quarta-feira, 7 de janeiro de 2015

PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DOS RECURSOS NO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

São vários os princípios que justificam e orientam o sistema recursal do novo Código de Processo Civil. Dentre eles estão os princípios do duplo grau de jurisdição, da taxatividade, da unirrecorribilidade e da proibição de reformatio in pejus. Fortuitamente, como será demonstrado no final desse artigo, o novo Código também poderá tolerar a incidência do princípio da fungibilidade recursal. Por razões didáticas, cada um deles será examinado separadamente na sequência. O princípio do duplo grau de jurisdição - A leitura do inciso LV do artigo 5º da Constituição Federal permite identificar o devido processo legal como o principal valor jurídico assimilado pela Assembleia Nacional Constituinte de 1987-1988 para caracterizar os modelos de direito processual e de estrutura judiciária adotados pelo Brasil. Fala-se nesses dois modelos porque seria impossível cumprir a garantia constitucional do devido processo legal sem a concepção de uma legislação processual que compreendesse as cláusulas fundamentais da inafastabilidade da jurisdição, do contraditório, da ampla defesa, da publicidade dos atos processuais, da motivação das decisões judiciais, bem como um conjunto de direitos, deveres e ônus titularizados pelos sujeitos do processo, a fim de que todo direito material ou processual pudesse ser tutelado pelo Poder Judiciário com os predicados da segurança, eficiência e justiça. Além disso, esse mesmo superprincípio também exige que o nosso ordenamento legal conceba um sistema judiciário cuja organização funcione de modo a executar concretamente o paradigma de direito processual definido pela Constituição Federal. Longe de serem inéditas, essas observações permitem a conclusão de que não há como efetivar a garantia do devido processo legal sem possibilitar, mediante recursos dirigidos a outra instância judiciária, a revisão das decisões emanadas do primeiro grau de jurisdição, quando estas forem suspeitas de error in judicando ou error in procedendo, pois é certo que a criação de restrições indiscriminadas ao direito de recorrer ao segundo grau de jurisdição aniquilaria uma significativa parcela dos atributos que o processo judicial precisa reunir para ser considerado devido. Por esses motivos, ninguém pode duvidar que o duplo grau de jurisdição constitui um valor congênito ao princípio constitucional do devido processo legal. Ademais, é importante observar que o artigo 92 da Constituição Federal empregou sucessivas vezes a mesma fórmula ao instituir os juízes e os tribunais regionais federais, os juízes e os tribunais do trabalho, os juízes e os tribunais eleitorais, os juízes e os tribunais militares, os juízes e os tribunais dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios, fórmula essa que constituiu diferentes graus de jurisdição justamente para poder concretizar o imperativo constitucional contido no inciso LV do artigo 5º e permitir a revisão das decisões judiciais, notadamente daquelas proferidas no primeiro grau de jurisdição. Mas as evidências da natureza constitucional do princípio do duplo grau de jurisdição não se esgotam nessas constatações. Com efeito, perceba que a Constituição Federal possui vários dispositivos que disciplinam as competências dos tribunais e não esconde a preocupação de proporcionar o acesso dos jurisdicionados a uma segunda instância judiciária, para a revisão das decisões resultantes do primeiro grau de jurisdição. Com efeito, na aliena “a” do inciso II do artigo 102 o texto constitucional defere ao Supremo Tribunal Federal a competência para julgar o recurso ordinário manejado contra decisão denegatória de habeas-corpus, habeas-data, mandado de injunção ou mandado de segurança da competência originária dos tribunais superiores, vale dizer, quando estes tribunais atuarem como órgãos judiciais de única instância no julgamento dessas quatro ações constitucionais. Já a alínea “b” do inciso II do artigo 105 da Constituição da República atribui ao Superior Tribunal de Justiça a competência para julgar recurso ordinário interposto contra decisão denegatória em mandado de segurança decidido em única instância pelos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios. Isso significa que também se insere nas funções do Superior Tribunal de Justiça o exercício de competência típica de um órgão judicial situado no segundo grau de jurisdição. Por sua vez, o inciso II do artigo 108 da Constituição Federal confere aos tribunais regionais federais a competência para julgar, em sede de recurso e no segundo grau de jurisdição, as causas decididas pelos juízes federais e pelos juízes estaduais no exercício da competência federal da área de sua jurisdição, o que robustece ainda mais a tese de que o duplo grau de jurisdição é um princípio constitucional. Por simetria ao inciso II do artigo 108 e porque o artigo 125 da Constituição Federal determinou que os Estados organizassem suas próprias Justiças com observância dos princípios nela estabelecidos, as Constituições Estaduais e as leis locais de organização judiciária devem conter dispositivos semelhantes atribuindo aos respectivos tribunais a competência para julgar, em grau de recurso, as causas decididas no primeiro grau de jurisdição pelos juízes de direito. Colocada a questão nesses termos, ao contrário das conclusões a que chegou o ministro MOREIRA ALVES no agravo regimental interposto no agravo de instrumento nº 151.641-CE, não se diga que os referidos dispositivos constitucionais encerram meras regras de competência, sem lastro nos princípios que vertem da Constituição Federal. Com a devida vênia daqueles que defendem a tese preconizada pelo Supremo Tribunal Federal, tomá-la em comunhão implica reduzir a hermenêutica constitucional a um singelo ato de leitura da norma, alheio à eficácia de vários outros métodos de interpretação normativa, entre os quais estão o sistemático, o histórico, o lógico e o autêntico. Em verdade, no atual estágio da consciência jurídica alçada pela doutrina brasileira, a única discussão legítima que se pode admitir em torno do duplo grau de jurisdição não reside propriamente na natureza constitucional desse princípio, mas sim em que circunstâncias e até que ponto ele pode ser mitigado quando concorrer com outra garantia constitucional, a exemplo da razoável duração do processo e da efetividade das decisões judiciais. Uma franca demonstração de que podem ocorrer situações em que dois ou mais princípios constitucionais de direito processual aparentemente se antagonizam está nos parágrafos 3º e 4º do artigo 1.013 do Código de Processo Civil, que autorizam o tribunal a julgar desde logo o mérito do processo, sem devolver os autos à instância de origem, quando prover a apelação para reformar a sentença apoiada no artigo 485, decretar a nulidade da sentença que não guardar congruência com os limites do pedido ou da causa de pedir, constatar a omissão no exame de um dos pedidos, decretar a nulidade da sentença por falta de fundamentação ou reformar aquela que reconhecer a decadência ou a prescrição. Nessa particular situação, não é difícil constatar a prevalência do princípio da razoável duração do processo, pois o pedido inicial será decidido em única instância. Contudo, se o processo não estiver em condições de imediato julgamento, o tribunal deverá restituir os autos ao juiz da causa para a emissão da sentença de mérito, contra a qual caberá nova apelação, o que fará prevalecer o duplo grau de jurisdição sobre aquela garantia constitucional. Com esse simples exemplo, fica claro que o duplo grau de jurisdição é um princípio intimamente associado à segurança jurídica e que, ademais, é absolutamente natural a concorrência episódica dele com outros valores igualmente constitucionais relacionados ao direito processual civil. Portanto, o que verdadeiramente importa ao legislador infraconstitucional é a identificação das grandezas jurídicas em jogo nessas situações fortuitas e o equacionamento de todas elas à luz do devido processo legal. Entretanto, isso não autoriza negar ao duplo grau de jurisdição o status de princípio constitucional, ainda que se imponham a ele flexibilidades que não comprometam a segurança do processo, mesmo porque se é certo que a legislação processual ainda comporta aperfeiçoamentos tendentes a agregar velocidade à prestação jurisdicional, é igualmente correto que as maiores causas da demora nos serviços forenses estão ligadas à incúria do Estado de bem aparelhar e administrar o Poder Judiciário. O princípio da taxatividade - Certo de que os processos judiciais servem à resolução de situações jurídicas problemáticas que não foram ou não puderam ser solucionadas no plano extrajudicial, a Constituição Federal preocupou-se em garantir uma duração razoável para eles (CF, art. 5º, inc. LXXVIII), com o objetivo de promover a pacificação social e a segurança das relações jurídicas entre os indivíduos. Naturalmente, a busca pela duração razoável dos processos impõe a necessidade de limitar as espécies recursais admissíveis pelo sistema legal brasileiro e as situações em que elas podem ser manejadas, sob pena de contribuir para a eternização dos conflitos de interesses. É por essas razões que os recursos existem em número taxativo dentro do nosso ordenamento jurídico, o que permite a conclusão de que os litigantes não têm poder para criar outras modalidades recursais além daquelas previstas em lei. No Código de Processo Civil, os recursos catalogados pelo artigo 994 são a apelação, o agravo de instrumento, o agravo interno, os embargos de declaração, o recurso ordinário, o recurso especial, o recurso extraordinário, o agravo em recurso especial e em recurso extraordinário, bem como os embargos de divergência. Porém, estes não são os únicos recursos existentes no processo civil, já que existem leis extravagantes disciplinando outras espécies e o artigo 1.070 do Código torna legítimos os agravos previstos nos regimentos internos dos tribunais. A título de exemplo, os artigos 41 a 43 da Lei nº 9.099/95 regulam o recurso inominado da sentença com ou sem resolução de mérito emanada de Juizado Especial Cível, ao passo que o artigo 34 da Lei nº 6.830/80 tipifica os embargos infringentes da sentença proferida em execução fiscal de valor igual ou inferior a cinquenta Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional, considerando o montante da dívida monetariamente atualizado, assim também os acréscimos de multa, juros de mora e demais encargos legais, na data da distribuição da petição inicial. Porque apenas são considerados recursos os instrumentos legais que a legislação especifica como tal, os requerimentos de reconsideração oponíveis contra certas decisões interlocutórias, a remessa oficial prevista pelo artigo 496 e a correição parcial encontrada nos regimentos internos dos tribunais não têm caráter recursal, ainda que exerçam finalidades semelhantes. O princípio da unirrecorribilidade - O princípio da unirrecorribilidade impede que o mesmo legitimado interponha, simultaneamente, dois ou mais recursos contra a mesma decisão, ainda que o pronunciamento impugnado apresente uma variedade de defeitos que justifique o uso de diferentes modalidades recursais. Em outros termos, diante de um ato decisório, cada legitimado só pode interpor um único recurso na mesma oportunidade processual, sob pena de não recebimento daquele que for apresentado na sequência do primeiro. Contudo, não há que se falar em violação à singularidade recursal nos processos em que houver mais de um legitimado e cada um deles manejar apenas um recurso contra a mesma decisão, situação essa bastante frequente nos casos de sucumbência recíproca, litisconsórcio, assistência, intervenção do Ministério Público, assim também quando o pronunciamento decisório produz algum prejuízo jurídico para terceiro. Por força do princípio da unirrecorribilidade, se a decisão judicial veicular algum erro de julgamento ou de procedimento e for obscura, contraditória, omissa ou abrigar algum erro material, o legitimado precisará opor em primeiro lugar os embargos de declaração, a fim de esclarecê-la, integrá-la ou corrigi-la materialmente, até porque a interposição dos aclaratórios interrompe os prazos dos demais recursos para o embargante (art. 1.026). Decididos os embargos e intimado o recorrente, volta a contar por inteiro o prazo para o oferecimento do recurso sucessivo tendente à neutralização do erro de julgamento ou de procedimento. Na sistemática adotada pelo Código de 2.015, a interposição dos embargos de declaração contra a sentença do juizado especial cível também interrompe o prazo do recurso inominado, que é de 10 dias contados da ciência da decisão (art. 1.066). Por essa razão, decididos os aclaratórios e intimado o recorrente, o prazo daquele recurso é restabelecido integralmente (Lei nº 9.099/95, art. 50). Situação similar ocorre com os embargos de divergência, quando apresentados no Superior Tribunal de Justiça, pois a interposição deles também interrompe o prazo do recurso extraordinário. Porém, ao contrário do que ocorre com os embargos de declaração, essa interrupção beneficia não só o recorrente, mas todos os legitimados recursais, embora o § 1º do artigo 1.044 apenas faça referência às partes. Portanto, publicada a decisão nos embargos de divergência, inicia-se novamente o prazo de quinze dias para a interposição daquele recurso ao Supremo Tribunal Federal. Por último, registre-se que a única exceção ao princípio da unirrecorribilidade está prevista no artigo 1.031, que permite a interposição conjunta do recurso especial e do recurso extraordinário quando o recorrente afirmar que a decisão impugnada ofendeu, simultaneamente, norma constitucional e de direito federal. O princípio da vedação da reformatio in pejus - O princípio da vedação da reformatio in pejus é uma decorrência do princípio dispositivo, cuja acepção clássica defere às partes toda iniciativa relacionada à instauração e ao desenvolvimento do processo, o que inclui o poder para desistir da ação, deixar de alegar fatos que possam prejudicá-las no julgamento deste, restringir a atuação jurisdicional conforme o pedido formulado, não produzir provas além daquelas que são do seu interesse, prerrogativas essas que limitam sobremodo o espaço dentro do qual os órgãos judiciais podem se movimentar no processo, mas que se justificam parcialmente devido à necessidade de garantir a impartialidade com que os juízes e tribunais devem exercer suas funções, bem como a imparcialidade dos magistrados neles investidos. Antes mesmo da adoção do modelo social do processo, o princípio dispositivo já havia sofrido importantes mitigações pela legislação processual, pois a influência desmedida dele é capaz de enredar situações de iniquidade na composição das lides submetidas à apreciação do Poder Judiciário. Tanto é assim que o artigo 2º do Código de 2.015 preocupou-se em reproduzir a fórmula encontrada no artigo 262 do Código de 1.973 e atribuiu ao juiz o poder para impulsionar a tramitação do processo, não obstante defira à parte a prerrogativa de promover-lhe o início mediante o ajuizamento da ação adequada. Outro relevante abrandamento do princípio dispositivo encontra-se no artigo 370 do novo Código, pois nele há a previsão de que cabe ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias ao julgamento do mérito, razão pela qual o órgão judicial não permanece adstrito às provas pretendidas pelas partes e pode ordenar a produção de outras tendentes a revelar a verdade real. Apesar das restrições que sofreu ao longo do tempo, o princípio dispositivo ainda está presente em várias passagens do Código de 2.015. A título de exemplo, o artigo 141 estabelece que o juiz decidirá o mérito do processo nos limites propostos pelas partes, sendo-lhe vedado conhecer de questões não suscitadas e a cujo respeito a lei exige iniciativa da parte. Por sua vez, o artigo 492 proíbe o juiz de proferir decisão de natureza diversa da pedida e de condenar a parte em quantidade superior ou em objeto diverso do que lhe foi demandado, vedação essa que também se aplica aos tribunais, assim como a regra contida no artigo 141. Com essas considerações, fica claro que o exercício da atividade jurisdicional normalmente permanece subordinado à provocação da parte, que tem o poder de delimitar a atuação dos órgãos judiciais, conforme o pedido que apresentar a eles. É exatamente daí que decorre a impossibilidade de o juiz ou tribunal decidir qualquer recurso de modo a agravar a situação jurídica do sucumbente recíproco que recorrer sozinho, pois a falta de pretensão recursal da outra parte limita a operação do órgão judicial competente para o julgamento e atrai a proibição da reformatio in pejus. A propósito, sabe-se que as decisões judiciais podem impor derrotas simultâneas a ambas as partes, caso em que elas estão autorizadas a recorrer para tentar eliminar a prejuízo provocado pelo pronunciamento impugnado. Quando ambas manejarem recursos, o julgamento destes poderá acarretar a modificação da decisão recorrida para colocar qualquer dos recorrentes em uma situação jurídica mais vantajosa do que aquela em que ele se encontrava, do que decorrerá o natural agravamento da situação da parte contrária, sem que se possa falar na proibição da reformatio in pejus. No entanto, se houver sucumbência recíproca e apenas uma das partes recorrer, o julgamento da respectiva pretensão não poderá piorar a situação jurídica do recorrente, mesmo porque a parte antagônica não formulou pedido recursal nesse sentido. Fala-se, pois, no princípio da vedação da reformatio in pejus. À guisa de exemplo, imagine uma ação de conhecimento em que o autor postule a condenação do réu ao pagamento de R$100.000,00 de indenização por danos materiais e que a sentença julgue parcialmente procedente o pedido inicial para impor ao demandado a obrigação de pagar apenas R$50.000,00. Neste caso, se apenas o autor apelar da sentença, é vedado ao tribunal reduzir o valor arbitrado na primitiva decisão, pois o réu se absteve de recorrer para tanto. Apesar de corresponder a um princípio fundamental dos recursos, a vedação da reformatio in pejus comporta exceção, pois há determinadas matérias que os órgãos judiciais estão autorizados a declarar independentemente de alegação do recorrido, caso em que haverá o agravamento da situação jurídica do recorrente, mesmo sem recurso da parte contrária. As matérias que podem ser conhecidas de ofício são chamadas de ordem pública e estão ligadas às condições da ação, aos pressupostos processuais, aos requisitos de admissibilidade dos recursos, além da prescrição, da decadência e daquelas relacionadas no artigo 337, exceto a convenção de arbitragem e a incompetência relativa. Portanto, também são matérias de ordem pública a inexistência ou a nulidade da citação, a incompetência absoluta, a incorreção do valor da causa, a inépcia da petição inicial, a perempção, a litispendência, a coisa julgada, a conexão, a incapacidade da parte, o defeito de representação, a falta de autorização, a ausência de legitimidade, de interesse processual, de caução ou de outra prestação que a lei exige com preliminar, bem assim a concessão indevida do benefício da gratuidade da justiça, matérias essas que não se sujeitam à preclusão em virtude do § 5º do artigo 337 e do § 3º do artigo 485. Por último, registre-se que a Súmula 45 do Superior Tribunal de Justiça, embora editada sob a égide do Código de 1.973, proíbe o tribunal de agravar a condenação da Fazenda Pública no julgamento da remessa necessária, que agora se acha prevista pelo artigo 507 do novo Código. O princípio da fungibilidade recursal - Como será demonstrado com maior verticalidade quando examinarmos o juízo de admissibilidade dos recursos, o recebimento deles para processamento e julgamento sempre fica na dependência do preenchimento de um conjunto de pressupostos, dentre os quais se acha a adequação recursal, que consiste na utilização do instrumento processual compatível com o pronunciamento decisório que se pretende impugnar e com a espécie de vício indicado pelo recorrente. É assim porque a legislação processual prevê uma razoável gama de recursos, uma variedade de decisões judiciais passíveis de revisão, uma diversidade de defeitos que podem caracterizá-las e considera todos esses componentes na definição da modalidade recursal apropriada para cada situação, o que retira dos respectivos legitimados o poder de escolher aleatoriamente qual recurso manejar e obsta o recebimento da espécie inadequada ao caso concreto. Apesar da admissibilidade dos recursos depender da adequação deles, o Código de 1.939 veiculava uma importante regra de abrandamento desse pressuposto legal, quando estabelecia que, salvo na hipótese de erro grosseiro ou má-fé, a parte não seria prejudicada pela interposição de um recurso em lugar de outro e que os respectivos autos deviam ser enviados à turma ou câmara competente para o julgamento (art. 810). Para essa possibilidade excepcional de aceitação de um recurso por outro, a doutrina atribuiu o nome de fungibilidade recursal e continuou a admiti-la na vigência do Código de 1.973, não obstante a ausência de previsão expressa nesse sentido, contanto que se caracterizasse dúvida objetiva sobre qual recurso interpor. A propósito, existe esse padrão de dúvida sempre que a legislação não detalhar a natureza do pronunciamento judicial passível de impugnação ou não especificar o recurso manejável contra ele, ocasionando divergências nos campos doutrinário e jurisprudencial. Assim como o Código de 1.973, o Código de 2.015 não disciplinou a fungibilidade recursal em termos abrangentes, o que deve ser entendido como um silêncio normativo eloquente, posto que pautado na ideia de que a aplicação da nova legislação processual não suscitará dúvidas objetivas a respeito da adequação dos recursos, em razão da sua aparente simplicidade. No entanto, vale a advertência de que não é a primeira vez que se realiza uma conjectura legislativa com essa magnitude e que somente o cotidiano forense será capaz de experimentá-la, quer para descartar a ampla adoção desse princípio ou para repristiná-lo com o mesmo vigor que lhe foi atribuído nas últimas décadas. As duas únicas situações em que o novo estatuto tolera a fungibilidade recursal estão no parágrafo 3º do artigo 1.024 e no artigo 1.032. O primeiro deles permite que o órgão julgador conheça dos embargos de declaração como agravo interno, se entender ser este o recurso cabível, caso em que deverá determinar previamente a intimação do recorrente para, no prazo de cinco dias, complementar as razões recursais, de modo a ajustá-las às exigências do artigo 1.021, parágrafo 1º. Por sua vez, o artigo 1.032 estabelece que o relator do recurso especial deve conceder o prazo de quinze dias para que o recorrente demonstre a existência da repercussão geral e se manifeste sobre a questão constitucional versada no processo, caso se convença de que a decisão recorrida comporta recurso extraordinário, operando uma autêntica substituição entre eles.
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MACIEL, Daniel Baggio. Os princípios fundamentais dos recursos no novo Código de Processo Civil. Página eletrônica Isto é Direito. Janeiro de 2015.
NOTA RELEVANTE: Este artigo foi composto segundo os dispositivos constantes do projeto de lei que institui o novo Código de Processo Civil. 

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