quinta-feira, 22 de maio de 2014

DISTINÇÕES ENTRE REMUNERAÇÃO, SALÁRIO, PISO SALARIAL E SALÁRIO-BASE

A literatura jurídica costuma ensinar que a expressão “remuneração” corresponde a um gênero do qual o “salário” é uma espécie, assim também que os salários sempre integram a remuneração do empregado, mas que nem todas as remunerações obteníveis por ele possuem índole salarial. É assim porque, em outros termos, existe uma multiplicidade de vantagens ou benefícios que podem compor a remuneração do trabalhador, porém, sem o status de salário propriamente dito. Não é por outra razão que o artigo 457 da CLT define remuneração como “o conjunto de retribuições recebidas habitualmente pelo empregado pela prestação de serviços, seja em dinheiro ou em utilidade, provenientes do empregador ou de terceiros, mas decorrentes do contrato de trabalho, de modo a satisfazer suas necessidades básicas e de sua família”. Exemplos de parcelas remuneratórias que não possuem natureza salarial são seguro saúde (CLT, art. 458, § 2º, inciso IV), as ajudas de custo utilizadas para o trabalho (TRT-19, RO nº 6.950.020.090.031.900-AL), as diárias de viagem que não excedam a 50% do salário do empregado (CLT, art. 457, § 1º) e a moradia no local da prestação dos serviços, contanto que ela seja indispensável para a execução destes (TST, RR nº 340008/97). A propósito, é digna de nota a Súmula 367 do TST, que nega status salarial à habitação, à energia elétrica, ao veículo e ao cigarro fornecidos ao empregado, este último em virtude da sua nocividade à saúde do trabalhador e os demais quando se revelarem essenciais à efetivação dos serviços que incumbem àquele. É justamente dentro desse “conjunto de retribuições recebidas pelo empregado com habitualidade” que se encontra a fração correspondente ao salário, considerado pelo artigo 76 da CLT como “a contraprestação mínima devida e paga diretamente pelo empregador a todo trabalhador, inclusive ao trabalhador rural, sem distinção de sexo, por dia normal de serviço, e capaz de satisfazer, em determinada época e região do País, as suas necessidades normais de alimentação, habitação, vestuário, higiene e transporte”. Além da definição legal de salário, existem várias outras sugeridas pela doutrina. A título de exemplo, AMAURI MASCARO NASCIMENTO conceitua salário como “o conjunto de percepções econômicas devidas pelo empregador ao empregado, não só como contraprestação do trabalho, mas também pelos períodos em que estiver à disposição daquele aguardando ordens, pelos descansos remunerados, pelas interrupções do contrato de trabalho ou por força da lei” (Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: Saraiva, 2006). Por seu turno, os salários igualmente comportam distinção porque há uma diversidade deles, assim o salário mínimo, o salário-base, o piso salarial, o salário profissional, o salário normativo, o salário bruto e o salário líquido. Entende-se por piso salarial a menor contraprestação paga pelo exercício de uma jornada normal a um trabalhador, dentro de uma categoria profissional específica integrada por empregados que se ativam em funções diversas em um mesmo setor da atividade econômica. No comum, o piso salarial é definido na data-base da respectiva categoria profissional e vem estabelecido em acordo ou convenção coletiva de trabalho, vale dizer, em instrumentos normativos resultantes de negociação coletiva. No entanto, quando não há autocomposição ou composição mediada entre as categorias a que pertencem empregados e patrões, o piso salarial acaba definido em sentença normativa emanada de dissídio coletivo, isto é, de processo coletivo do trabalho. Finalmente, compreende-se como salário-base ou salário contratual a remuneração fixa paga a empregado, sem consideração a eventuais circunstâncias ou contingências a que o trabalhador tenha se submetido durante o mês, embora sob a condição de haver trabalhado durante todo o período mensal. As circunstâncias ou contingências a que nos referimos estão associadas ao exercício ou ao acúmulo de outros labores capazes de modificar a remuneração do empregado, a exemplo de vendas comissionadas, bonificações, horas em sobrejornada, trabalho em feriado ou durante o descanso semanal remunerado, adicional noturno, adicional de insalubridade, adicional de periculosidade, dentre outras verbas.
__________________
MACIEL, Marjorie Kato Baggio. Distinções entre remuneração, salário, piso salarial e salário-base. Araçatuba: Página Eletrônica Isto é Direito. Maio de 2014.

quinta-feira, 1 de maio de 2014

UM ESTUDO SOBRE A CULPA CIVIL

Tradicionalmente, não se pode cogitar da existência de responsabilidade civil sem a configuração da culpa em sentido amplo, isto é, dolo, negligência, imprudência ou imperícia. Esse é o resultado da combinação do artigo 186 e da primeira parte do artigo 927, que definem obrigação de indenizar para aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral. Conceitualmente, segundo MARIA HELENA DINIZ (2.002, p. 40): “A culpa em sentido amplo, como violação de um dever jurídico, imputável a alguém, em decorrência de um fato intencional ou de omissão de diligência ou cautela, compreende: o dolo, que é a violação intencional do dever jurídico, e a culpa em sentido restrito, caracterizada pela imperícia, imprudência ou negligência, sem qualquer deliberação de violar um dever.” Em outras palavras, o dolo é a vontade livre e consciente de praticar o comportamento comissivo ou omissivo que representa infração a uma obrigação contratual ou extracontratual. Para que o comportamento doloso seja punível, é necessário que o agente conheça o caráter ilícito do seu comportamento e que consiga determinar-se diante dele. Na culpa em sentido estrito inexiste qualquer deliberação. O agente viola direito e causa dano porque não adota diligências necessárias para a execução de determinada atividade, agindo com imprudência, negligência ou imperícia. Imprudência é a prática de determinado ato perigoso, com arrojo ou precipitação, caracterizado pela não previsão daquilo que é previsível ao homem médio. Ela sempre envolve um comportamento positivo, uma ação, um fazer, a exemplo do motorista que invade via preferencial em cruzamento dotado de sinal de parada obrigatória (nota 1). Negligência significa a falta de atenção ou de cuidado para a prática de algum ato. Ela sempre implica uma abstenção por parte do agente, que não opera com o necessário discernimento na execução de alguma tarefa, a exemplo do motorista que se utiliza de veículo que sabe não possuir freios em condições ideais de funcionamento (nota 2). Por sua vez, a imperícia consiste na falta de habilidade ou aptidão para realizar determinada atividade. Nessa modalidade de culpa, o agente causa dano porque ignora ou não domina suficientemente regras técnicas recomendadas para a prática de alguma conduta, tal qual o clínico geral que se propõe a realizar cirurgia plástica da qual resultam graves sequelas estéticas na paciente (nota 3). Investigando a culpa em sua essência, RENE SAVATIER (1.951, nº 4) aponta dois elementos fundamentais para caracterizá-la: um de natureza objetiva e outro de índole subjetiva. Para o autor francês, a culpa representa: “(...) a inexecução de um dever que o agente podia conhecer e observar. Pressupõe, portanto, um dever violado (elemento objetivo) e a imputabilidade do agente (elemento subjetivo). A imputabilidade abrange a possibilidade, para o agente, de conhecer e de observar o dever.” O dever violado é considerado o elemento objetivo da culpa porque ele pode ser constatado no resultado da conduta. Para identificá-lo, basta detectar qual obrigação legal ou contratual foi descumprida pelo agente. Sobre o assunto, recorde-se que a responsabilidade civil pressupõe a violação a direito alheio, representado pela lei ou pelo contrato, que confere à vítima a prerrogativa de exigir a reparação do dano. A imputabilidade é apontada como elemento subjetivo da culpa para designar a capacidade do agente de discernir e de observar o dever a ser cumprido. Se o sujeito possuir condições intelectuais de conhecer a obrigação e de cumpri-la, ele deve responder pelos prejuízos que causar se assim não procedeu. Daí porque, em regra, só se pode responsabilizar civilmente aquele que tem vontade própria e consciência. Porque carecedoras de imputabilidade, as pessoas relacionadas nos incisos I e II do artigo 5º do Código Civil de 1.916 não respondiam pelos prejuízos causados a terceiros. Contudo, o Código Civil em vigor excepcionou essa regra e tornou possível a imputação civil do incapaz, se as pessoas por ele responsáveis não tiverem obrigação de fazê-lo ou não dispuserem de meios suficientes. Considerando que a culpa normalmente é exigida para que se configure a obrigação de indenizar, em regra a vítima tem o ônus de prová-la juntamente com os demais pressupostos da responsabilidade civil (ação ou omissão, dano e nexo causal), visto que o mero erro de conduta não é suficiente para gerar a obrigação de ressarcir, como adverte RUI STOCO (2.002, p. 106). Porém, diante das dificuldades que normalmente cercam essa prova, todas elas realçadas por CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA (1.992, p. 260), é que muitos lesados acabam irressarcidos em ações indenizatórias. Daí se percebe a utilidade de alguns processos técnicos empregados para a atenuação do ônus probatório que recai sobre a vítima, como o recurso à presunção de culpa e a adoção da teoria da imputação objetiva. São muitas as classificações em torno da culpa, mas o objetivo delas não é outro senão agrupar em categorias distintas espécies que pertencem ao mesmo gênero, com a finalidade de explicar melhor o universo pesquisado. Sem a pretensão de esgotar todas as classificações conhecidas a respeito, este artigo apenas apontará aquelas usualmente adotadas pelos escritores e pelos tribunais. Quanto às formas de apreciação, a culpa pode ser apreciada “in concreto” e “in abstrato” pelo Poder Judiciário. Apura-se concretamente a culpa quando se investiga a dolo, a imprudência, a negligência ou a imperícia no comportamento debitado ao agente. Para tanto, o juiz incumbido do julgamento do processo deve examinar a prova existente nos autos e identificar se o demandado violou intencionalmente algum dever legal, contratual ou social ou se ele laborou sem a necessária diligência para a prática da conduta analisada. Abstratamente, apura-se a culpa estabelecendo uma comparação entre a conduta do agente e aquela que se espera do homem médio nas mesmas circunstâncias (o “bonus pater familias”). Nessa comparação, exige-se do agente o mesmo cuidado que uma pessoa normal teria nas condições em que ele se encontrava, um padrão de comportamento típico do homem comum. Se as condutas de ambos forem simétricas, não há que se cogitar da responsabilidade civil, mas se elas não se equivalerem, conclui-se pela culpa do agente. Quanto ao tipo de conduta, a culpa pode ser “in committendo” ou “in faciendo”, “in ommittendo”, “in elegendo”, “in vigilando”, “in custodiendo”. A culpa “in committendo” ou “in faciendo” é aquela que deriva de um ato positivo. Mediante um fazer, o agente viola direito e causa prejuízo a outrem. Essa modalidade de culpa está associada à imprudência, compreendida como um ato perigoso realizado sem o cuidado necessário. A título de exemplo, age com culpa “in faciendo” o motorista que coloca seu veículo em marcha após a abertura do semáforo, sem aguardar que o pedestre finalize a travessia da via pública (nota 4). Caracteriza-se a culpa “in ommittendo” quando o sujeito não pratica a conduta a que estava obrigado em virtude de lei ou do contrato, assim como o cirurgião que esquece agulha de sutura no interior do abdômen do paciente (nota 5) e o médico que não observa a gravidade do estado de saúde deste nos retornos sucessivos ao ambulatório, permitindo-lhe a morte (nota 6). Opera-se a culpa “in eligendo” quando o responsável pela execução de determinada atividade escolhe mal outra pessoa para realizá-la em seu lugar, tal qual a empresa que encaminha duplicata mercantil para cobrança por determinada instituição financeira, que promove indevidamente o protesto do título de crédito (nota 7). Em matéria de responsabilidade por ato de terceiro, vale registrar que o Código Civil em vigor abandonou a concepção conservadora adotada pelo Código de 1.916 e tornou dispensável a demonstração da culpa “in elegendo” para determinar a responsabilidade do empregador ou comitente pelos atos dos seus empregados, prepostos ou serviçais, no exercício do trabalho que lhes competir ou em razão dele, conforme estabelecem os artigos 932 (inciso II) e 933. Por sua vez, verifica-se a culpa “in vigilando” quando houver falha na vigilância de pessoas ou coisas que se acham sob os cuidados do agente. Logo, aquele que se omitiu no dever de zelo torna-se civilmente responsável pelos danos provocados a terceiros, tal qual a empresa de telefonia móvel que permite a clonagem de linha telefônica e exige do consumidor o pagamento indevido de fatura de serviços (nota 8). Em matéria de responsabilidade civil por culpa “in vigilando”, vale a mesma observação feita em relação à responsabilidade do patrão por atos do empregado, pois os artigos 932 (inciso IV) e 933 do Código Civil também tornaram objetiva a responsabilidade dos donos de hotéis, hospedarias, casas ou estabelecimentos onde se albergue por dinheiro, mesmo para fins de educação, pelos seus hóspedes, moradores e educandos. Finalmente, a culpa “in custodiendo” é aquela que praticada mediante a falta de atenção com animal ou objeto sob a custódia do agente. Nestes casos, exige-se do guardião não apenas o comportamento similar àquele que o “homo medius” teria com seus bens, mas sim um cuidado concreto e eficaz. Daí porque haverá a responsabilidade civil do agente sempre que ele faltar com o dever de cuidado eficiente com os objetos que lhe pertencem e permitir a causação de prejuízo a terceiro. Acha-se nessa situação do dono de animais que rompem cerca divisória e danificam lavoura do imóvel vizinho, hoje disciplinada pelo artigo 936 do Código Civil, que prevê hipótese de responsabilidade civil objetiva (nota 9). Quanto à intensidade, a culpa pode ser grave, leve ou levíssima. Ocorre culpa grave quando o agente labora com imprudência ou negligência exagerada, não antevendo aquilo que era possível ao homem comum prever facilmente. É o caso do motorista que, dirigindo por via pública onde há crianças, atropela uma delas por não reduzir ao mínimo a velocidade (nota 10) e do condutor que tenta ultrapassagem pelo acostamento, abalroando automóvel estacionado e com o pisca-alerta ligado (nota 11). Na culpa grave, o comportamento do agente é dotado de tamanha anormalidade que acabou por inspirar o adágio “culpa lata dolo aequiparatur”. Contudo, nem de longe essas condutas se assemelham, pois a culpa não apresenta qualquer resquício de voluntariedade, enquanto que no dolo o sujeito atua impulsionado pela vontade livre e consciente de violar direito. Do mesmo modo, não se pode equiparar o dolo eventual à culpa mais intensa, pois nele o agente não deseja o resultado lesivo, mas assume o risco de produzi-lo e se mostra indiferente diante do dano. Na culpa grave, o sujeito provoca o dano porque falta com o mínimo de cuidado exigido para a prática do ato, sem supor que provocará a lesão. Também inexiste qualquer intencionalidade na culpa consciente, pois o agente que a realiza acredita honestamente que sua conduta não acarretará a lesão, embora consiga antever a possibilidade do dano. Sem dúvida, a culpa consciente é a mais intensa delas. Por sua vez, atua com culpa leve a pessoa que poderia evitar a lesão se procedesse com a atenção ordinária, própria do homem médio. Por essa razão, ela consiste na falta de previsão daquilo que é previsível às pessoas comuns, tal qual o condutor que derrapa com seu automóvel em asfalto molhado (nota 12). A culpa levíssima é aquela capaz de comprometer até mesmo uma pessoa diligente e que, portanto, só pode ser evitada pelo indivíduo dotado de uma atenção extraordinária ou de uma habilidade especialíssima. Nos dizeres de RUI STOCO (2.002, p. 101), a culpa levíssima é “a falta cometida em razão de conduta que escaparia ao padrão médio, mas que um diligentíssimo pater familia, especialmente cuidadoso, guardaria.” Segundo parte da doutrina, o ordenamento jurídico brasileiro não prestigiou essa classificação da culpa, de modo que o prejuízo experimentado pela vítima sempre deve ser reparado integralmente, qualquer que seja a intensidade da culpa do agente (nota 13). No entanto, esse raciocínio é parcialmente equivocado desde o tempo do Código Civil de 1.916 porque há vários dispositivos legais definindo responsabilidades segundo a gradação da culpa, a exemplo da Súmula 159 do Supremo Tribunal Federal, que reconhece devida a indenização prevista pelo artigo 940 do Código Civil (CC revogado, art. 1.531) apenas quando a cobrança excessiva for realizada de má-fé. Por sua vez, o artigo 295 do Código Civil somente torna o cedente civilmente responsável perante o cessionário caso proceda com má-fé ao realizar a cessão gratuita do crédito. Além disso, o artigo 1.922 do Código Civil só penaliza pela sonegação patrimonial o herdeiro que, dolosamente, não trouxer à colação os bens e direitos que recebeu antecipadamente do autor da herança. Do mesmo modo, sabe-se perfeitamente que a indenização decorrente de denunciação caluniosa só é devida quando o agente der causa à instauração de inquérito policial por dolo ou malícia e que, no caso de mora do credor, o devedor só responde pela perda da coisa se proceder com dolo. De todo modo, quando a lei não distingue, não cabe ao intérprete fazer a distinção, razão pela qual a intensidade da culpa só terá o efeito de neutralizar ou diminuir a indenização quando a lei expressamente estabelecer. Mas isso não autoriza afirmar que o ordenamento jurídico brasileiro ignorou completamente a classificação da culpa segundo sua intensidade. Uma franca demonstração de que o grau de culpa é relevante para a dosimetria da indenização está no parágrafo único do artigo 944 do Código Civil, segundo o qual o juiz poderá reduzir equitativamente a indenização quando houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano experimentado pela vítima.  A propósito, nessa particular situação, a redução da indenização não se insere propriamente no poder discricionário do juiz. Ela representa um genuíno direito subjetivo do ofensor que demonstrar tamanho contraste entre a extensão do dano e a culpa em que incorreu. O mesmo se diga quando houver concorrência de culpas do ofensor e do ofendido, caso em que o juiz tem o dever de dividir proporcionalmente o encargo, em consideração à contribuição de cada um para o evento lesivo. Por último, quanto à espécie de dever violado, a culpa pode ser contratual ou extracontratual. Fala-se em culpa contratual quando houver a inexecução ou a execução imperfeita de uma obrigação negocial, a exemplo da construtora contratada para a edificação de um prédio de apartamentos, que vem a desabar na fase de acabamento (nota 14 – vide art. 389 do CC). Normalmente, a vítima que fundamenta o pedido de indenização na culpa contratual não precisará prová-la em juízo. Basta que constitua o devedor em mora. Demonstrado o inadimplemento da obrigação contratual, constitui-se a presunção “juris tantum” de responsabilidade civil do contratante inadimplente, a quem incumbirá a prova de que o contrato não foi cumprido em virtude de caso fortuito, força maior ou outra causa de exclusão da responsabilidade. Exceção à regra de que a prova da culpa contratual é dispensável para determinar a responsabilidade do contratante inadimplente são os pactos que consubstanciam obrigações de meio, nos quais o devedor não assegura um determinado resultado em favor do outro contratante e apenas se compromete a empregar todos os recursos de que dispõe para tentar alcançá-lo. Conforme adverte RUI ROSADO DE AGUIAR JÚNIOR (RT 718, p. 33), quando a obrigação contratada é de meio, apenas se impõem ao contratante a “obligatio ad diligentium” e o dever de indenizar caso descumprida por culpa, o que torna fundamental prová-la para determinar a responsabilidade civil do agente. Exemplo clássico de obrigação de meio são os contratos de prestação de serviços celebrados entre advogados e clientes, em que o profissional tem a obrigação de se dedicar à defesa do constituinte, realizando o estudo da causa e aplicando todos os conhecimentos que possui para garantir a justa solução do litígio, mas sem se comprometer com a vitória. Se por outros motivos sucumbir, o cliente não terá o que reclamar do seu patrono (nota 15). Já nos contratos que expressam obrigações de resultado, ele deve ser obtido integralmente para que o devedor consiga elidir sua responsabilidade civil perante o credor, pois o resultado contratado passa a ser a razão da existência do negócio jurídico. Descumprida a obrigação convencionada, o devedor incorre em inadimplemento e mora, formando-se uma presunção relativa de culpa pelo simples fato de não haver alcançado o fim pactuado. Exemplo típico de obrigação de resultado é aquela que assume o médico contratado para a realização de uma cirurgia plástica embelezadora. Se o ato cirúrgico resultar cicatrizes com aspecto ou extensão diferentes daquelas compromissadas pelo cirurgião, forma-se uma presunção “juris tantum” de culpa do facultativo (nota 16). Por seu turno, a culpa extracontratual ou aquiliana deriva da violação a um dever legal ou social. Nela não existe entre o ofensor e a vítima um vínculo jurídico anterior, mas ele acaba se constituindo em consequência do comportamento lesivo praticado pelo agente e de algum preceito legal disciplinador dessa relação intersubjetiva. Porque aqui não há qualquer relação jurídica preexistente entre as partes, é necessário que a vítima demonstre a culpa extracontratual do agente, ao lado dos demais pressupostos da responsabilidade civil, “pois improcede ação de indenização fundada em responsabilidade por ato ilícito na falta de prova da culpa, que constitui um dos pressupostos do dever de indenizar” (nota 17). No entanto, vale lembrar que responsabilidade civil pode ser objetiva a depender do caso concreto, quer por força de lei ou porque a atividade normalmente exercida pelo autor do dano implica, por sua natureza, risco para os direitos de outrem, caso em que a existência e a prova da culpa são totalmente dispensáveis (CC, art. 927, par. único).
_____________________
MACIEL, Daniel Baggio. Um estudo sobre a culpa civil. Araçatuba: Página eletrônica Isto é Direito. Maio de 2014.
1) JUTACRIM 51, p. 411.
2) JUTACRIM 20, p. 391.
3) TJSC, Apelação Cível nº 95683, 1ª Câmara de Direito Civil, Relator Joel Dias Figueira Júnior, DJ 14/11/2006.
4) JUTRACIM 80, p. 359.
5) JTJ-LEX 234, p. 126.
6) RJTJSP 54, p. 100.
7) TJPR, Apelação Cível nº 8263861, 13ª Câmara Cível, Relator Luís Carlos Xavier, DJ 22/08/2012.
9) TJRN, Apelação Cível nº 99266, 2ª Câmara Cível, Relator Desembargador Aderson Silvino, DJ 05/04/2011.
9)  RT 527, p. 79.
10) JUTRACIM 21, p. 349.
11) Boletim AASP 2.096, p. 184.
12) RT 382, p. 293.
13) RODRIGUES, 1.989, p. 161. SCHELESINGER, 1.999, p. 11.
14) JTJ-LEX 221, p. 75.
15) RJTJSP 68, p. 45.
16) STJ, Agravo Regimental nos Embargos de Declaração opostos em Agravo no Recurso Especial nº 328110-RS, 4ª Turma, Relator Ministro Luiz Felipe Salomão, DJ 19/09/2013, DJe 25/09/2013.
17) RT 565, p. 214.
18) AGUIAR JÚNIOR, Rui Rosado de. Responsabilidade civil do médico. RT, 718:33.
19) DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro – Responsabilidade Civil. 16a ed. v. VII. São Paulo: Saraiva, 2002.  
20) MACIEL, Daniel Baggio. Responsabilidade patrimonial do Estado pela atividade jurisdicional. São Paulo: Editora Boreal, 2006.
21) SAVATIER, René. Traité de la responsabilité civile. Vol.1. nº4. Paris.
22) SILVA PEREIRA, Caio Mário da. Responsabilidade Civil. 3a ed. Rio de Janeiro: Forense, 1992.
23) STOCO, Rui. Tratado de Responsabilidade Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001.