domingo, 29 de março de 2009

ALGUMAS ESPÉCIES DE BUSCA E APREENSÃO

Embora o Livro III do Código discipline a medida e o procedimento de busca e apreensão, nem todas as medidas jurisdicionais assim intituladas são dotadas de cautelaridade. Em verdade, o direito brasileiro prevê várias providências judiciais com essa nomenclatura, mas nem todas elas visam à mera asseguração de um direito provável contra o estado de perigo. Por essa razão é que, não raramente, alguns operadores do Direito incorrem em erro ao tratá-las todas como se cautelares fossem e as postulam, indiscriminadamente, sob os fundamentos do "fumus boni iuris" e do "periculum in mora". À guisa de exemplo, certa vez tivemos a oportunidade de contestar uma ação de busca e apreensão intentada como demanda cautelar por uma mãe para reaver a filha menor que estava temporariamente sob os cuidados de uma vizinha. A menor, severamente castigada pela genitora, empreendeu fuga e alojou-se emergencialmente na residência da nossa assistida, que prestou abrigo à adolescente em situação de risco. Considerando que a mãe estava regularmente investida na guarda, a busca e apreensão almejada não objetivava apenas tutelar temporariamente um direito supostamente afetado pelo risco de dano irreparável ou de difícil reparação, mas sim satisfazer plena e definitivamente a pretensão da genitora de ter a filha menor em sua companhia. Nada obstante, a demanda foi inadvertidamente proposta como cautelar e, com o advento da ordem judicial para a emenda à petição inicial, a autora informou que se tratava de uma "ação cautelar satisfativa" de busca e apreensão, afinal, ela não vislumbrou a necessidade nem a existência de qualquer outra ação processual sucessiva. Com efeito, o primeiro equívoco da requerente consistiu em ajuizar uma ação cautelar de busca e apreensão porque o provimento judicial pretendido iria muito além de simplesmente assegurar um provável direito da mãe sobre a menor. Na verdade, cumprida a busca e apreensão, restaria satisfeito permanentemente para a requerente o seu direito material de ter a filha consigo. Portanto, a ação processual adequada era de conhecimento, não cautelar. O segundo engano foi o de supor a existência de uma medida cautelar satisfativa de busca e apreensão. Ora, se é cautelar não pode ser satisfativa e vice-versa. Tampouco a liminar de busca e apreensão pretendida pela autora possuía cautelaridade, ademais, ela realizaria antecipada e provisoriamente a pretensão deduzida na inicial. Tratava-se, pois, de medida antecipatória subordinada aos requisitos delineados pelo artigo 273 do Código de Processo Civil, enfim, do que comumente se denomina de antecipação de tutela. Com efeito, nenhuma impropriedade haveria se a genitora houve ajuizado uma ação de conhecimento de busca e apreensão com pedido de liminar antecipatória, apontando o procedimento cautelar previsto no Livro III para fazer processar a causa. Isso porque o emprego do rito cautelar para o processo de conhecimento não tem o condão de alterar-lhe a natureza, que permanece cognitiva, e tampouco é capaz de modificar a índole da busca e apreensão, que se conserva satisfativa. A principal utilidade dessa prática processual é acrescer velocidade ao processo de conhecimento que objetiva a busca e apreensão, afinal, o rito cautelar é especial e permite alcançar a fase decisória em menor tempo do que o procedimento ordinário. Trazendo à luz esses mesmos fundamentos, OVÍDIO BAPTISTA revela sua inclinação por esse posicionamento dizendo que: “No que respeita à ação de busca e apreensão de incapazes, de natureza satisfativa e definitiva, Theodoro Júnior (Comentários 276) é de opinião que ela se deva processar como procedimento ordinário, ‘como ação de cognição’. Seu ponto de vista é respeitável. Temos a maior simpatia, porém, pela solução oposta, qual seja, a de dar às demandas de busca e apreensão de incapazes, mesmo quando satisfativas, o rito desta Seção, ao invés de processá-las como demandas de procedimento ordinário”. GARRIDO DE PAULA também compartilha desse entendimento e ensina que: “Seja tutela preventiva ou satisfativa, o procedimento para a obtenção da providência segue os parâmetros indicados nos artigos 839 a 843, importando procedimento especial que, em caso de lacuna, é integrado pelas disposições gerais dos artigos 796 a 812 do CPC.” (1) Também não refutamos o parecer de THEODORO JÚNIOR sobre o tema, porém, não vislumbramos óbice algum em fazer as demandas de busca e apreensão de incapazes serem processadas segundo o procedimento especial regulado a partir do artigo 839, independentemente delas ostentarem índole cautelar ou satisfativa. Entretanto, que não se confundam as noções de ação processual, de medida jurisdicional, de processo judicial e de procedimento! Enfim, tudo o que escrevemos até aqui tem a finalidade de demonstrar que nem toda busca e apreensão é cautelar, ao contrário do que muitos imaginam quando se deparam com a Seção IV do Livro III. Quando a ação processual intentada almejar a busca e apreensão de incapaz irregularmente em poder de terceiro, a demanda é satisfativa. Conseqüentemente, a ação e o processo são de conhecimento, não cautelares. Outro caso corriqueiro em que a ação de busca e apreensão é cognitiva e satisfativa é o do pai divorciado que, após a regulamentação judicial da guarda em favor da esposa, retira o filho menor do lar materno para visitação e o retém indevidamente além do período destinado a esses encontros. Buscado e apreendido o filho menor, o direito material da mãe ficará definitivamente satisfeito, não apenas assegurado por um certo tempo. Contudo, diferente é a situação em que se encontram os pais, casados ou não, quando ainda não houve a definição judicial da guarda do filho menor em favor de um deles. Como ambos possuem o mesmo direito material em relação ao descendente, qualquer ação de busca e apreensão que um ajuíze contra o outro só pode possuir natureza cautelar e deve firmar-se nos pressupostos do "fumus boni iuris" e do "periculum in mora", afinal, aqui não se pode imaginar satisfazer definitivamente a pretensão de um genitor em detrimento do outro, que possui idêntico direito. Como ação genuinamente cautelar, ela gera para o requerente o ônus de propor a ação principal. Por isso é que THEODORO JÚNIOR só reconhece cautelaridade na busca e apreensão quando ela serve “à atuação de outras medidas cautelares ou quando por si só desempenha a função de assegurar o estado de fato necessário à útil e eficiente atuação do processo principal, diante do perigo na demora”, vale dizer, quando ela não tende à realização concreta e definitiva de um direito do requerente sobre a pessoa ou a coisa objeto da providência judicial. (2) Finalmente, é satisfativa e autônoma a ação de busca e apreensão de bem objeto de alienação fiduciária em garantia regulada pelo Decreto-lei 911/1.969. Conhecida como ação de retomada, essa busca e apreensão, tão comum no meio forense, tem a finalidade de reaver o bem cuja aquisição foi proporcionada pelo mútuo contratado com agente financeiro, que reservou para si o direito de propriedade da coisa financiada. O tomador do mútuo que descumprir a obrigação de pagar as prestações ajustadas pode ser demandado na ação de busca e apreensão e perder definitivamente a posse direta do bem. Nessas condições, não é difícil ver que a autonomia e a satisfatividade dessa ação processual tornam desnecessário instaurar qualquer outro procedimento posterior, aliás, conforme assinalado textualmente no § 8º do artigo 3º do referido Decreto-lei.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
1. MACIEL, Daniel Baggio. Processo Cautelar. São Paulo: Editora Boreal, 2012.
2, SILVA, Ovídio Araújo Baptista da. Do Processo Cautelar. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2001.
3. GARRIDO DE PAULA. CPC Comentado. Coordenador Antonio Carlos Marcato. São Paulo: Editora Atlas, 2008.
4. THEODORO JÚNIOR. Processo Cautelar. São Paulo: Editora Leud, 1995.

Um comentário:

Anônimo disse...

Exímio. Obrigado e parabéns pela explicação professor. Gostaria que meu professor fosse melhor formado, pois, infelizmente, só replica conteúdo, e, de no máximo dois autores (Didiê e Marinoni). Obrigado novamente, esclareceu. M. JR. Brasília-DF