Além dos pressupostos de admissibilidade examinados nos
artigos antecedentes, o recebimento dos recursos para processamento e
julgamento também depende da inexistência de fato impeditivo ou extintivo do
direito de recorrer. Dentro desse gênero de fatos processuais estão desistência do
recurso, a renúncia ao direito de recorrer e a aceitação da decisão. A primeira
corresponde a um fato extintivo do recurso, ao passo que as duas últimas
constituem fatos impeditivos do direito de manejá-lo. Aceitação da decisão - Se os legitimados recursais podem
impugnar os pronunciamentos jurisdicionais, é intuito que eles também podem
aceitá-los. Logo, pode-se dizer que a aceitação da decisão consiste em uma
manifestação unilateral de vontade, mediante a qual o legitimado exterioriza,
de forma tácita ou expressa, sua aquiescência aos termos do julgado (art.
1.000). A aceitação expressa ocorre quando aquele que titulariza o poder de
recorrer insere textualmente nos autos sua concordância com determinada decisão
judicial, o que exige do advogado poderes especiais outorgados por seu
constituinte (art. 105). A aceitação tácita se aperfeiçoa quando o legitimado recursal
pratica, sem qualquer reserva, algum ato incompatível com a vontade de impugnar
o pronunciamento jurisdicional (art. 1.000, parágrafo único), a exemplo do inquilino
que desocupa espontaneamente o imóvel objeto da locação, após tomar ciência da
decisão que decreta o desalijamento. Porém, vale a advertência de que a
aceitação tácita pressupõe a realização de algum comportamento que releve, de
modo inequívoco, a intenção de anuir ao julgado, afinal, ela corresponde a um
ato restritivo do direito de recorrer e, por essa razão, deve ser interpretada
restritivamente. É por isso que não deve ser entendida como aceitação tácita a
conduta do réu que cumpre determinada decisão cominatória, sob pena de incorrer
em multa diária computada desde a intimação. Independentemente de ser expressa
ou tácita, a aceitação da decisão acarreta a preclusão lógica do direito de
recorrer, não reclama autorização da parte contrária ou do eventual
litisconsorte, prescinde de homologação judicial e produz efeito imediato. Renúncia ao direito de recorrer - Certo
de que o recurso é um direito processual, não há dúvida de que as
partes absolutamente capazes podem dispor livremente dele, após a emissão do
pronunciamento jurisdicional, independentemente da natureza disponível ou não
do direito rivalizado no processo (art. 999). É assim porque a renúncia ao recurso não
alcança o direito material titularizado por aquele que renunciou. Embora a
doutrina majoritária edificada sob a égide do Código de 1.973 não admitisse a
renúncia prévia ao direito de recorrer, o artigo 190 do Código de 2.015 eliminou a controvérsia sobre o tema ao prever que, versando a causa
sobre direitos que admitam autocomposição, é lícito às partes plenamente
capazes convencionar sobre seus ônus, poderes, faculdades e deveres
processuais, antes ou durante o processo. Logo, se o direito envolvido no
processo tolerar autocomposição, os jurisdicionados dotados de capacidade civil
plena estão autorizados a celebrar um negócio jurídico, antes mesmo de
instaurada a relação processual ou no curso dela, contendo a renúncia ao
direito de recorrer, inclusive em caráter antecedente ao pronunciamento
jurisdicional nela compreendido. Aliás, a leitura atenta do citado artigo 190
também permite a conclusão de que é igualmente possível a pactuação da chamada
“cláusula de reserva”, em que a parte ressalva o poder de recorrer em determinadas
circunstâncias especificadas na convenção firmada com a outra. Exemplo desse
tipo de negócio processual é aquele em que as partes limitam os graus de
jurisdição a que submeterão a apreciação da lide. No entanto, é necessário
realçar que, nos termos do parágrafo único do artigo 190, incumbe ao juiz da causa
controlar a validade dessa espécie de convenção e recusar a aplicação dela nos
casos de nulidade ou inserção abusiva em contrato de adesão ou no qual a parte
se achar em manifesta situação de vulnerabilidade, seja ela demandante ou
demandada. Ademais, assim como a aceitação da decisão, a renúncia exige poderes
especiais do advogado do renunciante (art. 105), prescinde de autorização da
parte contrária e do litisconsorte, dispensa homologação judicial e produz
efeito imediato. Porque ela restringe o exercício de uma faculdade processual,
a renúncia também deve ser interpretada restritivamente e não se sujeita a
retratação dentro do processo. Desistência
do recurso - A desistência consiste em uma manifestação unilateral da
vontade do recorrente de que o recurso já manejado não seja decidido. Portanto,
a desistência difere da renúncia porque esta é realizada em caráter antecedente
e impede a utilização do recurso, ao passo que aquela é sempre subsequente e
extingue o direito de recorrer. Nos moldes do artigo 105, a desistência
igualmente exige poderes especiais do advogado do recorrente e, segundo a
dicção ao artigo 998, ela pode ser apresentada a qualquer tempo, ficando dispensada a anuência
do recorrido ou dos litisconsortes. Porém, conforme previsto pelo parágrafo único do
artigo 998, a desistência do recurso não impede a análise da questão
cuja repercussão geral já tenha sido reconhecida e daquela objeto de julgamento
de recursos extraordinários ou especiais repetitivos. Isto significa que, proclamada
a repercussão geral em determinado recurso extraordinário ou selecionado
qualquer desses recursos para julgamento por amostragem, a desistência formulada
pelo recorrente não impedirá que o tribunal examine a questão neles suscitada. Deve
ser assim porque o reconhecimento da repercussão geral da questão
constitucional discutida no recurso extraordinário certifica a existência de
controvérsia relevante do ponto de vista econômico, político, social ou
jurídico, que ultrapassa os interesses subjetivos na causa e cuja resolução não
interessa apenas ao recorrente que dele desistiu. O mesmo ocorre quando o
recurso especial ou extraordinário já foi admitido para processamento e
julgamento por amostragem, pois a apreciação da questão neles discutida passa a
interessar a todos os jurisdicionados que, embora em processos distintos, se
encontrem na mesma situação jurídica debatida pelo recorrente e que será
examinada pelo Superior Tribunal de Justiça ou Supremo Tribunal Federal,
respectivamente. Daí porque não faz sentido aplicar o inciso III do artigo 932
para, simplesmente, obstar o seguimento do recurso alcançado pela desistência nessas circunstâncias.
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MACIEL, Daniel Baggio. A aceitação da decisão, a renúncia
ao direito de recorrer e a desistência do recurso no novo Código de Processo
Civil. Página eletrônica Isto é Direito. Abril de 2015.
NOTA RELEVANTE: Este artigo foi composto segundo as
previsões constantes do projeto de lei que institui o novo Código de Processo
Civil.
3 comentários:
Sempre muito claro!
Saudades de suas aulas!
Artigo perfeito!! Claro, objetivo, com uma lógica impressionante. Parabéns!!
Professor gostaria de te agradecer! Simplesmente fantástico. Explicação super detalhada e completa. Virei fã da sua página. Continua nos ajudando por favor!!! Deus o abençoe.
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