quinta-feira, 12 de março de 2015

O INTERESSE RECURSAL NO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

Em linhas gerais, pode-se dizer que há interesse recursal quando houver a “necessidade” da utilização do recurso para alcançar a revisão de algum pronunciamento jurisdicional que, pretensamente, estiver caracterizado por um erro de julgamento ou de procedimento, obscuridade, contradição, omissão ou algum erro material. Contudo, é importante frisar que o interesse recursal não depende da existência concreta de qualquer desses vícios, mas sim da verificação de algum deles sob a perspectiva do legitimado, que fundar o recurso na falta de simetria entre a sua pretensão e o resultado da decisão, em alguma nulidade capaz de impactar na validade dela, na ausência de clareza do pronunciamento jurisdicional, na inserção de proposições inconciliáveis na dicção dele, na abstenção do exame de algum ponto ou questão sobre a qual o órgão julgador devia se pronunciar ou, então, em alguma imprecisão de grafia cuja correção entenda necessária para evitar prejuízo. Embora sutil, essa ressalva é importante para mostrar que o reconhecimento judicial da inexistência concreta desses vícios não determina a inadmissão do recurso, mas sim o desprovimento dele. Trata-se, pois, de um julgamento de mérito, não de um pronunciamento sobre a admissibilidade do recurso, que se contenta com o apontamento nuclear de qualquer das situações em referência. Em termos mais singelos, mas sem embargo da orientação doutrinária que costuma associar o interesse recursal à sucumbência, preferimos traduzir esse pressuposto de admissibilidade dos recursos na “lesividade” gerada pela decisão judicial a quem figura como parte, ao terceiro que detenha interesse jurídico no resultado do processo, ao interesse ou ao sujeito cuja qualidade determinou a iniciativa ou a intervenção processual do Ministério Público, à coletividade substituída em juízo por algum legitimado extraordinário. A propósito, não há dúvida de que a existência da sucumbência é indicativa da lesividade debitável à decisão judicial, mas é imperioso observar que essa expressão é bem mais abrangente e compreende não só a derrota no pronunciamento jurisdicional, mas também a nulidade da decisão, a obscuridade, a contradição, a omissão e o erro material, pois todos esses defeitos são capazes de desencadear algum tipo de prejuízo. Não fosse assim, não seria possível explicar o interesse recursal do “parquet” nos processos em que ele funciona como fiscal da ordem jurídica, afinal, nessa qualidade o Ministério Público jamais é sucumbente. Do mesmo modo, não haveria como justificar o interesse nos embargos de declaração, que podem ser opostos não só pela parte sucumbente, mas também por aquela que sair vitoriosa no pronunciamento jurisdicional, pelo terceiro prejudicado e pelo Ministério Público, quer na qualidade de parte ou de “custos legis”. Além disso, há casos em que mesmo a parte vitoriosa possui interesse na utilização do recurso para reformar o pronunciamento jurisdicional que lhe é dirigido. É o que ocorre quando o fundamento aduzido na decisão for suscetível de causar algum gravame ao vencedor, o que não ocorreria se o pronunciamento jurisdicional viesse apoiado em fundamento diverso, tal qual a sentença que não acolhe a alegação de pagamento nos embargos do devedor, mas que extingue a execução de título extrajudicial em virtude do reconhecimento da prescrição suscitada pelo embargante, caso em que o embargado pode retornar a juízo mediante sucessiva ação cognitiva. No mais, é preciso acrescentar que apenas há interesse recursal, na modalidade “necessidade”, quando a legislação processual não disponibilizar ao legitimado outro meio mais singelo para contrastar a decisão judicial e obter o resultado idêntico àquele que seria proporcionado pelo recurso. A título de exemplo, não há interesse na utilização de recurso contra a decisão que proclama a existência dos respectivos pressupostos de admissibilidade e determina o processamento dele, pois o recorrido pode questionar esse pronunciamento jurisdicional em sede de contrarrazões. É exatamente por essa razão que o parágrafo 6º do artigo 1.007 torna irrecorrível da decisão com a qual o relator relevar a pena de deserção e fixar prazo para a efetivação do preparo, afinal, o recorrido pode suscitar essa questão em sua resposta recursal, oportunidade em que também lhe é assegurado contrariar o motivo afirmado pelo recorrente para não haver satisfeito esse pressuposto de admissibilidade no ato da interposição do recurso.
______________
MACIEL, Daniel Baggio. O interesse recursal no novo Código de Processo Civil. Página eletrônica Isto é Direito. Fevereiro de 2015. 
NOTA RELEVANTE: Este artigo foi composto segundo os dispositivos constantes do projeto de lei que institui o novo Código de Processo Civil.

Nenhum comentário: