Porque constituem expressão da função jurisdicional
da qual o Estado está investido, as decisões judiciais são proferidas para
serem aplicadas imperativamente, não para que permaneçam apenas no plano da
dialética entre o juiz e as partes. É esta a razão pela qual os pronunciamentos
jurisdicionais são naturalmente dotados de eficácia, isto é, de força e de
efeitos. O efeito suspensivo consiste justamente na capacidade que alguns
recursos possuem de sustar essa efetividade congênita das decisões judiciais,
impedindo que elas sejam prontamente implementadas. No sentido mais amplo desta
expressão, ele obsta a executividade do pronunciamento jurisdicional, enquanto
o respectivo recurso não for decidido. Este efeito suscita um conjunto de particularidades
que merecem enfrentamento desde logo. Uma delas diz respeito à extensão da suspensividade, quando o
recurso interposto impugna somente uma parcela ou capítulo do pronunciamento
jurisdicional, a exemplo da apelação que se insurge apenas contra um dos
pedidos julgados procedentes na sentença. Em princípio, nesta particular
situação, a suspensividade do recurso compreenderá apenas aquela fração do
julgado que foi objeto de impugnação, o que permitirá a efetivação imediata das
demais que não foram contrastadas e que, portanto, se tornaram incontroversas. Contudo,
pode ocorrer de a parcela do pronunciamento abrangida pelo recurso guardar uma relação
de dependência com outra que não foi por ele compreendida, o que provoca a ampliação
da suspensividade para também alcançá-la, a exemplo da apelação que impugna a
rescisão contratual decretada no julgado, mas que não contrasta a multa legal
ou pactual imposta em razão dela, bem assim o recurso que contraria a
condenação ao pagamento de uma indenização, mas que não se insurge contra os
juros aplicados sobre o respetivo valor. Outra situação importante acabou normatizada
pelo artigo 1.005 do Código. Por força dele, quando há litisconsortes e apenas
um (ou alguns) deles recorrer, o efeito suspensivo se estende aos demais,
exceto se os seus interesses forem distintos ou opostos. Exemplo da primeira
parte desta regra é o do litisconsorte passivo que recorre sustentando não
existir defeito no negócio jurídico do qual participou com os demais réus, caso
em que a suspensividade do recurso favorece todos eles. Protótipo da parte
final do artigo 1.005 é o do litisconsorte que recorre contra o indeferimento
de indenização decorrente de acidente automobilístico, enquanto a outra vítima
se mantém inerte diante da sentença e, por esta razão, acaba demandada na
execução dos honorários de sucumbência. Ainda resta considerar que o efeito
suspensivo pode ser legal ou decisional, divisão esta que emana do artigo 995. Legal
é a suspensividade imposta por dispositivo de lei e que se opera com a simples
interposição do recurso, não obstante a manutenção dela fique na dependência da
admissibilidade do recurso, cujo pronunciamento é dotado de eficácia meramente
declaratória e, portanto, retroativa ao momento da interposição. Exemplo de norma
legal impondo o efeito suspensivo está no caput do 1.012, segundo a qual a
apelação tem o efeito suspensivo, exceto nas situações relacionadas no
parágrafo 1º e em outras hipóteses previstas em lei. Decisional é a
suspensividade deferível pela autoridade judicial, se satisfeitos os
pressupostos definidos pelo parágrafo único do artigo 995, a saber: a) requerimento
do recorrente; b) risco de dano grave, de difícil ou impossível reparação,
derivado da efetivação imediata da decisão recorrida; c) demonstração da
probabilidade do provimento do recurso. Apesar da razoável clareza do referido
parágrafo, ele comporta algumas reflexões que podem escapar ao intérprete menos
atento. A primeira é a de que não é legítimo impor ex officio a suspensão da
eficácia da decisão recorrida, mas apenas se o recorrente pretendê-la, até porque
a parte final deste dispositivo legal exige que ele demonstre a probabilidade
de provimento do recurso, não apenas que a autoridade judicial competente para
apreciá-lo se convença desta plausividade. A segunda explicação está
relacionada ao risco de dano grave, de difícil ou impossível reparação,
decorrente da eficácia do pronunciamento jurisdicional impugnado. O risco aqui
mencionado denota um juízo de mera probabilidade do dano emanável da decisão
recorrida, não de certeza da causação dele. Portanto, não é preciso que o órgão
judicial se certifique de que a decisão contrastada provocará lesão ao
recorrente, senão apenas que tenha a perspectiva de que o dano é factível.
Porém, também não basta a simples ilação de algum prejuízo jurídico para aquele
maneja o recurso. Ao contrário disso, é necessário que o órgão judicial se
convença da potencialidade concreta dele, isto é, que a lesão é consequência
natural ou circunstancial da efetividade da decisão contestada. Aliás,
entende-se por dano grave a lesão jurídica capaz de impedir ou de dificultar
sobremodo exercício do direito do qual o jurisdicionado é titular, no que se
inclui o risco ao resultado útil do próprio recurso, do processo ou de alguma
das suas fases. Por sua vez, a dificuldade ou a impossibilidade de reparação
deste dano não se relaciona com o ressarcimento monetário da lesão cuja ocorrência
é provável, mas sim com entraves importantes para a recondução das partes ao
estado em que elas se encontravam antes da causação dele. Logo, se a autoridade
judicial antever embaraço importante para a restauração da situação fática ou
jurídica em que as partes se encontravam antes do julgamento final do recurso,
satisfeito está este pressuposto de concessão do efeito suspensivo. Enfim, só
resta lembra que a regra contida no caput do artigo 995 é a de que os recursos
previstos pelo Código não impedem a eficácia da decisão, além do que o
deferimento da suspensividade recursal é medida excepcional, que não se insere
no poder discricionário dos magistrados. Corresponde, isto sim, a um poder
vinculado aos pressupostos examinados, tanto que a decisão que defere ou
indefere o pedido de efeito suspensivo comporta impugnação mediante novo
recurso, geralmente o agravo interno (art. 1.012).
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MACIEL, Daniel Baggio. O efeito suspensivo nos recursos do novo Código de Processo Civil. Isto é direito: Araçatuba, 2018.
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