimento sumário é uma espécie de procedimento comum, tal qual o ordinário (CPC, art. 272). Ele está compreendido entre os artigos 275 e 281 da Lei dos Ritos, onde é possível observar que o legislador lançou mão de algumas técnicas de simplificação procedimental no anseio de acelerar a prestação jurisdicional nos processos de conhecimento. Dentre essas técnicas, podem ser realçadas a "oralidade" e a "concentração dos atos processuais". Com efeito, na visão do legislador de 1973, era razoável a constituição do rito sumário porque muitas causas envolvem valores econômicos não expressivos do ponto de vista objetivo e, ao menos em princípio, nada justifica submetê-las a um procedimento tão dilatado, no caso, o ordinário. Além disso, várias demandas abrangem temáticas de menor complexidade jurídica e, por igual razão, afigura-se supérfluo o emprego de um rito bem mais amplo. Assim é que o artigo 275 do Código adotou dois critérios distintos para a aplicação do procedimento sumário, quais sejam: o do "valor da causa" e o da "natureza da matéria". Pela ordem legal, observarão o rito sumário as causas cujo valor não seja exceda a 60 vezes o valor do salário mínimo (CPC, art. 275. I). Embora esse critério seja bastante simples, na prática ele pode ensejar algumas dúvidas. A primeira delas diz respeito ao valor do salário mínimo, porque atualmente há um piso nacional e vários outros regionais. Em que pese essa realidade, o piso a ser seguido para efeito de adoção do rito sumário é o nacional. Além disso, para a aferição do valor da causa, deve ser levado em conta o valor do salário mínimo vigente no momento do ajuizamento da ação processual. Também é bom anotar que o fato de o valor da causa não superar o teto de 60 salários mínimos não impede que o juiz condene o réu em quantia superior a esse patamar, situação essa bastante comum nas demandas envolvendo indenizações por danos morais (REsp. 212576). De outro lado, independentemente do valor da causa, observarão o procedimento sumário as causas (art. 275, II): a) de arrendamento rural e de parceria agrícola; b) de cobrança ao condômino de quaisquer quantias devidas ao condomínio; c) de ressarcimento por danos em prédio urbano ou rústico; d) de ressarcimento por danos causados em acidente de veículo de via terrestre; e) de cobrança de seguro, relativamente aos danos causados em acidente de veículo, ressalvados os casos de processo de execução; f) de cobrança de honorários dos profissionais liberais, ressalvado o disposto em legislação especial; g) nos demais casos previstos em lei. Portanto, fica fácil ver que no inciso II o legislador abandonou completamente o critério do valor da causa, para considerar exclusivamente a matéria posta em juízo pelo autor. Tão importante quanto conhecer os incisos I e II do artigo 275 é atentar para o disposto no parágrafo único, segundo o qual o procedimento sumário não será observado nas ações relativas ao estado e à capacidade das pessoas, a exemplo das ações de divórcio, anulação de casamento, declaratória de nulidade de matrimônio, alimentos, investigação de paternidade, guarda, tutela, curatela, interdição, dentre outras.
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1. MACIEL, Daniel Baggio. A adoção do procedimento sumário. Araçatuba: Página eletrônica Isto é Direito. Julho de 2008.

quarta-feira, 9 de julho de 2008

A EXECUÇÃO POR QUANTIA CERTA CONTRA A FAZENDA PÚBLICA

Os artigos 730 e 731 do Código de Processo Civil cuidam da execução contra a Fazenda Pública, isto é, daquela passível de ajuizamento contra a União, Estados, Municípios, Territórios, Distrito Federal, autarquias e fundações instituídas pelo Poder Público. Embora integrem a Administração Pública indireta ou descentralizada, as empresas públicas e as sociedades de economia mista não são beneficiadas por esse modelo especial de execução, ao menos ordinariamente. Assim como as pessoas jurídicas de direito privado em geral, ambas são demandadas na forma prevista pelos artigos 646 e seguintes do Código de Processo Civil, razão pela qual seus bens, rendas e serviços não se conservam imunes à penhora. Contudo, há precedentes do Supremo Tribunal Federal de que a execução contra empresas públicas e sociedades de economia mista prestadoras de serviços genuinamente públicos se submete ao procedimento previsto nos artigos 730 e 731 da Lei dos Ritos, a exemplo da Empresa Brasileira de Correios e da Centrais Elétricas do Norte Brasil Sociedade Anônima (RE 220.906 e RE 599.628), entendimento esse de que resulta a impenhorabilidade do patrimônio delas. O principal argumento utilizado para a defesa dessa tese (com a qual não concordamos) é o de que a continuidade dos serviços públicos por elas desempenhados poderia ficar seriamente comprometida caso essas pessoas jurídicas se subordinassem à execução comum manejável em face dos particulares. Seja como for, é importante frisar que o regime processual ditado pelo artigo 730 apenas faculta à Fazenda Pública a oposição de embargos após a citação, não o imediato pagamento da quantia descrita no título executivo (Súmula 279 do STJ). Além disso, o patrimônio público que incumbe a ela também não fica sujeito à penhora, justamente porque os bens de uso comum do povo e os de uso especial são inalienáveis, enquanto conservarem a sua qualificação, na forma que a lei determinar (CF, art. 100). Embora o artigo 730 mencione o prazo de 10 dias para a oposição dos embargos pela Fazenda Pública, esse prazo foi dilatado para 30 dias por força da Lei 9.494/1.997 (art. 1º-B), privilégio este extensivo aos embargos oponíveis pelo INSS em virtude da Lei 8.213/1.991 (art. 130), com a redação que lhe foi atribuída pela Lei 9.528/1.997 (vide nota abaixo). Teoricamente, o procedimento executivo regulado pelo artigo 730 é bastante simples. Apresentada a petição inicial pelo exequente, a Fazenda Pública será citada e poderá opor os seus embargos no prazo legal. Caso os embargos não sejam opostos, o juiz da execução solicitará ao presidente do respectivo tribunal a inscrição do crédito em precatório visando ao pagamento no ano seguinte, quando a inscrição for feita até o dia 1º de julho do ano anterior. Se os embargos apresentados forem julgados improcedentes, sem prejuízo da apelação manejável pela embargante, a sentença emitida contra a Fazenda Pública será submetida ao duplo grau de jurisdição obrigatório, isto é, ao reexame necessário pelo tribunal (CPC, art. 475, I), salvo se o direito controvertido não exceder a 60 salários mínimos ou se a decisão estiver fundada em jurisprudência do plenário do Supremo Tribunal Federal, em súmula deste tribunal ou do tribunal superior competente (CPC, art. 475, §§ 2º e 3º). Após a confirmação da sentença proferida nos embargos, o juiz da execução solicitará o pagamento na forma acima especificada, o que resultará igualmente a inscrição do crédito em precatório. Não há a necessidade de precatório se o crédito exigido for de pequeno valor. Nesses casos, o pagamento é feito no prazo estabelecido pelo magistrado, após o trânsito em julgado da sentença que decidir os embargos porventura opostos pela Fazenda Pública. Na medida em que são requisitados os pagamentos à Fazenda Pública, entre os precatórios vai se formando uma ordem cronológica que servirá especialmente para determinar a sequência dos pagamentos a serem feitos aos respectivos beneficiários. Conforme o artigo 731 do Código Processual e o § 2º do artigo 100 da Lei das Leis, o descumprimento dessa tal ordem cronológica possibilita ao exequente requerer o sequestro da quantia equivalente ao seu crédito. Embora denominada sequestro, essa providência não possui cautelaridade e em nada se assemelha à medida regulada nos artigos 822 a 825 da Lei dos Ritos, mesmo porque a concessão dela não se prende ao "fumus boni iuris" e ao "periculum in mora". Trata-se, pois, de uma providência de natureza eminentemente satisfativa, ordenável contra a Fazenda Pública devedora. A propósito, se a execução orienta-se apenas em face da Fazenda Pública, não contra o credor favorecido pela quebra na sequência dos precatórios, nada faz crer que esse sequestro executivo possa ser decretável contra ele, que sequer integra a relação processual. Ademais, é preciso considerar que a subversão da ordem cronológica dos pagamentos é ilícito debitável à Fazenda Pública, não ao particular a quem foi destinado o respectivo crédito. É por essas razões que, com a devida vênia, divergimos de MONTENEGRO FILHO (2008, p. 743), segundo quem o pedido de sequestro deve ser formulado contra o credor indevidamente beneficiado pelo descumprimento da ordem cronológica de pagamento. 
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1. MACIEL, Daniel Baggio. A Execução contra a Fazenda Pública. Araçatuba: Página eletrônica Isto é Direito. Julho de 2008.
2. MONTENEGRO FILHO, Misael. Código de Processo Civil comentado. São Paulo: Saraiva, 2008.
3. A sentença condenatória ao pagamento de soma em dinheiro emitida por Juizado Especial da Fazenda Pública dispensa o ajuizamento da sucessiva ação de execução e é cumprida no ambiente do próprio processo de conhecimento, em uma mera fase executiva que se desencadeia após o trânsito em julgado da decisão final. Portanto, a execução forçada da referida sentença não demanda a apresentação de uma petição inicial, senão apenas de um simples requerimento executivo contendo a planilha demonstrativa dos cálculos de atualização da dívida, bem como a prova do respectivo termo ou condição a que se liga a exigibilidade da obrigação (vide Lei 12.153/2.009).
4. Informativo do STF nº 461/2007: Medida Provisória: Ampliação de Prazo para a Fazenda Pública. O Tribunal deferiu medida cautelar em ação declaratória de constitucionalidade proposta pelo Governador do Distrito Federal para suspender os processos em que se discute a constitucionalidade do artigo 1º-B da Lei nº 9.494/97, acrescentado pelo artigo 4º da Medida Provisória 2.180-35/2001, que ampliou para 30 dias o prazo que os artigos 730 do CPC e 884 da CLT concediam à Fazenda Pública para oferecimento de embargos à execução. Salientando-se que, por força da regra da separação de poderes, o Poder Judiciário dispõe, em caráter excepcional, de competência para examinar os requisitos constitucionais legitimadores da edição de medidas provisórias (CF, artigo 62), entendeu-se que, no caso, o Chefe do Poder Executivo, a princípio, não teria transposto os limites desses requisitos. Asseverou-se, no ponto, ser dotada de verossimilhança a alegação de que as notórias insuficiências da estrutura burocrática de patrocínio dos interesses do Estado e o crescente volume de execuções contra a Fazenda Pública tornavam relevante e urgente a ampliação do prazo para ajuizamento de embargos. Ressaltou-se, ademais, o longo tempo que o projeto de Lei nº 2.689/96, apresentado com igual propósito, aguarda para ser deliberado, enquanto mais um elemento expressivo da relevância e urgência da Medida Provisória 2.180-35, que teve seu artigo 1º-D, que exime a Fazenda Pública do pagamento de honorários advocatícios nas execuções não embargadas, declarado, incidentalmente, constitucional no julgamento do RE 420816/PR (DJU de 10.11.2006). Considerou-se presente também o periculum in mora, haja vista que configurada a controvérsia jurisprudencial a respeito da constitucionalidade da norma em questão, e cuja incerteza acarreta riscos evidentes de dano ao interesse público. ADC 11 MC/DF, rel Min. Cezar Peluso, 28.3.2007.

segunda-feira, 7 de julho de 2008

A EVOLUÇÃO DOS PODERES DO RELATOR

No passado, as funções do relator eram bastante reduzidas em matéria recursal. Praticamente, a atuação dele limitava-se ao exame dos pressupostos de admissibilidade dos recursos e à elaboração dos respectivos relatórios para leitura nas sessões de julgamento. Com a redação dada ao artigo 557 do Código de Processo Civil pelas Leis 9139/95 e 9756/98, o relator recebeu novos poderes, inclusive para julgar sozinho o mérito recursal em determinadas situações. Atualmente, com amparo nesse dispositivo legal, o relator poderá negar seguimento a recurso manifestamente inadmissível, improcedente, prejudicado ou em confronto com súmula ou jurisprudência dominante do respectivo tribunal, do Supremo Tribunal Federal ou de Tribunal Superior (“caput”). De outro lado, se a decisão recorrida estiver em manifesto confronto com súmula ou jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal ou de Tribunal Superior, o relator poderá dar provimento ao recurso (§ 1º-A). A expressão “negar seguimento” constante do artigo 557 envolve uma decisão monocrática e uma das suas consequências é justamente impedir que o recurso avance para o julgamento colegiado. Portanto, nas hipóteses acima enumeradas, é o relator que decidirá sozinho. Quando ele declarar que o recurso é “inadmissível” ou “prejudicado”, o expediente não avançará por questões “meramente processuais”, a exemplo da intempestividade, da deserção e da ausência de formalidade essencial. No entanto, caso o relator pronuncie que o recurso é manifestamente “improcedente” ou “em confronto com súmula ou jurisprudência dominante” do respectivo tribunal, do Supremo Tribunal Federal ou de Tribunal Superior, ele estará proferindo “julgamento de mérito” e decidindo pelo “desprovimento” da pretensão do recorrente. Nas hipóteses delineadas pelo §1º-A, o relator também estará emitindo “julgamento de mérito”, vale dizer, se a decisão recorrida estiver em manifesto confronto com súmula ou jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal ou de Tribunal Superior. Porém, aqui a pretensão do recorrente estará recebendo “provimento” mediante decisão monocrática. É importante lembrar que essas previsões do artigo 557 são aplicáveis a todos os recursos no processo civil e que essa decisão singular do relator desafia agravo, no prazo de 5 dias, ao órgão competente para o julgamento do recurso (§ 1º). Contudo, se o agravo interposto for manifestamente inadmissível ou infundado, o tribunal condenará o agravante a pagar ao agravado multa entre 1% a 10% do valor corrigido da causa, ficando a interposição de qualquer outro recurso condicionada ao depósito do respectivo valor (§ 2º). Embora essas disposições legais sejam relativamente intrincadas, não terá dificuldade para compreendê-las o leitor que nelas perceber o indisfarçável propósito de diminuir o excesso de trabalho dos órgãos colegiados. É por essa razão que o sistema processual civil foi gradativamente aumentando os poderes do relator e o vigor da jurisprudência, notadamente daquela formada no âmbito do Supremo Tribunal Federal e dos tribunais superiores.
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1. MACIEL, Daniel Baggio. A evolução dos poderes do relator. Araçatuba: Página eletrônica Isto é Direito. Julho de 2008.

sexta-feira, 4 de julho de 2008

RESPONSABILIDADE CIVIL DO JUIZ

A responsabilidade civil do juiz está disciplinada no artigo 133 da Lei dos Ritos. Visivelmente, a criação do rol contido nesse dispositivo legal teve a finalidade de impedir a responsabilização do magistrado por motivos diversos daqueles catalogados pelo legislador e que poderiam tolher o Judiciário da necessária independência para o exercício da jurisdição. Exemplificativamente, pretendeu-se impedir a responsabilização do magistrado que tivesse sua sentença reformada no julgamento de recursos, isto é, na hipótese de erro judiciário. De fato, não fosse assim, bastaria um juiz de primeira instância manifestar orientação diversa daquela adotada pelo tribunal para que fosse compelido a indenizar os prejuízos experimentados pela parte. O Direito, ciência do bom senso e da racionalidade, jamais chegaria ao ponto de responsabilizar o magistrado por aderir a essa ou aquela corrente de entendimento e, tampouco, por falhas involuntárias que refletem, na verdade, característica inafastável da espécie humana. Nesse sentido o acórdão proveniente da 1ª Câmara do Tribunal de Justiça de São Paulo (RJTJSP 48, p. 95): “A responsabilidade civil do magistrado somente se configura quando se apura tenha ele agido com dolo ou fraude e não pelo simples fato de haver errado. A independência funcional, inerente à magistratura, tornar-se-ia letra morta se o juiz, pelo fato de ter proferido decisão neste ou naquele sentido, pudesse ser sancionado.” Portanto, com a redação dada ao artigo 133 da Lei dos Ritos, o legislador pretendeu impedir a responsabilização dos magistrados nos casos de “error in judicando” e de “error in procedendo” não abrangidos pelos incisos I e II, os quais, contudo, podem resultar responsabilidade estatal. Em outras palavras, segundo a mensagem do legislador, se o magistrado não age com dolo ou fraude e tampouco recusa, omite ou retarda providência que deva determinar de ofício ou a requerimento da parte, não se pode cogitar de responsabilidade patrimonial desse agente estatal. É importante observar que muito embora os casos de responsabilidade civil do juiz venham disciplinados no Código de Processo Civil, não há obstáculo para que essas previsões sejam estendidas para processos de natureza diversa, a exemplo do processo penal, até porque o conteúdo desse dispositivo legal é repetido pelo artigo 49 da Lei Orgânica da Magistratura Nacional (LC nº 35/79). Reafirmando este entendimento, SOUZA LASPRO assim se pronuncia: “O mais importante, e razão essencial para que o dispositivo fosse repetido na Lei Orgânica da Magistratura, é que dessa forma se estende, inequivocamente, a responsabilidade do juiz a todo e qualquer tipo de demanda, bastado tão somente que se trate de atividade jurisdicional, não se aceitando uma limitação somente àquelas que desenvolvem pelo processo civil. Além disso, por se tratar de lei complementar, hierarquicamente, esta norma está abaixo somente da Constituição Federal”.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
1. LASPRO, Oreste Nestor de Souza. Responsabilidade Civil do Juiz. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.
2. MACIEL, Daniel Baggio. Responsabilidade Patrimonial do Estado pela Atividade Jurisdicional. São Paulo: Editora Boreal, 2006.

quarta-feira, 2 de julho de 2008

CAPACIDADE PARA SER PARTE, CAPACIDADE PROCESSUAL E CAPACIDADE POSTULATÓRIA

Entre os graduandos em Direito, não é rara a confusão relacionada às expressões "capacidade para ser parte", "capacidade processual" e "capacidade postulatória", apesar desses institutos serem completamente diferentes. Como ponderou MONTENEGRO FILHO, talvez essas hesitações decorram de uma certa aproximação gramatical dessas três expressões, afinal, todas elas estão ligadas ao conceito de "capacidade” como gênero. Com efeito, a capacidade para ser parte refere-se à possibilidade de o sujeito apresentar-se em juízo como demandante ou demandado, isto é, como autor ou réu em uma ação processual. Essa espécie de capacidade liga-se à existência de personalidade civil. Para a pessoa natural, a personalidade civil inicia-se com o nascimento com vida, embora a lei ponha a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro. Para a pessoa jurídica, a personalidade civil é conquistada a partir da inscrição do seu ato formativo no respectivo registro (v.g. Junta Comercial). No entanto, em alguns casos, a legislação atribui capacidade para ser parte a determinados entes despersonalizados, assim como ocorre com a massa falida, o condomínio, o espólio, a herança jacente e com certos órgãos públicos que não detêm personalidade jurídica. Por sua vez, a capacidade processual tem a ver com a possibilidade de a parte praticar atos do processo sem o acompanhamento de outra pessoa. Em outras palavras, tem capacidade processual aquele que puder agir sozinho em juízo, realizando atos processuais de forma autônoma, sem o apoio de assistente ou representante legal. A título de exemplo, podemos lembrar que o recém-nascido ostenta capacidade para ser parte, afinal, ele possui personalidade civil. Entretanto, em virtude das naturais limitações que sofre, ele não possui capacidade processual, razão pela qual deve ser representado por seus genitores ou um tutor. Finalmente, a capacidade postulatória é a aptidão para requerer perante os órgãos estatais investidos da jurisdição. Em regra, essa espécie de capacidade é privativa do advogado regularmente inscrito nos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil (EOAB, art. 1º). No entanto, essa regra do “jus postulandi” também comporta exceções, pois há casos em que a lei reconhece capacidade postulatória para a própria parte, tal qual ocorre na ação de “habeas corpus”.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
1. MACIEL, Daniel Baggio. Capacidade para ser parte, capacidade processual e capacidade postulatória. Araçatuba: Página eletrônica Isto é Direito. Julho de 2008.
2. MONTENEGRO FILHO, Misael. Curso de Direito Processual Civil. São Paulo: Atlas, 2007.

terça-feira, 1 de julho de 2008

OS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS NO MANDADO DE SEGURANÇA

O artigo 20 do Código de Processo Civil é suficientemente claro ao dizer que “a sentença condenará o vencido a pagar ao vencedor as despesas que antecipou e os honorários advocatícios”. Nada obstante, em sentido diametralmente oposto, o verbete da Súmula 512 do Supremo Tribunal Federal deixou assentado que “não cabe condenação em honorários de advogado na ação de mandado de segurança”. No meio acadêmico, o descontentamento com essa diretriz jurisprudencial é bastante intenso, afinal, não existe razão plausível para favorecer o sucumbente com a isenção desse ônus. Aliás, é bom observar que a Lei 1533/51 nada dispôs sobre o assunto, o que induz o simples raciocínio de que essa ação mandamental deve se submeter normalmente aos princípios e regras que informam a responsabilidade pelas custas processuais e honorários advocatícios. Com efeito, o mandado de segurança é uma ação civil constitucional colocada à disposição do titular de direito líquido e certo, não amparado por “habeas data” ou “habeas corpus”, lesado ou ameaçado de lesão por ato ou omissão ilegal de qualquer autoridade. As únicas peculiaridades que a sobrelevam são a sua previsão expressa no texto constitucional (art. 5º, LXIX e LXX) e a maior velocidade de tramitação do processo por ela instaurado, graças ao rito especial sumarizado definido pela Lei 1533/51. No mais, a ação de mandado de segurança trata-se de um pedido de prestação jurisdicional como qualquer outro e o fato dela representar um direito constitucional não desautoriza debitar o ônus sucumbencial àquele que for vencido na demanda. Em nossa opinião, há um outro aspecto que reforça a tese de que cabe condenação em honorários advocatícios na ação de mandado de segurança. Como todos sabem, essa ação civil só é manejável pelo titular de direito “líquido e certo”, compreendendo-se com tal aquele que decorre de fato determinado, que pode ser demonstrado de plano por documentos inequívocos exibidos logo na petição inicial. Ora, se o direito tutelável mediante mandado de segurança possui tamanho predicado, mais uma razão há para que a autoridade coatora se abstenha de lesá-lo ou ameaçá-lo de lesão por ato ou omissão ilegal, inclusive porque o artigo 37 da Constituição da República afirmou a “legalidade estrita” como um dos princípios superiores da Administração Pública. Como anotou BEDAQUE, a tese favorável à admissão dos honorários advocatícios no mandado de segurança começou a angariar simpatizantes no Superior Tribunal de Justiça, conforme se lê dos acórdãos proferidos nos Recursos Especiais 15468-0 e 19096-0. Porém, recentemente, a Corte Especial desse tribunal rejeitou-a, por unanimidade (Embargos de Divergência no Recurso Especial 37879-4).
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1. MACIEL, Daniel Baggio. Os honorários advocatícios no mandado de segurança. Araçatuba: Página eletrônica Isto é Direito. Julho de 2008.
2. NOTA DE ATUALIZAÇÃO: Atualmente, o mandado de segurança encontra-se disciplinado pela Lei 12.016/2.009.

segunda-feira, 30 de junho de 2008

O CONCEITO DO SEQUESTRO CIVIL

O sequestro é medida cautelar típica, constritiva e que recai sobre determinado bem (fungível ou não) em poder de outrem, a fim de conservá-lo para que torne segura a futura entrega ao vencedor do processo principal, na execução "strito sensu" ou na fase de cumprimento da sentença da qual resultar a obrigação de transmitir coisa certa (CPC, art. 822 a 825). Nas palavras de MONTENEGRO FILHO, “no sequestro também se objetiva a apreensão de bens que se encontram na posse do requerido. Contudo, a apreensão incidirá sobre bem determinado, a ser disputado entre as partes no curso da ação principal, podendo originar a prática de atos de satisfação no ambiente da execução para entrega de coisa certa”. Com habitual clareza, THEODORO JÚNIOR ensina que o sequestro “é medida cautelar que assegura futura execução para entrega de coisa e que consiste na apreensão de bem determinado, objeto do litígio, para lhe assegurar entrega, em bom estado, ao que vencer a causa.” Como bem detectou ERNANE FIDÉLIS DOS SANTOS, "diferentemente do arresto, para o qual não há bens especificados ainda que o credor os nomeie, no sequestro o bem é disputado pela partes e cabe a uma delas requerer a apreensão e o depósito para impedir dissipação, extravio, danificação, e ainda para evitar rixa entre os litigantes." Com essas observações, não resta dúvida de que o sequestro é uma medida de segurança da inteireza do bem rivalizado, seja ele móvel, imóvel ou semovente, o que torna indispensável a indicação e a descrição detalhada da coisa pelo requerente, sob pena de inviabilizar a apreensão e o depósito pretendidos. Na hipótese de "rixa", o inciso I do artigo 822 do Código de Processo Civil permite o sequestro com o fim de preservar a higidez dos litigantes, quando a intensidade da desavença entre eles importar risco dessa espécie. Portanto, nesse caso atípico de sequestro, são os indivíduos que estão ameaçados de dano, não propriamente a coisa sobre a qual incide a medida cautelar.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
1. MACIEL, Daniel Baggio. Processo Cautelar. São Paulo: Editora Boreal, 2012.
2. MONTENEGRO FILHO, Misael. Código de Processo Civil Comentado. São Paulo: Atlas, 2007.
3. THEODORO JÚNIOR, Humberto. Processo Cautelar. São Paulo: Editora Leud, 2005.
4. SANTOS. Ernane Fidelis dos. Manual de Direito Processual Civil. São Paulo: Saraiva, vol. 2, 2004.

quinta-feira, 26 de junho de 2008

A CONSIGNAÇÃO EXTRAJUDICIAL EM PAGAMENTO

Quem ler os parágrafos do artigo 890 do Código de Processo Civil perceberá neles a disciplina do procedimento extrajudicial de consignação em pagamento, isto é, uma modalidade específica de depósito bancário envolvendo determinada soma em dinheiro para que o devedor procure se libertar do vínculo jurídico que o associa ao credor. Trata-se, pois, de um modo alternativo e facultativo de solução de conflitos, vale dizer, de utilização não obrigatória e que prescinde da intervenção judicial. Para a realização da consignação extrajudicial, também conhecida popularmente por consignação bancária, devem coexistir os seguintes requisitos: a) que a dívida seja em dinheiro; b) que o depósito seja feito em estabelecimento bancário oficial ou, na falta deste, em qualquer instituição financeira privada; c) que o depósito seja realizado pelo próprio devedor ou por terceiro; d) que o depósito seja efetuado em nome de credor determinado, maior, capaz e com endereço conhecido. A dinâmica dessa consignação extraprocessual é bastante simples. O credor ou o terceiro deverá comparecer pessoalmente no estabelecimento bancário e solicitar a abertura de uma “conta específica” de consignação do pagamento em nome do credor. Efetuado o depósito da importância devida, o depositante promoverá imediatamente o envio de uma correspondência ao credor, discriminando o valor consignado e convocando-o para comparecer ao local indicado no prazo de 10 dias. Evidentemente, essa correspondência deverá ser remetida com aviso de recebimento, preferencialmente, de mão própria. Tão logo o credor seja cientificado do depósito, para ele restarão quatro alternativas: a) levantar o depósito feito, o que importará a aceitação expressa do pagamento e a extinção da obrigação; b) deixar transcorrer em branco o prazo de 10 dias, o que implicará a aquiescência tácita ao pagamento e, de igual modo, a extinção da obrigação; c) responder por escrito ao estabelecimento bancário que acolheu o depósito, recusando o saque, caso em que a quantia consignada ficará à disposição do devedor; d) realizar o levantamento do depósito e simultaneamente ressalvar que o pagamento não é integral, mediante documento entregue à instituição depositária. Havendo a recusa da parte do credor, o devedor ou o terceiro poderá intentar a ação de consignação em pagamento no prazo de 30 dias contados da ciência da oposição, sem que, para tanto, tenha que requerer na petição inicial autorização para efetuar o depósito judicial em 5 dias (art. 893, I). Em outros termos, o autor aproveitará o depósito extrajudicial e anexará o respectivo comprovante à petição inicial. Em princípio, nada impede que o devedor ou o terceiro ajuíze a ação consignatória após o prazo de 30 dias. Porém, neste caso, o autor deverá requerer ao juiz autorização para realizar novo depósito, agora em juízo. No cotidiano das empresas, este procedimento de consignação em pagamento tornou-se bastante freqüente, notadamente para evitar a incidência das sanções pecuniárias previstas pelo § 8º do artigo 477 da CLT. Assim, se o empregado se recusar a receber as parcelas constantes do instrumento de rescisão do contrato de trabalho ou do recibo de quitação, esta é uma das alternativas possíveis ao empregador cauteloso.
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1. MACIEL, Daniel Baggio. A consignação extrajudicial do pagamento. Araçatuba: Página eletrônica Isto é Direito. Junho de 2008.

terça-feira, 24 de junho de 2008

GENERALIDADES SOBRE O INQUÉRITO CIVIL

O § 1º do artigo 8º da Lei 7347/85, conhecida como Lei da Ação Civil Pública, consolidou o “inquérito civil” no direito brasileiro. Trata-se de um procedimento “meramente administrativo” a ser instaurado pelo próprio Ministério Público para a apuração de fatos que possam configurar justa causa para o manejo da ação civil pública em defesa dos interesses transindividuais elencados no artigo 1º da referida lei, a exemplo do meio ambiente. A denominação “inquérito civil” certamente foi idealizada para impedir qualquer confusão com o tradicional “inquérito policial”. Aliás, enquanto este ordinariamente é presidido pela autoridade policial para a apuração da prática de infrações penais, aquele invariavelmente permanece sob a presidência do Ministério Público, ao qual compete, “exempli gratia”, promover diligências, emitir notificações para comparecimento em audiências extrajudiciais, requisitar documentos, informações e perícias a fim de angariar dados sobre possíveis lesões a qualquer dos interesses acima mencionados. Diversamente do inquérito policial, se o Ministério Público concluir o inquérito civil e não vislumbrar fundamento hábil para a demanda judicial, deixará de intentar a ação civil pública sem que, para tanto, tenha que requerer ao juiz o arquivamento desse expediente. Em outras palavras, o arquivamento do inquérito civil ocorre sem qualquer intervenção judicial, até porque o Ministério Público não é o único legitimado para ação civil pública. Portanto, discordando do arquivamento promovido pelo “parquet”, qualquer dos demais co-legitimados pode ajuizar a ação coletiva, em conjunto ou isoladamente (art. 5º). Nada obstante, a Lei 7347/85 criou outro sistema de controle do arquivamento ministerial ao prever duas exigências (art. 9º): 1) a promoção do arquivamento do inquérito civil e das peças informativas deve ser “fundamentada”; 2) sob pena de falta grave, os respectivos autos serão remetidos no prazo de 3 dias ao Conselho Superior do Ministério Público, ao qual compete homologar ou não a deliberação. Rejeitada a promoção do arquivamento, um novo órgão será designado para atuar no feito, justamente em respeito à liberdade funcional daquele que resolveu em sentido oposto e, de igual modo, para zelar pela eficiência da atuação institucional. Finalmente, uma última peculiaridade merece ser lembrada a respeito do assunto, qual seja: qualquer das associações legitimadas à propositura da ação civil pública tem o direito de “arrazoar” perante aquele conselho da administração superior do Ministério Público quando um dos seus órgãos promover o arquivamento do inquérito civil ou das peças de informação (art. 9º, § 2º). Embora a lei não mencione que esse arrazoamento possa ser realizado por qualquer dos demais co-legitimados ou mesmo por terceiros interessados, julgamos irretocável o parecer de MAZZILLI no sentido estender-lhes essa mesma faculdade.
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1. MACIEL, Daniel Baggio. Generalidades sobre o inquérito civil. Araçatuba: Página eletrônica Isto é Direito. Junho de 2008.
2. Em França, a expressão “parquet” é utilizada para designar o Ministério Público, ou seja, o “Ministère Public”.

segunda-feira, 23 de junho de 2008

A ADJUDICAÇÃO DOS BENS PENHORADOS

No processo de execução que objetiva o recebimento de quantia certa (CPC, art. 646 e seguintes) e no cumprimento da sentença que impõe a obrigação de pagar soma em dinheiro (art. 475-I e seguintes), após a penhora e a avaliação dos bens do devedor, o procedimento judicial avança para a fase de “expropriação patrimonial” se as eventuais defesas do executado não forem aptas para suspender o curso do processo (arts. 739-A e 475-M). Segundo o artigo 647 da Lei dos Ritos, alterado substancialmente pela Lei 11382/2006, a expropriação consiste: a) na adjudicação em favor do exequente ou das pessoas indicadas no § 2º do artigo 685-A; b) na alienação por iniciativa particular; c) na alienação em hasta pública; d) no usufruto de bem móvel ou imóvel. Dentre essas espécies, a adjudicação é forma mais singela de expropriação patrimonial e consiste na transferência da propriedade do bem penhorado para o adjudicante, almejando, em regra, a satisfação do crédito cobrado pelo exequente. Trata-se, portanto, de um modo de aquisição patrimonial que certas pessoas estão autorizadas a fazer na execução singular. Atualmente, são legitimadas à adjudicação as seguintes pessoas: o próprio exequente, o credor com garantia real, o credor com penhora concorrente, o cônjuge, os descendentes e os ascendentes do executado (art. 685-A e § 2º). Embora o Código não tenha contemplado o “convivente” na união estável, acreditamos que igual direito pode ser por ele exercido, pois a possibilidade desses familiares requererem a adjudicação apóia-se justamente no anseio de evitar que certos bens estimados pela família do executado passem à propriedade de terceiros. Logo, em atenção ao § 3º do artigo 226 da Constituição da República, não nos parece razoável impedir o convivente de adjudicar. O valor oferecido para a adjudicação não pode ser inferior ao da avaliação. Se o adjudicante for o próprio exequente e o valor do crédito for inferior ao do bem, ele depositará de imediato a diferença, ficando esta à disposição do executado; se superior, a execução prosseguirá pelo saldo remanescente (§ 1º do art. 685-A). Interessante é a situação em que mais de um legitimado pretende a adjudicação, por exemplo, o exequente e o cônjuge do executado. Neste caso, o § 3º do artigo 685-A manda que o juiz proceda à licitação entre eles. Havendo igualdade de oferta, terá preferência o cônjuge, o descendente ou o ascendente, nessa ordem. Decididas eventuais questões, o juiz mandará que o cartório lavre o “auto de adjudicação”, cuja confecção e assinatura pelo juiz, pelo adjudicante e pelo escrivão tornam perfeita e acabada a expropriação, expedindo-se a respectiva carta, se bem imóvel, ou o mandado de entrega ao adjudicante, se móvel ou semovente (art. 685-B). Portanto, a assinatura do executado não é essencial para aperfeiçoar o negócio jurídico, mas o Código autoriza que ele assine se estiver presente na oportunidade.
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1. MACIEL, Daniel Baggio. A adjudicação dos bens penhorados. Araçatuba: Página eletrônica Isto é Direito. Junho de 2008.

sexta-feira, 20 de junho de 2008

ANOTAÇÕES SOBRE OS EMBARGOS DO DEVEDOR

Foram muitas as inovações introduzidas pela Lei 11382/2006 no Código de Processo Civil, notadamente no regime dos embargos do devedor oponíveis à execução por quantia certa contra devedor solvente, fundada em título executivo extrajudicial (CPC, arts. 585 e 646). Antes de relacioná-las, convém anotar que os embargos do devedor estão previstos a partir do artigo 736 da Lei dos Ritos e correspondem a uma ação de conhecimento incidental dotada de carga declaratória ou desconstitutiva conforme o caso. Tratam-se, pois, de uma ação processual cognitiva, de rito especial sumarizado, manejável tipicamente para a defesa do executado. A primeira mudança realizada no regime dos embargos recaiu sobre o prazo para o oferecimento destes. Antes da mencionada alteração legislativa, os embargos eram oponíveis no prazo de 10 dias contados da intimação do executado sobre a realização da penhora. Com a vigência da Lei 11382/2006, o prazo para a apresentação dos embargos foi majorado para 15 dias contados da juntada aos autos do mandado de citação devidamente cumprido (CPC, art. 738). Aliás, quando houver mais de um executado, vale lembrar que o prazo para cada um deles embargar será contado da juntada aos autos do respectivo mandado citatório, salvo tratando-se de cônjuges (§ 1º). A segunda e expressiva modificação incidiu sobre um dos pressupostos tradicionais para o oferecimento dos embargos, qual seja, a prévia garantia da execução. Segundo o modelo atual, os embargos podem ser ajuizados independentemente de penhora, depósito ou caução, vale dizer, mesmo sem que a execução esteja assegurada patrimonialmente (CPC, art. 736). No sistema antigo, a garantia do pagamento mediante penhora ou depósito representava um pressuposto inarredável para que os embargos fossem conhecidos pelo juiz. Em verdade, a maior de todas as alterações legais focou o tão criticado efeito suspensivo, efeito este que tornou os embargos do devedor conhecidos pela alcunha de ação de travamento de execução, justamente pela capacidade processual de impedir temporariamente o progresso da execução. Hoje, segundo a regra do artigo 739-A, os embargos do executado não possuem efeito suspensivo, salvo se o juiz deferi-lo porque presentes os seguintes requisitos cumulativos: a) requerimento do embargante; b) fundamentação relevante nos embargos; c) manifesto dano grave, de difícil ou incerta reparação, decorrente do prosseguimento da execução; d) prévia e suficiente garantia da execução. Finalmente, outra providência saudável revigorada pela Lei 11382/2006 alcançou a multa tipificada para o caso de embargos manifestamente protelatórios. Agora, na hipótese de embargos visivelmente procrastinatórios, o juiz deverá impor ao embargante multa de até 20% do valor em execução (CPC, art. 740, par. único).
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1. MACIEL, Daniel Baggio. Anotações sobre os embargos do devedor. Araçatuba: Página eletrônica Isto é Direito. Junho de 2008.

quinta-feira, 19 de junho de 2008

BREVES APONTAMENTOS SOBRE AS AÇÕES POSSESSÓRIAS

As ações possessórias são instrumentos processuais de defesa judicial da posse exercida sobre bens móveis, imóveis e semoventes e podem ser manejadas pelo possuidor vitimado por esbulho, turbação ou ameaça imputável à pessoa física ou jurídica (de direito público ou privado). Ocorre esbulho quando o possuidor é injustamente privado do exercício da posse. Há turbação quando ele é incomodado no desempenho regular da posse em razão de comportamentos concretos praticados pelo perturbador. A ameaça se caracteriza pelo justo receio da prática iminente de esbulho ou turbação. São três as ações processuais de defesa da posse previstas pelo direito brasileiro, todas elas designadas sob o rótulo dos “interditos possessórios”: a reintegração de posse, a manutenção de posse e o interdito proibitório. A escolha da ação processual adequada ao caso concreto depende da espécie da ofensa praticada pelo agressor. Se houver esbulho, o caso será de reintegração de posse. Se o comportamento do ofensor representar turbação, a ação processual apropriada será a de manutenção de posse. Finalmente, na hipótese de ameaça, é cabível o interdito proibitório. No entanto, nem sempre é fácil identificar com precisão a espécie da agressão possessória e, de conseqüência, a ação processual adequada. Essa é a razão pela qual o artigo 920 da Lei dos Ritos estabelece que a propositura de uma ação possessória em vez de outra não obstará a que o juiz conheça do pedido e outorgue a proteção legal correspondente àquela, cujos requisitos estejam provados. Para essa possibilidade de fazer substituir uma proteção possessória pela outra dá-se o nome de “fungibilidade das tutelas possessórias”, também justificável pelo fato de que as agressões à posse podem sofrer metamorfoses no curso do processo (ex: a ameaça se converte em esbulho). Para definir o possuidor, único legitimado ativo para as ações possessórias, o direito nacional adotou a teoria objetiva de Ihering, também conhecida como teoria da aparência, afinal, o artigo 1196 do Código Civil considera possuidor todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade. Portanto, a mera condição de proprietário não é suficiente para a propositura dessas ações. As ações possessórias envolvendo imóveis devem ser ajuizadas invariavelmente no foro da situação da coisa, conforme a previsão do artigo 95 do Código de Processo Civil, que define hipótese de competência absoluta, inderrogável pela vontade das partes (CPC, art. 111), mesmo se o pedido possessório for cumulado com condenação em perdas e danos, cominação de pena para o caso de nova turbação ou esbulho, desfazimento de construção ou plantação feita em detrimento da posse (CPC, art. 921). Interessante é a faculdade outorgada pelo artigo 922 da Lei dos Ritos, segundo o qual é lícito ao réu, na contestação, alegando que foi ofendido em sua posse, demandar a proteção possessória e a indenização pelos prejuízos resultantes da turbação ou do esbulho praticado pelo autor. Portanto, para defender a sua posse contra o autor, o réu da ação possessória sequer precisa reconvir (CPC, art. 297) e pode se valer da própria contestação para formular a sua pretensão ao juiz. Essa é a razão pela qual alguns escritores atribuem natureza “dúplice” às ações possessórias, embora nem todos concordem com essa adjetivação.
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1. MACIEL, Daniel Baggio. Breves apontamentos sobre as ações possessórias. Araçatuba: Página eletrônica Isto é Direito. Junho de 2008.

quarta-feira, 18 de junho de 2008

O PRAZO PARA ARROLAR TESTEMUNHAS NOS PROCEDIMENTOS SUMÁRIO E ORDINÁRIO

O artigo 276 do Código de Processo Civil determina que, nas ações de conhecimento de rito sumário, o autor apresente o rol de testemunhas na petição inicial e, se requerer perícia, formule quesitos, podendo indicar assistente técnico. A respeito dessa oportunidade para a apresentação do rol de testemunhas, existem duas orientações jurisprudenciais: uma aplicando sintaticamente esse dispositivo legal e afirmando a existência de preclusão se o autor deixar de arrolar testemunhas quando do ajuizamento da ação processual (JTA 90/948); outra, mais flexível, sustentando não haver a perda dessa faculdade, desde que a aceitação do rol apresentado posteriormente não importe prejuízo à defesa (Recurso Especial 9.825). Filiamo-nos ao segundo entendimento em atenção ao princípio da instrumentalidade das formas, máxime se o juiz estiver convencido da utilidade ou da necessidade de tal prova para a formação da convicção indispensável ao julgamento do mérito. Seja como for, a observância do artigo 276 é medida de boa postulação e, como tal, deve ser observada pela parte. No tocante ao prazo, diferente é regra aplicável ao procedimento ordinário. Segundo o artigo 407, é facultado ao juiz fixar o prazo para a apresentação do rol de testemunhas, o que fará na mesma ocasião em que designar data para a realização da audiência de instrução. Caso o juiz não se valha dessa permissão legal, o rol deve ser apresentado até dez dias antes da referida audiência, sob pena de preclusão. Este prazo é contado de forma retroativa e, conforme orientação quase pacífica, nos moldes do artigo 184 da Lei dos Ritos. Vale lembrar que a apresentação do rol é necessária mesmo quando a parte se comprometer a conduzir suas testemunhas à audiência independentemente de intimação, até porque a regra do artigo 407 fundamenta-se no respeito ao contraditório e na simetria de tratamento entre os litigantes. Dúvida pode surgir se a parte deixar a apresentar o rol de testemunhas e a audiência de instrução for adiada. Se a audiência não chegar a ser instalada, o formalismo legal pode ser abrandado sem dificuldades, até porque, para todos os efeitos, a nova data é que deve ser considerada como baliza para a apresentação do rol. No entanto, se a audiência já instalada for interrompida ou suspensa, fatalmente haverá preclusão porque o artigo 455 é claro no sentido de que “a audiência é una e contínua” (RT 641/131).
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1. MACIEL, Daniel Baggio. O prazo para arrolar testemunhas. Araçatuba: Página eletrônica Isto é Direito. Junho de 2008.

terça-feira, 17 de junho de 2008

ALGUMAS PALAVRAS SOBRE A REVELIA NO PROCESSO CIVIL

Objetivamente, a “revelia” no processo civil significa a ausência de resposta do demandado, mais propriamente a ausência de contestação. Portanto, ela representa um “fato processual” caracterizado pelo desinteresse do réu de atuar no processo. Sabidamente, a revelia pode gerar os seguintes efeitos em relação ao requerido, todos bastante rigorosos: 1) presunção de veracidade dos fatos afirmados pelo autor; 2) transcurso dos prazos independentemente de intimações realizadas via cartório judicial; 3) julgamento antecipado da lide. Dentre todos os efeitos da revelia, a presunção de veracidade é o que merece especial atenção. Isso porque essa suposição criada pela lei (CPC, art. 319) é apenas relativa (“juris tantum”), de modo que o juiz pode até desprezá-la se a pretensão do autor for inverossímil, caso em que determinará a produção de provas a fim de neutralizar as dúvidas existentes. Aliás, mesmo revel, faculta-se ao réu produzir provas desde que compareça em tempo oportuno, podendo, assim, influir decisivamente no convencimento do magistrado (Súmula 231 do STF). De outro lado, também há casos específicos em que a revelia não induz os efeitos acima mencionados. Dentre eles, podemos destacar os seguintes: 1) se a ação processual é intentada contra pessoa jurídica de direito público (União, Estado-membro, Território, Município, Distrito Federal, autarquia e fundação instituída e mantida pelo Poder Público); 2) quando a controvérsia envolver direito indisponível, como ocorre nas ações de anulação de casamento e declaratória de paternidade; 3) se a petição inicial não estiver acompanhada do instrumento público, que a lei considere indispensável à prova do ato. É importante observar que as regras até aqui recordadas referem-se unicamente à inexistência de contestação no prazo legal. Portanto, se o réu deixa de impugnar o valor da causa, no máximo será admitido como correto o “quantum” indicado na petição inicial. Ainda, se o demandado não excepciona a competência relativa do juízo, haverá o fenômeno da “prorrogação”, vale dizer, o juízo originalmente incompetente converte-se em competente em razão da inércia do requerido. De igual modo, se o réu não oferece a reconvenção, nada impede que ele contra-ataque mediante outra ação processual autônoma. Finalmente, é imperioso anotar que a Lei 9099/95, ao regular os juizados especiais cíveis e o procedimento “sumaríssimo”, define diversamente o instituto da “revelia” para dizer que ela ocorrerá não só quando o réu deixar de se defender, mas também se ele não comparecer a qualquer das audiências do processo (art. 20).
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1. MACIEL, Daniel Baggio. Algumas palavras sobre a revelia no processo civil. Araçatuba: Página eletrônica Isto é Direito. Junho de 2008.

segunda-feira, 16 de junho de 2008

MULTA DIÁRIA E MULTA LIMINAR NA AÇÃO CIVIL PÚBLICA

Em artigo anterior, lembramos ao leitor que a Lei 7.347/85 prevê que a ação civil pública poderá ter como objeto a condenação em dinheiro, bem como o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer (art. 3º). Neste último caso, o juiz poderá impor ao réu, liminarmente e por sentença, a realização da prestação positiva ou negativa almejada na petição inicial, a exemplo da paralisação de atividade nociva ao meio ambiente natural. Fala-se no deferimento de tutelas específicas da obrigação de fazer ou não fazer. Como é sabido, de pouco ou nada adiantaria a Lei 7.347/85 autorizar a concessão de tutelas jurisdicionais dessa espécie se elas não viessem dotadas de mecanismos processuais capazes de influenciar a vontade do devedor, no sentido de induzi-lo a cumprir o preceito inserido na decisão judicial. Para dar cabo a essa dificuldade e constranger o réu ao cumprimento dessas obrigações, o artigo 11 da Lei da Ação Civil Pública se vale do sistema das astreintes, muito recorrente na jurisprudência francesa. Denomina-se astreinte a condenação pecuniária condicional por dia de atraso no cumprimento da prestação de fazer ou não fazer imposta à parte do processo. Sua finalidade é obter do obrigado a satisfação da prestação positiva ou negativa determinada pelo juiz. As astreintes podem ser fixadas de ofício, isto é, mesmo sem requerimento do autor da ação civil pública e, nos dizeres de NIGRO MAZZILLI, “constituem-se num dos mais preciosos instrumentos para maior eficácia da lei”. Ao lado das astreintes apontadas no mencionado artigo 11, o § 2º do artigo 12 da Lei 7.347/85 também possibilita a imposição de multa liminar ao demandado. Embora devida desde o descumprimento da obrigação imposta ao réu, execução dessa multa fica na dependência do trânsito em julgado da sentença de procedência do pedido cominatório formulado na petição inicial.
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REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA:
1. MACIEL, Daniel Baggio. Multa diária e multa liminar na ação civil pública. Araçatuba: Página eletrônica Isto é Direito. Junho de 2008.
2. MAZZILLI, Hugo Nigro. Tutela dos Interesses Difusos e Coletivos em Juízo. São Paulo: Saraiva, 1993.
3. Nota: a previsão do artigo 3º da Lei 7.347/85 não exclui a possibilidade de a ação civil pública veicular pedidos declaratórios e constitutivos.

sexta-feira, 13 de junho de 2008

CONSIDERAÇÕES SOBRE O ADULTÉRIO VIRTUAL

Apesar da descriminalização do adultério pela Lei 11106/05, essa prática é civilmente ilícita e constitui grave violação de um dos deveres do casamento, qual seja, o de fidelidade recíproca (CC, art. 1566, I). Ela pode motivar o pedido de separação judicial culposa com apoio no “caput” do artigo 1572 do Código Civil se resultar a impossibilidade da comunhão de vida dos cônjuges. A imputação do adultério ganha especial relevo com a previsão do artigo 1704, que desobriga o cônjuge inocente de pensionar aquele que for declarado culpado na sentença de separação. No entanto, mesmo reconhecido culpado, o cônjuge adúltero terá direito aos alimentos indispensáveis à sobrevivência se provar a necessidade dessa prestação, porém, somente se não tiver parentes em condições de prestá-los, nem aptidão para o trabalho (CC, art. 1704 e par. único). Com as enormes facilidades que a tecnologia digital atualmente proporciona às pessoas, a doutrina passou a focar com maior atenção a situação do cônjuge que se vale de algum meio de comunicação eletrônica para externar enlevos sentimentais extraconjugais. Reconhecidamente, as formas de comunicação mais usuais para tanto são os e-mails, chats de bate-papo, torpedos e o orkut. Surgiu assim a figura popularmente chamada de adultério virtual, considerada por muitos escritores uma modalidade de quase-adultério. Apesar dessas nomenclaturas, comportamentos dessa natureza não tipificam propriamente adultério, que é definido como um ato ilícito que se configura com a prática voluntária de relação sexual extraconjugal. Logo, fica fácil ver que esses relacionamentos virtuais não são espécies de adultério e, deste modo, desautorizam a separação judicial fundada no inciso I do artigo 1573. Tecnicamente, o adultério virtual e o quase-adultério (em qualquer das suas formas) importam grave violação ao dever matrimonial de “respeito e consideração mútuos” (CC, art. 1566, V) e podem motivar o pedido de separação judicial culposa por “conduta desonrosa” contra o cônjuge que neles incorrer (CC, art. 1573, VI). De qualquer modo, tal qual decorre do reconhecimento judicial do adultério propriamente dito, o cônjuge declarado culpado pela prática de conduta desonrosa também perderá o direito de obter alimentos do cônjuge inocente, salvo naquela hipótese prevista pelo parágrafo único do artigo 1704. No cotidiano forense, casos de "adultério virtual" já não são tão raros. Prova disso é julgado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, ementado nos seguintes termos: "Alimentos - Provisórios - Mulher casada - Pendência de separação judicial ajuizada pelo marido - Imputação de conduta desonrosa à esposa, manifestada em infidelidade virtual - Interferência na motivação da tutela emergencial - Mulher, ademais, habilitada para o trabalho - Provisórios negados - Inteligência do artigo 19 da Lei Federal nº 6.515/77 - Recurso não provido" (AI 206.044-4).
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1. MACIEL, Daniel Baggio. Considerações sobre o adultério virtual. Araçatuba: Página eletrônica Isto é Direito. Junho de 2008.
2. NOTA DE ATUALIZAÇÃO: com o advento da Emenda Constitucional 66, o ordenamento jurídico brasileiro deixou de contemplar a separação judicial. Logo, não é mais possível discutir judicialmente a culpa pelo fim do casamento, menos ainda em ação de divórcio. Contudo, nada impede que o consorte traído postule, em ação apropriada, a condenação do adúltero ao pagamento de indenização por danos materiais e/ou morais. 

quinta-feira, 12 de junho de 2008

O NOME JURÍDICO AÇÃO CIVIL PÚBLICA

O preâmbulo da Lei 7.347/85 estabelece que ela disciplina a ação civil pública de responsabilidade por danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, e dá outras providências. O nome jurídico "ação civil pública” também é encontrado em outros textos normativos, a exemplo da Lei que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente (Lei 6.938/91, art. 14, § 1º) e da Lei Orgânica Nacional do Ministério Público (Lei 6.825/93, art. 25, IV). Mas quais as razões da utilização do qualificativo “civil pública” na nomenclatura dessa ação processual? Com efeito, a expressão “civil” quer designar que essa ação é não-penal, o que nos permite afirmar que o conteúdo dela é definido por exclusão. Longe de ser irrelevante, essa adjetivação indica a competência material para essa ação cognitiva e evidencia a incompetência absoluta do juízo criminal. Aliás, o maior sintoma de que essa ação é mesmo civil vem do artigo 3º da Lei 7.347/85, que estabelece: “A ação civil poderá ter como objeto a condenação em dinheiro ou o cumprimento de obrigação fazer ou não fazer”. Delicada mesmo é a justificativa para a adoção do vocábulo “pública” nesse nome jurídico. Meditando sobre o assunto, alguém poderia supor que esse qualificativo existe porque a legitimação ativa para essa ação pertence ao Ministério Público, isto é, a uma parte pública. Porém, ao perceber que o artigo 5º da Lei 7.347/85 estende a referida legitimação para vários outros entes, a exemplo das associações, rapidamente fica descartada essa ideia. Dedicando-se ao tema, MANCUSO posiciona-se inicialmente no sentido de que essa ação civil é pública porque ela constitui “um direito expresso em lei de fazer atuar, na esfera civil em nome do interesse público, a função jurisdicional” (APMP, 1988), mas considera as advertências de GRINOVER de que “o texto legal fala impropriamente em ação civil pública. Impropriamente porque nem a titularidade da ação é deferida exclusivamente a órgãos públicos (MP; União; Estados e Municípios), nem é objeto do processo a tutela do interesse público”. Atento a essas reflexões, o mesmo escritor conclui dizendo que essa ação de mérito é pública porque ela apresenta um largo espectro social de atuação e permite o acesso à justiça para a defesa de certos interesses transindividuais, neles compreendidos os difusos e os coletivos em sentido estrito, todos caracterizados por uma multiplicidade mais ou menos expressiva de titulares.
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1. MACIEL, Daniel Baggio. O nome jurídico "Ação Civil Pública". Araçatuba: Página eletrônica Isto é Direito. Junho de 2008.
2. MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Ação Civil Pública. São Paulo: Revista dos Tribunais. 1994.

quarta-feira, 11 de junho de 2008

O PODER GERAL DE CAUTELA DO JUIZ

Quem ler o artigo 798 do Código de Processo Civil perceberá nele uma autorização que legitima o juiz a ordenar providências assecuratórias previstas expressamente em lei e outras que, embora não estejam especificadas normativamente, sejam necessárias à proteção do direito provável contra qualquer dano importante. As medidas de simples segurança que possuem regulação expressa em lei são chamadas "cautelares nominadas" (art. 813 e seguintes), ao passo que as demais são conhecidas por "cautelares inominadas". Atentos a essa previsão legal, podemos dizer que o poder cautelar geral do juiz é uma aptidão jurídica da qual está investido o magistrado para ordenar quaisquer medidas cautelares se presentes o “fumus boni iuris” e o “periculum in mora”. A título de exemplo, valendo-se desse atributo inerente à jurisdição, o juiz pode autorizar ou vedar a prática de determinados atos, impor a prestação de caução, ordenar a guarda judicial de pessoas e o depósito de bens (art. 799). Para GRECCO FILHO, "o poder geral de cautela atua como um poder integrativo de eficácia global da atividade jurisdicional, afinal, se essa atividade estatal tem por finalidade declarar o direito de quem tem razão e satisfazer esse direito, ela deve ser dotada de instrumentos para a garantia do direito enquanto não definitivamente julgado e satisfeito." Embora essa expressão de inspiração italiana indique o poder do juiz de determinar medidas de prevenção contra o dano iminente, melhor é entendê-lo como um “poder-dever”. Fala-se em "poder" porque é o juiz o agente público titular da jurisdição e a ele compete ordenar tais providências em conformidade com o artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição da República. Fala-se em "dever" porque, admitida a presença dos pressupostos cautelares no caso concreto, o magistrado fica vinculado ao deferimento da medida assecuratória do direito ameaçado. O fato de conceituarmos o poder cautelar do juiz como um "poder-dever" tem implicações importantes para os jurisdicionados, pois somente assim é possível conceber em favor destes um “direito subjetivo” à medida cautelar quando demonstrados aqueles dois pressupostos. Apesar disso, não se lhe pode negar também uma certa dose de discricionariedade. No entanto, discricionariedade não pode ser confundida com arbitrariedade. A arbitrariedade implica descompromisso com a lei, liberdade ampla e irrestrita de praticar ou não o ato jurídico, segundo critérios exclusivos do agente. Também não se trata daquela discricionariedade que caracteriza certos atos da Administração Pública, os quais permitem um julgamento de conveniência e oportunidade do comportamento estatal, isto é, a possibilidade de o agente público escolher uma dentre as várias opções legítimas, bem como o momento para realizá-las. Embora o tema não seja pacífico em doutrina, para nós a discricionariedade que se deve reconhecer no poder cautelar geral diz respeito à liberdade com a qual o magistrado deve avaliar as alegações e provas existentes no processo e, assim, determinar ou não a medida cautelar. Valendo-se do livre convencimento motivado (CF, art. 93, IX), cabe ao juiz examinar prudentemente todas as circunstâncias do caso concreto para aferir a necessidade da medida, balizando sua análise pelos critérios do “fumus boni iuris” e do “periculum in mora”. Inferidos estes pressupostos, a concessão da medida cautelar passa a ser obrigatória e configura um direito subjetivo da parte. Em um arremedo de conclusão, essa discricionariedade pode ser traduzida na liberdade de convicção do magistrado sobre as alegações e provas existentes, no sentido de poder valorá-las livremente para verificar a presença dos pressupostos de procedência da cautela.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
1. MACIEL, Daniel Baggio. Processo Cautelar. São Paulo: Editora Boreal, 2012.
2. SANCHES, Sidney. O Poder Geral de Cautela do Juiz. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1978.
3. GRECCO FILHO, Vicente. Direito Processual Civil brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2002.

terça-feira, 10 de junho de 2008

AS ALTERAÇÕES DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL

Foi publicada no Diário Oficial da União a Lei 11689/2008, que alterou o Código de Processo Penal no tocante ao rito aplicado aos processos da competência do Tribunal do Júri. Foram muitas as modificações realizadas pela mencionada lei federal (vide CPP, arts. 406 a 497, e 581), cuja vigência se iniciará 60 dias após a data da sua publicação. Dentre as principais alterações, podemos realçar as seguintes: 1) recebida a denúncia, o juiz terá o prazo de “10 dias” para ordenar a citação do acusado; 2) a audiência de instrução passa a ser “única” e nela serão ouvidos o ofendido, as testemunhas da acusação e da defesa, os peritos; só depois dessas provas orais é que o acusado será interrogado, seguindo-se os debates na mesma oportunidade; 3) concluídos os debates, o juiz criminal proferirá a sua decisão “imediatamente” ou no prazo de “10 dias” (decisão de pronúncia, se for o caso);4) fixou-se o prazo máximo de “90 dias” para o encerramento desta fase preliminar do procedimento;5) aumentou para “25” o número dos jurados sorteados para a reunião periódica ou extraordinária, dos quais pelo menos “15” deverão comparecer à sessão do júri para o sorteio dos 7 que constituirão o Conselho de Sentença;6) a idade mínima para que alguém funcione como jurado foi reduzida para "18 anos"; 7) o julgamento não será adiado caso o réu solto "não compareça" à sessão do júri; 8) o tempo destinado à acusação e à defesa em plenário foi redistribuído em “uma hora e meia” para cada, e em “uma hora” para a réplica e outro tanto para a tréplica; 9) no plenário, as partes não poderão, "sob pena de nulidade", fazer referências à decisão de pronúncia, às decisões posteriores que julgaram admissível a acusação ou o uso de algemas como argumento de autoridade que beneficiem ou prejudiquem o acusado, e tampouco ao silêncio do acusado ou à ausência de interrogatório por falta de requerimento, em seu prejuízo; 10) foram simplificados os quesitos a serem respondidos pelos jurados quando da deliberação do Conselho de Sentença; 11) contra a decisão de impronúncia e daquela que absolver o réu nos casos do artigo 411 não cabe mais recurso em sentido estrito; 12) foi extinto o recurso de “protesto por novo júri”, antes manejável contra a condenação à pena de reclusão por prazo igual ou superior a 20 anos.Dentre todas as mudanças realizadas no Código de Processo Penal, merecem ênfase a que “unificou” a audiência de instrução para nela obter as declarações das testemunhas e o depoimento do acusado, bem como aquela que extinguiu o “protesto por novo júri”, recurso este historicamente objeto de intensas críticas pela doutrina mais abalizada.
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Para acessar o texto integral da Lei 11689/2008, basta clicar no item "Planalto em Brasília", inserido nas "utilidades ao leitor".