domingo, 11 de julho de 2010

NOÇÕES INTRODUTÓRIAS AO PROCESSO CAUTELAR

Segundo a exposição de motivos do Código de 1973, o processo cautelar corresponde a um "tertium genus" ao lado dos processos de conhecimento e de execução. A propósito, ele permite a obtenção de tutelas jurisdicionais de simples proteção a qualquer direito provável que esteja exposto a risco de dano, tutelas estas denominadas medidas cautelares. Doutrinariamente, ele pode ser explicado como um instrumento legal que o Estado disponibiliza ao interessado para o acesso a pronunciamentos judiciais emergenciais que assegurem temporariamente a integridade de direitos ameaçados por situações episódicas capazes de comprometer o seu exercício. Desse modo, o processo cautelar se apresenta como uma formulação legal criada para a obtenção de tutelas de mera asseguração do direito afirmado pela parte, não para a conquista de providências judiciais que induzam a satisfação prática dele. Embora parte da literatura inspirada em CALAMANDREI costume enfatizar que a função do processo cautelar é a proteção da eficácia e da utilidade das demais espécies de processo, OVÍDIO BAPTISTA prefere considerar que o único ponto relevante para a correta definição do processo cautelar é a eficácia da sentença nele proferida. Com razão, observa que as sentenças cautelares não possuem eficácia declarativa do direito objeto da lide principal, tanto que incapazes de gerar coisa julgada material, ao passo que as sentenças em processos de conhecimento invariavelmente declaram a existência ou a inexistência do direito alegado, mesmo que eventualmente dotadas de um componente preventivo. De fato, as sentenças cautelares apenas são aptas para ordenar medidas de efeito temporário e meramente preventivo da lesão ao direito que elas buscam proteger, sem realizá-lo no plano jurisdicional. Para tanto, não exigem nem resultam a declaração do direito acautelado, cuja certificação somente pode ser feita mediante sentença meritória no processo de conhecimento. Contudo, não se pode negar que o processo cautelar normalmente exerce uma notória função instrumental em relação às demais espécies de processo, já que a sentença nele proferida normalmente possui capacidade de assegurar, por via reflexa, a efetividade dos processos de conhecimento e de execução que se tornarem necessários para a parte. É justamente pelo risco ao direito representar a situação subjacente ao processo cautelar que se justifica a sumariedade dos procedimentos aos quais se submete, o que provoca o natural encurtamento da sua duração e a possibilidade de alcançar decisões assecuratórias em menor tempo. Entretanto, essa sumariedade não se verifica apenas no plano procedimental. Ela também atua no plano do conhecimento do juiz sobre o direito alegado e a lesão que se quer evitar, cognição essa que se contenta com verossimilhanças e probabilidades do direito afirmado existir e dele sofrer dano, o que levou o próprio OVÍDIO BAPTISTA a denominá-lo de "processo de conhecimento de baixa intensidade", porque dotado de um efeito declarativo rarefeito. Em um arremedo de conclusão, pode-se dizer que a sumariedade dos procedimentos cautelares e da cognição judicial é a fórmula processual apta ao trato de situações de risco que afligem determinados direitos, o que incorpora a máxima da processualística segundo a qual "a ameaça de lesão não se coaduna com a demora na prestação jurisdicional". 
_________________________
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
1. MACIEL, Daniel Baggio. Processo Cautelar. São Paulo: Editora Boreal, 2012.
2. SILVA, Ovídio de Araújo Baptista da. Do Processo Cautelar. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2009.

sexta-feira, 28 de maio de 2010

COMPETÊNCIA PARA CONHECER DO PEDIDO DE ALIMENTOS PROVISIONAIS

Conforme o artigo 853 da Lei dos Ritos, “ainda que a causa principal penda de julgamento no tribunal, processar-se-á no primeiro grau de jurisdição o pedido de alimentos provisionais.” Logo, fica claro que o artigo 853 excetua a regra contida no parágrafo único do artigo 800, segundo a qual, “interposto o recurso, a medida cautelar será requerida diretamente ao tribunal.” Da conjugação desses dois dispositivos legais é possível concluir que as medidas cautelares em geral devem ser postuladas diretamente ao tribunal se já interposto recurso tendente à reforma ou invalidação da decisão finalizadora do procedimento empregado na causa principal, excetuados os alimentos provisionais, que sempre são postulados ao juiz de primeira instância. Inobstante a regra do artigo 853 seja razoavelmente explícita, ela deixa espaço para a seguinte indagação: será que a ação cautelar de alimentos provisionais deve ser ajuizada perante o mesmo juiz que processou a causa principal ou basta que ela seja promovida em qualquer órgão jurisdicional de primeira instância, mesmo que diverso daquele? Acreditamos que a resposta a esta pergunta pode e deve ser buscada no artigo 108, cujos motivos também orientaram a construção do artigo 800, especificamente destinada a regular a competência jurisdicional para as demandas cautelares antecedentes e as incidentais. A propósito, o artigo 108 estabelece que “a ação acessória será proposta perante o juiz competente para a ação principal.” Embora a acessoriedade da ação cautelar não signifique dependência em relação à ação principal, já tivemos oportunidade de mostrar que os pronunciamentos cautelares normalmente são proeminentes para a preservação da eficiência das demais espécies de processo, o que evidencia a característica da acessoriedade mencionada no artigo 108. Ainda que mediante outros raciocínios, OVÍDIO BAPTISTA também chegou à conclusão de que a ação cautelar incidental de alimentos provisionais deve ser manejada perante o juiz que primeiro conheceu da ação principal na instância originária. Quando o fez, o saudoso processualista se valeu do seguinte exemplo para ilustrar sua tese: se a esposa propôs uma ação de anulação de casamento e transferiu residência para outra comarca, vindo a necessitar de alimentos provisionais algum tempo depois, quando a causa pendia de julgamento no Supremo Tribunal Federal, provavelmente quatro ou cinco anos depois do julgamento da ação matrimonial em primeira instância, mesmo que ela haja mudado do Ceará para o Rio Grande do Sul deverá ajuizar a ação cautelar perante o juiz que primeiro conheceu da ação principal. (Ob. cit. p. 428).
________________________
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
1. MACIEL, Daniel Baggio. Processo Cautelar. São Paulo: Editora Boreal, 2012.
2. SILVA, Ovídio de Araújo Baptista da. Do Processo Cautelar. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2009.

sábado, 3 de abril de 2010

RESPONSABILIDADE CIVIL DO JUIZ POR OMISSÃO, RECUSA OU RETARDAMENTO DE ATO JUDICIAL

A recusa, a omissão ou o retardamento, sem justo motivo, de providência que deva ordenar de ofício ou a requerimento da parte constituem hipóteses de responsabilidade pessoal do juiz por omissão culposa, prevista pelo inciso II do artigo 133 do Código de Processo Civil e pelo inciso II do artigo 49 da Lei Orgânica da Magistratura Nacional. Tais comportamentos ilícitos do magistrado são puníveis civilmente a título de culpa porque as condutas dolosas estão abrangidas pelo inciso I do artigo 133 da Lei dos Ritos e 49 da mencionada lei complementar. Com efeito, essas omissões refletem o exercício anormal da atividade judiciária e consubstanciam casos de denegação de justiça, até porque o juiz pode causar dano simplesmente por omitir providência que deveria determinar com ou sem a provocação da parte. As omissões culposas em forma de recusa, retardamento ou simples inércia processual podem decorrer de imprudência, negligência ou imperícia do magistrado. Não tendo a lei feito qualquer restrição quanto à modalidade de culpa que enseja a responsabilidade pessoal do juiz nestes casos, há que se admitir todas elas para esse efeito. Neste sentido são as lições de Oreste Nestor de Souza Laspro (Responsabilidade Civil do Juiz, p. 252), para quem: "Ao contrário do que ocorre no erro judiciário, o juiz, na sua omissão, responde também pelo comportamento culposo na medida em que, ao contrário da primeira hipótese, na omissão não é feita qualquer restrição à regra geral relativa ao elemento subjetivo, ou seja, em razão de negligência ou imperícia, o juiz não pratica ato que deveria." Observe-se, entretanto, que a responsabilidade pessoal do juiz diante desses comportamentos culposos só existirá quando a recusa, a omissão ou o retardamento de providência judicial forem injustificáveis. Portanto, não ensejará responsabilidade patrimonial do magistrado o eventual atraso ou descumprimento de prazos legais por acúmulo de serviço a que não deu causa, por ausência de culpa. Além disso, os parágrafos únicos dos artigos 133 do CPC e 49 da LOMAN exigem expressamente, para a configuração da culpa e da eventual responsabilidade do juiz, que a parte requeira, por intermédio do escrivão, que o magistrado determine a providência em mora e que ele não a atenda nos dez dias seguintes àquele em que for instado a se pronunciar. Fala-se em eventual responsabilidade porque, para que surja o dever de indenizar, não basta que o juiz deixe de determinar a providência omitida. É fundamental também que a recusa, a omissão ou o retardamento causem dano indenizável, que, ademais, deve ser provado pela parte que o alegar (CPC, art. 333, I).
________________
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA:
1. MACIEL, Daniel Baggio. Responsabilidade Patrimonial do Estado pela Atividade Jurisdicional. São Paulo: Editora Boreal, 2006.

sábado, 27 de fevereiro de 2010

CASOS LEGAIS DE CABIMENTO DOS ALIMENTOS PROVISIONAIS

Os três incisos do artigo 852 do CPC catalogam os casos em que os alimentos provisionais podem ser postulados, a saber: nas ações de separação judicial e anulação de casamento (I), alimentos (II) e nos demais casos expressos em lei (III). Apesar da previsão contida no inciso III do artigo 852, é fácil perceber que o Código olvidou o cabimento dos alimentos provisionais nas ações declaratória de nulidade de matrimônio (CC, art. 1548) e de divórcio (CC, art. 1580) e que, de igual modo, ele não incluiu nesse elenco as ações de suspensão e de destituição do poder familiar (CC, art. 1637 e 1638), revisional de alimentos (CC, art. 1699), além daquelas cujo pedido liga-se à destituição de tutores ou de curadores (CC, art. 1766). Apesar disso, não se pode recusar a possibilidade jurídica de obter os alimentos provisionais quando a ação principal for uma dessas, seja porque inexiste qualquer fator relevante de discrímen entre essas demandas, seja porque o próprio artigo 798 contém a previsão genérica de que o juiz pode ordenar outras medidas cautelares, além daquelas expressamente previstas em lei, sempre que houver o fundado receio de lesão grave e de difícil reparação a um direito provável. Logo, não há sentido algum e nem explicação lógica para a limitação contida no artigo 852, até porque os alimentos provisionais ali não mencionados cabem perfeitamente na regra geral do artigo 798, cuja finalidade é a de atribuir proteção assegurativa para além das medidas cautelares especificadas no Código de Processo Civil. Logo, outra não pode ser exegese do artigo 852 porque, do contrário, o intérprete seria forçado a negar o cabimento dos alimentos provisionais nas ações revisional de alimentos e declaratória de união estável. Sobre o cabimento dos alimentos provisionais em ação de investigação de paternidade também não há qualquer hesitação porque o artigo 7º da Lei 8560/1992 textualmente regulou a matéria nos seguintes termos: “Sempre que na sentença de primeiro grau se reconhecer a paternidade, nela se fixarão os alimentos provisionais ou definitivos do reconhecido que deles necessite.” No entanto, convém observar que esse dispositivo legal impede a fixação dos alimentos provisionais antes da sentença de procedência do pedido, o que contraria ostensivamente a teoria geral das medidas cautelares porque, como é sabido, o deferimento das tutelas de simples segurança não exige que o juiz se certifique da existência do direito afirmado pelo requerente, bastando, pois, a mera plausividade deste. Assim, ao condicionar o arbitramento dos alimentos provisionais à emissão de sentença declaratória da paternidade, a Lei 8560/1992 passou a exigir mais do que o necessário para a mera proteção do direito afirmado pelo requerente. Não é por outra razão que a jurisprudência evoluiu para admitir a fixação dos alimentos provisionais antes mesmo da sentença declaratória da paternidade sempre que houver prova robusta da relação biológica entre os litigantes, associada à demonstração da urgência do pensionamento para afastar o risco de lesão grave e de difícil reparação que aflige o demandante.
_________________________
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA:
1. MACIEL, Daniel Baggio. Processo Cautelar. São Paulo: Editora Boreal, 2012.