segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

A TEMPESTIVIDADE DOS RECURSOS NO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

Os recursos devem ser interpostos no prazo definido em lei (arts. 218 e 223), sob pena de não conhecimento motivado na intempestividade. Aliás, é extremamente importante que a legislação fixe os prazos recursais, pois a indeterminabilidade deles comprometeria a estabilização dos efeitos das decisões judiciais, a razoável duração do processo e a segurança jurídica que ele deve proporcionar aos jurisdicionados. Ordinariamente, os prazos recursais são próprios e peremptórios. Próprios são os prazos cujo descumprimento pode acarretar consequências negativas para o seu destinatário, em virtude da preclusão. É o que ocorre quando o recurso não é interposto no prazo legal, pois esse fato impede a impugnação intraprocessual da decisão (exceto se for manejada tempestivamente a reclamação nas hipóteses do artigo 988) e torna inequívoco o cumprimento dela, do que podem derivar prejuízos para o legitimado remisso ou seu substituído. Peremptórios são os prazos assentados em norma cogente, que não comportam modificação por convenção das partes e, no comum, pelo próprio juiz (art. 222, § 1º). Contudo, é importante anotar que, excepcionalmente, mesmo os prazos dessa natureza são prorrogáveis nas comarcas, seções ou subseções judiciárias onde for difícil o transporte (art. 222, caput) e na hipótese de calamidade pública (art. 222, § 2º). Além disso, provado que a parte não interpôs o recurso ou que deixou de emendá-lo por justa causa (art. 223), assim considerado o evento alheio à vontade dela e que a impediu de praticar o ato por si ou por mandatário (§ 1º), o juiz permitirá que a parte o faça no prazo que lhe assinar (§ 2º). Exemplos de justa causa estão no parágrafo único do artigo 197 e compreendem o problema técnico do sistema de automação processual, bem como o erro ou a omissão do auxiliar da justiça responsável pelo registro dos andamentos processuais. Se sobrevier, durante o prazo para a interposição do recurso, o falecimento da parte ou de seu advogado ou ocorrer motivo de força maior que suspenda o curso do processo, tal prazo será restituído em proveito da parte, do herdeiro ou do sucessor, contra quem começará a correr novamente depois da intimação (arts. 314 e 1.004). Ciente da falibilidade da informática utilizada pelo Poder Judiciário para a tramitação dos processos judiciais, a comunicação de atos e a transmissão de peças processuais, a Lei nº 11.419/2.006 estabeleceu que se o respectivo sistema se tornar indisponível por motivo técnico e o ato processual tiver que ser praticado por meio de petição eletrônica, o respectivo prazo ficará automaticamente prorrogado para o primeiro dia útil seguinte à resolução do problema (art. 10, § 2º). Esclarecidos esses aspectos, é imperioso realçar que Código de 2.015 uniformizou em quinze dias o prazo de todos os recursos nele disciplinados, com exceção dos embargos de declaração, que devem ser opostos em cinco dias no processo civil (art. 1.003, § 5º) e em três dias no processo eleitoral (art. 1.067, parágrafo 1º). Além disso, o artigo 1.070 deixou assentado que também é de quinze dias o prazo de todo agravo contra qualquer decisão do relator ou outra decisão unipessoal proferida por tribunal, independentemente de o recurso estar previsto na lei ou no regimento interno. Portanto, essa uniformização não alcançou os recursos previstos em legislações extravagantes, a exemplo do recurso inominado da sentença emanada do Juizado Especial Cível (Lei nº 9.099/95, arts. 41 a 43) e dos embargos infringentes contra a sentença proferida em execução fiscal de valor igual ou inferior a cinquenta Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional (Lei nº 6.830/1.980, art. 34). Os prazos para a interposição dos recursos contam-se da data em que a parte, os advogados, a sociedade de advogados, a Advocacia Pública, a Defensoria Pública ou o Ministério Público são intimados (arts. 231 e 1.003), mas o parágrafo 4º do artigo 218 considera tempestivo o ato processual praticado antes desse termo inicial, em sintonia com a jurisprudência moderna que se formou no âmbito do Superior Tribunal de Justiça. No mais das vezes, intimação que inaugura o prazo recursal é feita mediante a publicação da decisão no Diário da Justiça eletrônico (art. 204, § 3º), mas o Ministério Público (art. 181), a Advocacia Pública (art. 183) e a Defensoria Pública (art. 186) têm o direito à intimação pessoal. Quando a decisão for proferida em audiência, esses sujeitos são considerados intimados na mesma ocasião (art. 1.003, § 1º). Se a intimação da decisão for efetivada pelo Diário da Justiça eletrônico, a contagem do prazo recursal tem início no primeiro dia útil que seguir ao da publicação (art. 224, § 3º), assim considerado o primeiro dia útil sucessivo àquele em que ocorreu a disponibilização da informação (§ 2º). Por sua vez, quando a intimação ocorrer por meio da retirada dos autos do cartório ou da secretaria, considera-se dia do começo do prazo para recorrer a data da respectiva carga (art. 231, inc. VIII). Na contabilidade do prazo de interposição de recurso pelo réu contra decisão proferida antes da citação, deve ser observado o disposto no artigo 231, incisos I a VI. Por esse motivo, o prazo recursal começa: na data de juntada aos autos do aviso de recebimento, quando a citação ou a intimação for pelo correio (inc. I); na data de juntada aos autos do mandado cumprido, quando a citação ou a intimação for por oficial de justiça (inc. II); na data da citação ou da intimação por ato do escrivão ou do chefe de secretaria (inc. III); no dia útil seguinte ao fim da dilação assinada pelo juiz, quando a citação ou a intimação for por edital (inc. IV); no dia útil seguinte à consulta ao teor da citação ou da intimação ou ao término do prazo para que a consulta se dê, quando ela for eletrônica, (inc. V); na data da juntada do comunicado de que trata o parágrafo 5º o artigo 231 ou, não havendo este, da juntada da carta aos autos de origem devidamente cumprida, quando a citação ou a intimação se realizar em cumprimento de carta (inc. VI). Todos os prazos recursais têm natureza processual, razão pela qual eles são contados excluindo o dia do começo (o dia da intimação) e incluindo o do vencimento (art. 224, caput). Não obstante, se os dias do começo ou do vencimento coincidirem com o dia em que o expediente forense for encerrado antes ou iniciado depois da hora normal ou houver indisponibilidade da comunicação eletrônica, eles devem ser protraídos para o primeiro dia útil seguinte (§ 1º). Na contagem dos prazos processuais em dias, são computados somente os úteis (art. 219). Por isso, devem ser excluídos os sábados, os domingos, os feriados, além dos dias em que não houver expediente forense e daqueles declarados em lei. Todavia, é preciso advertir que incumbe ao requerente comprovar a ocorrência de feriado local no ato da interposição do recurso (art. 1.003, § 6º). Observado tudo o que foi dito, a petição recursal deverá ser protocolada em cartório ou conforme as normas de organização judiciária, ressalvado o disposto em regra especial (art. 1.003, § 3º), a exemplo da Lei nº 9.800/99, que permite a interposição de recurso por fac-símile ou outro similar, mas exige que os originais sejam entregues em juízo até cinco dias da data do término do prazo, sob pena de inadmissibilidade. Na aferição da tempestividade do recurso remetido por correio, é considerada como data da interposição o dia da postagem, o que torna irrelevante a ocasião em que a respectiva correspondência é recepcionada pelo órgão judicial destinatário e sepulta uma antiga divergência jurisprudencial sobre o assunto (art. 1.003, § 4º). Quando o recurso tiver de ser interposto por meio de petição em autos não eletrônicos, a respectiva peça processual deve ser protocolada no horário de funcionamento do fórum ou tribunal, conforme a lei de organização judiciária local (art. 212, § 3º). Tratando-se de autos eletrônicos, essa interposição pode ocorrer em qualquer horário, até a vigésima quarta hora do último dia do prazo (art. 213). Finalmente, ainda restam outras observações relevantes sobre a tempestividade dos recursos. A primeira é a de que o Ministério Público (art. 181), a Advocacia Pública (art. 183), a Defensoria Pública (art. 186), os escritórios de prática jurídica das faculdades de Direito reconhecidas na forma da lei e as entidades que prestam assistência jurídica gratuita em razão de convênios firmados com a Defensoria Pública (art. 186, § 3º) gozam de prazo em dobro para se manifestarem nos autos, o que também repercute na dobra dos prazos recursais. Igual duplicação favorece os litisconsortes que tiverem diferentes procuradores, contanto que vinculados a escritórios de advocacia distintos (art. 229), mas cessa a contagem em dobro se, havendo apenas dois réus, somente um deles oferecer defesa (§ 1º) ou se o processo for documentado em autos eletrônicos (§ 2º). Enfim, é preciso acrescentar que os prazos recursais, assim como a maioria dos demais prazos processuais, ficam suspensos nos dias compreendidos entre 20 de dezembro e 20 de janeiro (art. 220), suspensão essa que também ocorre durante a execução de programa instituído pelo Poder Judiciário para promover a conciliação, incumbindo aos tribunais especificar, com antecedência, a duração dos trabalhos (art. 221, parágrafo único).
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MACIEL, Daniel Baggio. A tempestividade dos recursos no novo Código de Processo Civil. Página eletrônica Isto é Direito. Janeiro de 2015.
NOTA RELEVANTE: Este artigo foi composto segundo os dispositivos constantes do projeto de lei que institui o novo Código de Processo Civil.

sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE E JUÍZO DE MÉRITO DOS RECURSOS NO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

Sem exceção, todo ato postulatório da instauração do processo, de alguma das suas fases, de um incidente ou de um módulo recursal sempre fica sujeito a um primeiro exame judicial relacionado à validade dele, ao qual se atribui o nome de juízo de admissibilidade e que possui uma prioridade lógica sobre o julgamento da procedência ou improcedência da pretensão formulada pelo jurisdicionado, denominado juízo de mérito. A título de exemplo, a regra geral no processo civil é a de que ele começa por iniciativa da parte (art. 2º), o que exige do autor a prática de um ato postulatório consubstanciado em uma petição inicial. Porém, antes que o juiz da causa possa decidir o pedido nela deduzido (juízo de mérito), é imprescindível que analise a validade da respectiva postulação, o que compreende a verificação da concorrência das condições da ação, da presença dos pressupostos processuais e da regularidade formal do correspondente peticionamento (juízo de admissibilidade). Logo, o juízo de admissibilidade de qualquer ato postulatório é uma espécie de exigência prévia a ser suplantada para que se possa alcançar o juízo de mérito. Ademais, ele compreende a constatação da existência de determinados requisitos legais do ato postulatório, sem os quais o órgão judicial fica impedido de se pronunciar validamente sobre o acolhimento ou não da pretensão apresentada pelo jurisdicionado. Diante dessas considerações, fica claro que o juízo de admissibilidade pode ser positivo ou negativo, o que resulta a admissibilidade ou a rejeição do ato postulatório. Admitida, recebida ou conhecida a postulação, o procedimento pode avançar no sentido do juízo de mérito, que também pode ser positivo ou negativo, de procedência ou improcedência da tutela jurisdicional almejada, de provimento ou desprovimento dela. Com os recursos tudo se passa de modo idêntico, pois eles também se submetem a um primitivo juízo de admissibilidade, que subordina o sucessivo juízo de mérito. No juízo de admissibilidade dos recursos são analisados determinados requisitos de validade desse tipo de postulação, ao passo que no juízo de mérito decide-se sobre o provimento ou não do pedido recursal de reforma, decretação de nulidade, esclarecimento ou integração da decisão recorrida, assim também sobre a pretensão à correção de algum erro material que o pronunciamento jurisdicional possa conter. Os requisitos de validade da postulação recursal são denominados pressupostos de admissibilidade dos recursos e são de ordem pública. Isso significa que a matéria relacionada ao conhecimento dos recursos, além de não se sujeitar à preclusão, deve ser examinada de ofício pelo órgão judicial competente, independentemente de arguição da parte ou do interessado. Portanto, ainda que o recorrido não alegue nas contrarrazões a falta desses pressupostos, o órgão judicial competente deverá examiná-los e, detectando a ausência de qualquer um deles, decidir pela inadmissibilidade do recurso. Na sistemática adotada pelo Código de 2.015, o juízo de admissibilidade dos recursos deve ser realizado pelo mesmo órgão judicial ao qual a legislação atribuir a competência para o juízo de mérito sobre eles. À guisa de exemplo, interposta a apelação contra a sentença com ou sem resolução de mérito (arts. 485 e 487), o tribunal do segundo grau de jurisdição deverá examinar a admissibilidade do recurso porque compete a ele o julgamento do mérito do apelo (art. 1.009, § 3º). Manejado o recurso especial contra decisão de única ou última instância emanada de algum tribunal local (CF, art. 105, inc. III), compete ao Superior Tribunal de Justiça analisar a admissibilidade dele porque se insere na sua competência o juízo de mérito dessa modalidade recursal (art. 1.032, parágrafo único). Por força do inciso III do artigo 932, o juízo de admissibilidade dos recursos que competem aos tribunais é tarefa que incumbe ao relator, mas é importante frisar que a decisão por ele proferida não vincula o órgão colegiado encarregado do julgamento de mérito. Portanto, pode ocorrer de o relator admitir o recurso e, na sessão de julgamento dele, o órgão colegiado não conhecê-lo em razão da falta de algum dos seus pressupostos. De outro lado, também pode acontecer de o relator não conhecer de determinado recurso e o órgão colegiado por ele integrado reformar a decisão de inadmissibilidade ao julgar o agravo interno utilizado para impugná-la (art. 1.021). No mais, ainda restam duas outras importantes observações sobre o juízo de admissibilidade dos recursos. A primeira é a de que a decisão de recebimento deles é irrecorrível, por ausência de interesse, pois a parte contrária pode suscitar a falta dos pressupostos recursais na oportunidade das contrarrazões. No entanto, a decisão de inadmissibilidade dos recursos normalmente pode ser impugnada mediante novo recurso, cuja modalidade fica na dependência de certas particularidades do caso concreto. Como já esclarecido, se a decisão de inadmissibilidade for unipessoal do relator (art. 932, inc. III), o recurso adequado para contrastá-la é o agravo interno (art. 1.021). Porém, se a decisão que não recebê-lo for colegiada, de única ou última instância, emanada de tribunal local e violar direito federal, o recurso apropriado será o especial (CF, art. 102, inc. III). Por seu turno, o recurso correto para contrariá-la será o extraordinário se a decisão hostilizada for de única ou última instância e ofender direito constitucional (CF, art. 102, inc. III). Concorrendo essas duas ofensas, o recurso especial e o recurso extraordinário deverão ser interpostos simultaneamente (art. 1.031). Todavia, se os embargos de declaração não forem admitidos pelo juiz da causa, só restará ao legitimado interpor a apelação para postular a decretação de nulidade processual (art. 1.009), pois o artigo 1.015 do novo Código não autoriza o agravo de instrumento neste caso. Finalmente, cumpre acrescentar que a admissibilidade positiva dos recursos possui natureza declaratória e produz efeitos retroativos ao momento em que ocorreu a interposição deles (efeito ex tunc). Por essa razão, quando o recurso é conhecido porque presentes todos os seus pressupostos, a respectiva decisão proclama a validade da postulação recursal ab initio. O mesmo não ocorre com a admissibilidade negativa, que também possui carga declaratória, mas que produz efeitos apenas para o futuro, por expressa disposição legal, qualquer que seja o pressuposto ausente (efeito ex nunc). É assim porque o artigo 975 estabelece que o direito de propor ação rescisória se extingue em dois anos contados do trânsito julgado da última decisão proferida no processo. Com essa previsão, o Código de 2.015 não deixa dúvida de que, mesmo quando a inadmissibilidade do recurso for motivada na intempestividade dele, o referido prazo só poderá ser computado quando se tornar irrecorrível o respectivo pronunciamento judicial, seja pelo decurso do prazo de interposição da espécie recursal apta para impugná-lo ou pelo esgotamento de todas elas. A título de exemplo, se o réu manejar uma apelação um dia após o decurso do prazo legal para tanto e o relator não admiti-la meses depois por intempestividade ou qualquer outro motivo, aquele prazo de dois anos para a ação rescisória só passará a ser contabilizado depois de esgotado o prazo para a interposição do agravo interno. Aliás, se este recurso for interposto para questionar a inadmissibilidade do apelo, aqueles dois anos não poderão ser contados enquanto o agravo interno não for decidido e transcorrer, integralmente, os prazos dos demais recursos possíveis contra a decisão dele resultante. Em um arremedo de conclusão, em virtude do artigo 975, não há mais que se cogitar do trânsito em julgado e do início do prazo da ação rescisória enquanto a decisão de inadmissibilidade do recurso permanecer vulnerável a questionamento no mesmo processo, vale dizer, mediante novo recurso.
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MACIEL, Daniel Baggio. Juízo de admissibilidade e juízo de mérito dos recursos no novo Código de Processo Civil. Página Eletrônica Isto é Direito. Janeiro de 2015.
NOTA RELEVANTE: Este artigo foi composto segundo os dispositivos constantes do projeto de lei que institui o novo Código de Processo Civil. 

quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

MEIOS NÃO RECURSAIS DE IMPUGNAÇÃO DE PRONUNCIAMENTOS JURISDICIONAIS

Os recursos no processo civil não são os únicos meios legais que podem ser utilizados para impugnar pronunciamentos jurisdicionais. Ao lado deles também existem outros, a exemplo da remessa necessária, do requerimento de reconsideração, da correição parcial, do mandado de segurança e da reclamação constitucional, instrumentos estes que serão analisados sumariamente em tópicos distintos. A remessa necessária - Inserido no capítulo que trata da sentença e da coisa julgada, o artigo 496 do novo Código disciplina o instituto denominado “remessa necessária”, também chamado “reexame de ofício” pela literatura e cuja origem está associada ao direito lusitano, que o instituiu no ano de 1.355 para coibir excessos praticados por magistrados em processos penais. Após sua recepção pelas ordenações portuguesas, a remessa necessária foi prevista inicialmente pela Lei nº 4 de 1.931, que impôs ao juiz a incumbência de apelar das sentenças que emitisse contra a Fazenda Pública (art. 90). O Código de 1.939 a denominou “apelação necessária” e obrigou sua incidência sobre a sentença que declarasse a nulidade do casamento, que homologasse desquite amigável e para aquela que fosse desfavorável à União, Estado ou Município (art. 822). O Decreto-lei nº 779/1.969 deferiu-lhe o rótulo de “recurso ordinário ex officio” e determinou sua aplicação às sentenças trabalhistas contrárias à União, aos Estados, ao Distrito Federal, aos Municípios, assim também às respectivas autarquias e fundações que não explorassem atividade econômica (art. 1º, inc. V). Acertadamente, o Código de 1.973 deixou de considerá-la um recurso e passou a tratá-la como uma condição de eficácia da sentença desfavorável à Fazenda Pública, vale dizer, como uma espécie de requisito indispensável para o cumprimento da sentença contrária às pessoas jurídicas que participam desse gênero. A propósito, a primeira parte do artigo 507 do Código de 2.015 estabelece que está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de confirmada pelo tribunal, a sentença proferida contra a União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios, suas respectivas autarquias e fundações de direito público, bem assim a sentença que julgar procedentes, no todo ou em parte, os embargos à execução fiscal. Com essa redação, o artigo 496 impõe ao juiz o dever de remeter os autos do processo ao tribunal competente quando sentenciar em desfavor da Fazenda Pública, a fim de que seu pronunciamento seja revisado e, se for o caso, confirmado pelo órgão judicial do segundo grau de jurisdição, sem o que o julgado não poderá ser cumprido. Porque obrigatória, não sujeita a contraditório e desvinculada dos pressupostos de admissibilidade dos recursos, a remessa necessária não está compreendida no capítulo que o Código dedica a eles e continua a ser tratada como uma condição de eficácia da sentença proferida contra a Fazenda Pública. Ademais, diferentemente dos recursos, ela não está vinculada ao apontamento de qualquer vício na sentença e é impulsionada mediante um mero despacho com que o juiz ordena o encaminhamento dos autos ao tribunal, após decidir eventuais embargos de declaração e oportunizar o contraditório na apelação porventura interposta por algum legitimado. Contudo, se o juiz omitir, retardar ou recusar a remessa dos autos nos casos previstos no artigo 496, o presidente do respectivo tribunal deverá avocá-los, o que fará de ofício ou assim que recepcionar a petição intermediária com que a parte, o assistente, o “custos legis” ou mesmo o terceiro prejudicado noticiar-lhe o fato (art. 496, § 1º). Aliás, o exercício desse poder não afasta a responsabilidade civil do magistrado que proceder com dolo ou fraude, assim também na hipótese de culpa pela recusa, omissão ou retardamento, caso em que sua responsabilidade apenas será verificada depois que o legitimado postular a mencionada remessa e o requerimento não for apreciado no prazo de dez dias (art. 143). Seja como for, a remessa necessária não tem qualquer relação de dependência com a apelação manejável por aquele que experimentar algum prejuízo jurídico decorrente da sentença, além do que ambas podem coexistir normalmente, o que obrigará o tribunal a decidi-las na mesma sessão de julgamento. Embora a primeira parte do artigo 496 imponha a revisão obrigatória da sentença contrária à Fazenda Pública, nos parágrafos 3º e 4º estão relacionadas várias situações em que ela é dispensada para que o julgado possa ser efetivado. Com efeito, o § 3º desobriga a remessa oficial quando a condenação ou o proveito econômico obtido na causa for de valor certo e inferior a mil salários mínimos para União e as respectivas autarquias e fundações de direito público; quinhentos salários mínimos para os Estados, o Distrito Federal, as respectivas autarquias e fundações de direito público, assim também para os Municípios que constituam capitais dos Estados; cem salários mínimos para todos os demais municípios e respectivas autarquias e fundações de direito público. Abandonando completamente o critério econômico empregado no § 3º, o § 4º também repudia a remessa oficial quando a sentença estiver fundada em súmula de tribunal superior; acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recursos repetitivos; entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência; entendimento coincidente com orientação vinculante firmada no âmbito administrativo do próprio ente público, consolidada em manifestação, parecer ou súmula administrativa. Examinadas essas previsões normativas, resta acrescentar que o artigo 496 não é o único dispositivo que impõe ao juiz o dever de submeter sua sentença à revisão pelo tribunal do segundo grau de jurisdição. Igual obrigatoriedade também existe para a sentença que concluir pela carência ou improcedência da ação popular (Lei nº 4.717/1.965, art. 19), que julgar procedente o pedido no mandado de segurança (Lei nº 12.016/2.009, art. 14, § 1º), que for contrária ao requerente do cancelamento de matrícula e registro de imóvel rural vinculado a título nulo de pleno direito (Lei nº 6.739/1.979, art. 3º, parágrafo único), que condenar o Poder Público em ação visando ao reconhecimento de direito dos funcionários dos serviços administrativos das câmaras do Congresso Nacional ou dos Tribunais Federais (Lei nº 2.664/1.955, art. 1º, § 2º), que for proferida nos casos estabelecidos nos artigos 3º e 4º da Lei nº 818/1.949 (que regula aquisição, a perda e a requisição de nacionalidade, bem como a perda dos direitos políticos), assim também para a sentença cautelar emitida contra pessoa jurídica de direito público ou seus agentes, que importe em outorga ou adição de vencimentos ou reclassificação funcional (Lei nº 8.437/1.992, art. 3º). Por último, convém realçar que não existe a remessa necessária nos processos da competência do Juizado Especial Federal (Lei nº 10.259/2.001, art. 13) e do Juizado Especial da Fazenda Pública (Lei nº 12.153/2.009, art. 27), assim também que o relator do recurso tem poder para decidi-la monocraticamente nos casos previstos pelos incisos IV e V do artigo 932 (Súmula 253 do STJ) e que, ao julgá-la, é vedado ao tribunal agravar a condenação imposta à Fazenda Pública, entendimento esse consagrado pela Súmula 45 do Superior Tribunal de Justiça na vigência do Código de 1.973, mas que deve ser mantido sob a égide do Código de 2.015. O requerimento de reconsideração - Ao contrário das sentenças, cuja retratação é admitida apenas em situações excepcionais sempre dependentes da interposição da apelação (NCPC, art. 332, § 3º e art. 485, § 7º), as decisões interlocutórias normalmente são passíveis de reconsideração pelo próprio órgão judicial que as proferiu, independentemente do cabimento ou da utilização de qualquer recurso. É assim porque as decisões interlocutórias não finalizam o processo (art. 203, § 2º) e, não raro, a modificação delas pode ser necessária para sanar algum erro de procedimento com potencial para ensejar nulidade. Ademais, embora nem todas as decisões interlocutórias desafiem agravo de instrumento (art. 1.015), o rito desse recurso prevê a oportunidade para o juiz da causa reformar a decisão hostilizada, caso em que o relator considerará prejudicado o recurso, se a modificação for integral (art. 1.018, § 1º). Por essas razões, sedimentou-se a prática forense de peticionar em caráter incidental ao juiz da causa para requerer a reforma ou a declaração de nulidade de decisões interlocutórias pretensamente lesivas, não obstante a ausência de previsão legal para tanto. Tecnicamente, esses requerimentos são desprovidos de natureza recursal porque não catalogados como tal pelo artigo 994. Além disso, eles são incapazes de interromper ou de suspender os prazos dos recursos em geral, razão pela qual ocorrerá preclusão se o legitimado deixar de recorrer tempestivamente da decisão interlocutória cuja reconsideração for negada, exceto se a questão decidida puder ser reapreciada em virtude de novo fundamento (art. 309, parágrafo único) ou for de ordem pública. A correição parcial - Porque o Código de 1.939 apenas admitia o agravo de instrumento em situações taxativas (art. 842), a antiga lei de regência do mandado de segurança (Lei nº 1.533/1.951, art. 5º, inc. II), a lei de organização da justiça federal (Lei nº 5.010/1.966, art. 6º, inc. I), algumas leis estaduais de organização judiciária (vide Decreto-lei complementar nº 3/1.969, que institui o Código Judiciário do Estado de São Paulo) e os regimentos internos dos tribunais passaram a prever a correição parcial ou a reclamação correicional como uma medida destinada à impugnação de pronunciamentos intermediários irrecorríveis. Com o advento do Código de 1.973, cuja redação original possibilitava a ampla recorribilidade das decisões interlocutórias mediante agravo de instrumento, a correição parcial praticamente caiu em desuso e vários julgados chegaram a afirmar a insubsistência dela no direito brasileiro. Apesar disso, a orientação jurisprudencial dominante prosseguiu autorizando-a, mas apenas para a emenda de erro ou abuso que importe inversão tumultuária dos atos e fórmulas da ordem legal do processo civil ou criminal, quando para o caso não houver recurso específico (vide art. 830 do RITJSP). De todo modo, a correição parcial sempre foi concebida como uma medida administrativa e disciplinar, destinada a corrigir pronunciamentos judiciais impassíveis de recurso, quando estes deflagrarem a contraversão dos atos do processo, em razão de algum erro de procedimento ou abuso praticado pelo magistrado. Tecnicamente, o objetivo nuclear dela é doutrinar a atividade dos magistrados na condução do processo, quando esta vier caracterizada por alguma anomalia que inverta ou tumultue a ordem dos atos processuais, o que se alcança mediante a modificação do pronunciamento judicial em que se verificou a falta e, se for o caso, com a imposição de penalidade disciplinar ao agente público faltoso (vide art. 837 do RITJSP). Por essas razões e porque estranha ao rol do artigo 1.007 do Código de 2.015, a correição parcial não pode ser compreendida como um autêntico recurso, ainda que o julgamento dela seja capaz de produzir resultados parcialmente análogos àqueles obteníveis no agravo de instrumento. O mandado de segurança contra pronunciamento judicial - Diferentemente dos recursos, o mandado de segurança é uma ação civil, dotada de status constitucional e de um procedimento especial sumarizado, destinada à tutela jurisdicional de direito líquido e certo não amparado por habeas-corpus ou habeas-data, lesado ou ameaçado de lesão por ato ou omissão ilícita de autoridade pública ou de agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público. Examinando esse conceito doutrinário, que foi estruturado a partir da garantia constitucional situada no inciso LXIX, do artigo 5º, da Lei das Leis, não é difícil perceber que o mandado de segurança é um instrumento legal que possui larga abrangência e que poderia, sem qualquer esforço hermenêutico, ser utilizado para impugnar atos jurisdicionais, não fosse a vedação contida no inciso II, do artigo 5º, da Lei nº 12.016/2.009, que proíbe o emprego dele para contrastar pronunciamentos judiciais passíveis de recurso com efeito suspensivo. Considerando essa vedação legal, os numerosos casos de cabimento do agravo de instrumento (art. 1.015) e a possibilidade do agravo interno contra decisões unipessoais do relator (art. 1.021), são raras as situações em que o mandado de segurança pode ser ajuizado para impugnar pronunciamentos jurisdicionais. Porém, é de se admiti-lo quando a decisão judicial não comportar recurso com efeito suspensivo e a demora no processamento deste concorrer para a causação de lesão grave e de difícil reparação, assim também nos casos de omissão judicial. Por sua vez, vale lembrar que não existe na Lei 9.099/1.995 previsão de recurso específico das decisões interlocutórias do Juizado Especial Cível, que só podem ser atacadas na oportunidade do recurso inominado oponível contra a sentença (arts. 41 a 43). Apesar disso, algumas turmas recursais insistem em aceitar o agravo de instrumento para contrariar esses pronunciamentos judiciais, com o que não concordamos porque o microssistema recursal criado pela referida lei não dialoga com macrossistema que o Código dedicou aos recursos que prevê. A propósito, na linha da Súmula 376 do Superior Tribunal de Justiça, sempre defendemos a orientação de que compete à turma recursal processar e julgar o mandado de segurança contra ato de juizado especial, embora o Supremo Tribunal Federal tenha se manifestado, por maioria de votos, no sentido de que as decisões interlocutórias proferidas por esses juizados não toleram agravo de instrumento e, tampouco, mandado de segurança (RE nº 576.847-BA). A reclamação constitucional - A reclamação constitucional é um instrumento jurídico criado pela Constituição Federal de 1.988 com o objetivo de tornar efetiva a preservação da competência e a garantia da autoridade das decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal (CF, art. 102, inc. I, letra l), bem como do Superior Tribunal de Justiça (CF, art. 105, inc. I, letra f). Disciplinada pela Lei nº 8.038/1.990 para exercício mediante peça processual apresentada diretamente nesses tribunais, ela vem sendo tratada pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal como uma manifestação do direito de petição assegurado pelo inciso XXXIV, do artigo 5º, da Constituição Federal, não como um recurso, um sucedâneo recursal, um incidente processual ou uma ação. Apoiada no princípio da simetria, essa mesma jurisprudência também autorizou que a reclamação viesse prevista pelas Constituições Estaduais, para a preservação da competência dos tribunais de justiça, aos quais reconheceu a legitimidade para normatizar o procedimento desse instituto em seus regimentos internos, sem que se possa cogitar de violação à competência privativa da União para legislar sobre direito processual (ADI nº 2212-CE). O cabimento da reclamação constitucional é relativamente simples, pois ela corresponde a um instrumento processual destinado a impugnar atos administrativos ou jurisdicionais que se apropriem da competência atribuída ao Supremo Tribunal Federal (CF, art. 102, incs. I, II e III), ao Superior Tribunal de Justiça (CF, art. 105, incs. I, II e III) ou que desobedeçam decisões deles emanadas, assim também na hipótese de ofensa a súmula vinculante editada pelo pretório excelso (CF, art. 103-A, § 3º). No entanto, vale lembrar que não se admite a utilização da reclamação constitucional contra decisão transitada em julgado (Súmula 734 do STF) e que as decisões nela proferidas apenas comportam agravo interno, quando emitidas monocraticamente pelo relator (art. 1.021), bem como embargos de declaração, nos casos de obscuridade, contradição, omissão ou erro material (art. 1.022). No Código de 2.015, a reclamação foi disciplinada nos artigos 988 a 993 e tramita segundo o procedimento do mandado de segurança, no que couber. Conforme aquele dispositivo legal, ela é cabível para preservar a competência do tribunal, assim também para garantir a autoridade das decisões por ele proferidas, a observância de decisão ou precedente do Supremo Tribunal Federal no controle concentrado de constitucionalidade e a observância de súmula vinculante e de acórdão ou precedente proferido em julgamento de casos repetitivos ou em incidente de assunção de competência. Ao tratar dessa matéria, o novo Código manteve a proibição da propositura da reclamação após o trânsito em julgado da decisão que o legitimado pretendia impugnar (art. 988, § 5º), mas deixou assentado que a inadmissibilidade ou o julgamento do recurso interposto contra a decisão emitida pelo órgão reclamado não a prejudica (art. 988, § 6º). A ação rescisória - Disciplinada pelos artigos 966 a 975 do Código de 2.015, a ação rescisória é um instrumento processual destinado à desconstituição da decisão de mérito que transitar em julgado, bem assim daquela que, sem resolvê-lo, não permitir a repropositura da demanda ou impedir o reexame dele, quando o pronunciamento jurisdicional for proferido por força de prevaricação, concussão ou corrupção do juiz; emanar de juiz impedido ou absolutamente incompetente; resultar de dolo ou coação da parte vencedora em detrimento da parte vencida ou, ainda, de simulação ou colusão entre as partes, a fim de fraudar a lei; ofender a coisa julgada; violar manifestamente norma jurídica; fundar-se em prova cuja falsidade tenha sido apurada em processo criminal ou venha a ser demonstrada na própria ação rescisória (art. 966, incs. I a VI). Também pode ser ajuizada a ação rescisória se o autor, posteriormente ao trânsito em julgado da decisão de mérito, obtiver prova nova, cuja existência ignorava ou de que não pode fazer uso, capaz, por si só, de lhe assegurar pronunciamento favorável, bem assim na hipótese de erro de fato verificável do exame dos autos, defeito esse que se caracteriza quando a decisão rescindenda admitir um fato inexistente ou quando considerar inexistente um fato efetivamente ocorrido, sendo indispensável, num como noutro caso, que o fato não represente ponto controvertido sobre o qual o órgão jurisdicional deveria ter se pronunciado (art. 966, incs. VII e VIII). A legitimação para a ação rescisória pertence a quem foi parte no processo, ao seu sucessor a título universal ou singular, ao terceiro juridicamente interessado e àquele que não foi ouvido no processo em que era obrigatória sua intervenção. Igual legitimação possui o Ministério Público, se não foi ouvido no processo em que deveria intervir, se a decisão rescindenda é o efeito de simulação ou de colusão das partes com o objetivo de fraudar a lei, bem como em outros casos nos quais se imponha sua atuação (art. 967, inc. III). Além do pedido de rescisão da decisão transitada em julgado, a ação rescisória pode conter um pedido de novo julgamento da causa ao tribunal competente (art. 968), o que, contudo, não obsta o cumprimento do pronunciamento jurisdicional impugnado, exceto na hipótese de concessão da antecipação dos efeitos da tutela pretendida pelo legitimado ativo (art. 969). O direito de manejar a ação rescisória extingue-se em dois anos contados do trânsito em julgado da última decisão proferida no processo. Porém, se a demanda for ajuizada com apoio em prova nova (art. 966, inc. VII), o termo inicial desse prazo será contabilizado da data da descoberta do respectivo elemento de convicção, observado o prazo máximo de cinco anos contados do trânsito em julgado da última decisão proferida no processo. Na hipótese de simulação ou de colusão das partes, esse prazo começa a contar para o terceiro prejudicado e para o Ministério Público, que não interveio no processo, a partir da ciência de qualquer dessas duas práticas. 
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MACIEL, Daniel Baggio. Meios não recursais de impugnação de pronunciamentos jurisdicionais. Página eletrônica Isto é Direito. Janeiro de 2.015.
NOTA RELEVANTE: Este artigo foi composto segundo os dispositivos constantes do projeto de lei que institui o novo Código de Processo Civil. 

segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

A REMESSA NECESSÁRIA NO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

Inserido no capítulo que trata da sentença e da coisa julgada, o artigo 496 do novo Código disciplina o instituto denominado "remessa necessária", também chamado "reexame de ofício" pela literatura e cuja origem está associada ao direito lusitano, que o instituiu no ano de 1.355 para coibir excessos praticados por magistrados em processos penais. Após sua recepção pelas ordenações portuguesas, a remessa necessária foi prevista inicialmente pela Lei nº 4 de 1.931, que impôs ao juiz a incumbência de apelar das sentenças que emitisse contra a Fazenda Pública (art. 90). O Código de 1.939 a denominou "apelação necessária" e obrigou sua incidência sobre a sentença que declarasse a nulidade do casamento, que homologasse o desquite amigável e para aquela que fosse desfavorável à União, Estado ou Município (art. 822). O Decreto-lei nº 779/69 deferiu-lhe o rótulo de "recurso ordinário ex officio" e determinou sua aplicação às sentenças trabalhistas contrárias à União, aos Estados, ao Distrito Federal, aos Municípios, assim também às respectivas autarquias e fundações que não explorassem atividade econômica (art. 1º, inc. V). Acertadamente, o Código de 1.973 deixou de considerá-la um recurso e passou a tratá-la como uma condição de eficácia da sentença desfavorável à Fazenda Pública, vale dizer, como uma espécie de requisito indispensável para o cumprimento da sentença contrária às pessoas jurídicas que participam desse gênero. A propósito, a primeira parte do artigo 496 do Código de 2.015 estabelece que está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de confirmada pelo tribunal, a sentença proferida contra a União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios, suas respectivas autarquias e fundações de direito público, bem assim a sentença que julgar procedentes, no todo ou em parte, os embargos à execução fiscal. Com essa previsão, o artigo 496 impõe ao juiz o dever de remeter os autos do processo ao tribunal competente quando sentenciar em desfavor da Fazenda Pública, a fim de que seu pronunciamento seja revisado e, se for o caso, confirmado pelo órgão judicial do segundo grau de jurisdição, sem o que o julgado não poderá ser cumprido. Porque obrigatória, não sujeita a contraditório e desvinculada dos pressupostos de admissibilidade dos recursos, a remessa necessária não está compreendida no capítulo que o Código dedica a eles e continua a ser tratada como uma condição de eficácia da sentença proferida contra a Fazenda Pública. Ademais, diferentemente dos recursos, ela não está vinculada ao apontamento de qualquer vício na sentença e é impulsionada mediante um mero despacho com que o juiz ordena o encaminhamento dos autos ao tribunal, após decidir eventuais embargos de declaração e oportunizar o contraditório na apelação porventura interposta por algum legitimado. Contudo, se o juiz omitir, retardar ou recusar a remessa dos autos nos casos previstos no artigo 496, o presidente do respectivo tribunal deverá avocá-los, o que fará de ofício ou assim que recepcionar a petição intermediária com que a parte, o assistente, o "custos legis" ou mesmo o terceiro prejudicado noticiar-lhe o fato (art. 496, § 1º). Aliás, o exercício desse poder não afasta a responsabilidade civil do magistrado que proceder com dolo ou fraude, assim também na hipótese de culpa pela recusa, omissão ou retardamento, caso em que sua responsabilidade apenas será verificada depois que o legitimado postular a mencionada remessa e o requerimento não for apreciado no prazo de dez dias (art. 143). Seja como for, a remessa necessária não tem qualquer relação de dependência com a apelação manejável por aquele que experimentar algum prejuízo jurídico decorrente da sentença, além do que ambas podem coexistir normalmente, o que obrigará o tribunal a decidi-las na mesma sessão de julgamento. Embora a primeira parte do artigo 496 imponha a revisão obrigatória da sentença contrária à Fazenda Pública, nos parágrafos 3º e 4º estão relacionadas várias situações em que ela é dispensada para que o julgado possa ser efetivado. Com efeito, o § 3º desobriga a remessa oficial quando a condenação ou o proveito econômico obtido na causa for de valor certo e inferior a mil salários mínimos para União e as respectivas autarquias e fundações de direito público; quinhentos salários mínimos para os Estados, o Distrito Federal, as respectivas autarquias e fundações de direito público, assim também para os Municípios que constituam capitais dos Estados; cem salários mínimos para todos os demais municípios e respectivas autarquias e fundações de direito público. Abandonando completamente o critério econômico empregado no § 3º, o § 4º também repudia a remessa oficial quando a sentença estiver fundada em súmula de tribunal superior; acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recursos repetitivos; entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência; entendimento coincidente com orientação vinculante firmada no âmbito administrativo do próprio ente público, consolidada em manifestação, parecer ou súmula administrativa. Examinadas essas previsões normativas, resta acrescentar que o artigo 496 não é o único dispositivo que impõe ao juiz o dever de submeter sua sentença à revisão pelo tribunal do segundo grau de jurisdição. Igual obrigatoriedade também existe para a sentença que concluir pela carência ou improcedência da ação popular (Lei nº 4.717/65, art. 19), que julgar procedente o pedido no mandado de segurança (Lei nº 12.016/2009, art. 14, § 1º), que for contrária ao requerente do cancelamento de matrícula e registro de imóvel rural vinculado a título nulo de pleno direito (Lei nº 6.739/79, art. 3º, parágrafo único), que condenar o Poder Público em ação visando ao reconhecimento de direito dos funcionários dos serviços administrativos das câmaras do Congresso Nacional ou dos Tribunais Federais (Lei nº 2.664/55, art. 1º, § 2º), que for proferida nos casos estabelecidos nos artigos 3º e 4º da Lei nº 818/49 (que regula aquisição, a perda e a requisição de nacionalidade, bem como a perda dos direitos políticos), assim também para a sentença cautelar emitida contra pessoa jurídica de direito público ou seus agentes, que importe em outorga ou adição de vencimentos ou reclassificação funcional (Lei nº 8.437.92, art. 3º). Por último, convém realçar que não existe a remessa necessária nos processos da competência do Juizado Especial Federal (Lei nº 10.259/2001, art. 13) e do Juizado Especial da Fazenda Pública (Lei nº 12.153/2009, art. 27), assim também que o relator do recurso tem poder para decidi-la monocraticamente nos casos previstos pelos incisos IV e V do artigo 945 (Súmula 253 do STJ) e que, ao julgá-la, é vedado ao tribunal agravar a condenação imposta à Fazenda Pública, entendimento esse consagrado pela Súmula 45 do Superior Tribunal de Justiça na vigência do Código de 1.973, mas que deve ser mantido sob a égide do Código de 2.015.
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MACIEL, Daniel Baggio. A remessa necessária no novo Código de Processo Civil. Página eletrônica Isto é Direito. Janeiro de 2015.
NOTA RELEVANTE: Este artigo foi composto segundo os dispositivos constantes do projeto de lei que institui o novo Código de Processo Civil. 

quarta-feira, 7 de janeiro de 2015

PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DOS RECURSOS NO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

São vários os princípios que justificam e orientam o sistema recursal do novo Código de Processo Civil. Dentre eles estão os princípios do duplo grau de jurisdição, da taxatividade, da unirrecorribilidade e da proibição de reformatio in pejus. Fortuitamente, como será demonstrado no final desse artigo, o novo Código também poderá tolerar a incidência do princípio da fungibilidade recursal. Por razões didáticas, cada um deles será examinado separadamente na sequência. O princípio do duplo grau de jurisdição - A leitura do inciso LV do artigo 5º da Constituição Federal permite identificar o devido processo legal como o principal valor jurídico assimilado pela Assembleia Nacional Constituinte de 1987-1988 para caracterizar os modelos de direito processual e de estrutura judiciária adotados pelo Brasil. Fala-se nesses dois modelos porque seria impossível cumprir a garantia constitucional do devido processo legal sem a concepção de uma legislação processual que compreendesse as cláusulas fundamentais da inafastabilidade da jurisdição, do contraditório, da ampla defesa, da publicidade dos atos processuais, da motivação das decisões judiciais, bem como um conjunto de direitos, deveres e ônus titularizados pelos sujeitos do processo, a fim de que todo direito material ou processual pudesse ser tutelado pelo Poder Judiciário com os predicados da segurança, eficiência e justiça. Além disso, esse mesmo superprincípio também exige que o nosso ordenamento legal conceba um sistema judiciário cuja organização funcione de modo a executar concretamente o paradigma de direito processual definido pela Constituição Federal. Longe de serem inéditas, essas observações permitem a conclusão de que não há como efetivar a garantia do devido processo legal sem possibilitar, mediante recursos dirigidos a outra instância judiciária, a revisão das decisões emanadas do primeiro grau de jurisdição, quando estas forem suspeitas de error in judicando ou error in procedendo, pois é certo que a criação de restrições indiscriminadas ao direito de recorrer ao segundo grau de jurisdição aniquilaria uma significativa parcela dos atributos que o processo judicial precisa reunir para ser considerado devido. Por esses motivos, ninguém pode duvidar que o duplo grau de jurisdição constitui um valor congênito ao princípio constitucional do devido processo legal. Ademais, é importante observar que o artigo 92 da Constituição Federal empregou sucessivas vezes a mesma fórmula ao instituir os juízes e os tribunais regionais federais, os juízes e os tribunais do trabalho, os juízes e os tribunais eleitorais, os juízes e os tribunais militares, os juízes e os tribunais dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios, fórmula essa que constituiu diferentes graus de jurisdição justamente para poder concretizar o imperativo constitucional contido no inciso LV do artigo 5º e permitir a revisão das decisões judiciais, notadamente daquelas proferidas no primeiro grau de jurisdição. Mas as evidências da natureza constitucional do princípio do duplo grau de jurisdição não se esgotam nessas constatações. Com efeito, perceba que a Constituição Federal possui vários dispositivos que disciplinam as competências dos tribunais e não esconde a preocupação de proporcionar o acesso dos jurisdicionados a uma segunda instância judiciária, para a revisão das decisões resultantes do primeiro grau de jurisdição. Com efeito, na aliena “a” do inciso II do artigo 102 o texto constitucional defere ao Supremo Tribunal Federal a competência para julgar o recurso ordinário manejado contra decisão denegatória de habeas-corpus, habeas-data, mandado de injunção ou mandado de segurança da competência originária dos tribunais superiores, vale dizer, quando estes tribunais atuarem como órgãos judiciais de única instância no julgamento dessas quatro ações constitucionais. Já a alínea “b” do inciso II do artigo 105 da Constituição da República atribui ao Superior Tribunal de Justiça a competência para julgar recurso ordinário interposto contra decisão denegatória em mandado de segurança decidido em única instância pelos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios. Isso significa que também se insere nas funções do Superior Tribunal de Justiça o exercício de competência típica de um órgão judicial situado no segundo grau de jurisdição. Por sua vez, o inciso II do artigo 108 da Constituição Federal confere aos tribunais regionais federais a competência para julgar, em sede de recurso e no segundo grau de jurisdição, as causas decididas pelos juízes federais e pelos juízes estaduais no exercício da competência federal da área de sua jurisdição, o que robustece ainda mais a tese de que o duplo grau de jurisdição é um princípio constitucional. Por simetria ao inciso II do artigo 108 e porque o artigo 125 da Constituição Federal determinou que os Estados organizassem suas próprias Justiças com observância dos princípios nela estabelecidos, as Constituições Estaduais e as leis locais de organização judiciária devem conter dispositivos semelhantes atribuindo aos respectivos tribunais a competência para julgar, em grau de recurso, as causas decididas no primeiro grau de jurisdição pelos juízes de direito. Colocada a questão nesses termos, ao contrário das conclusões a que chegou o ministro MOREIRA ALVES no agravo regimental interposto no agravo de instrumento nº 151.641-CE, não se diga que os referidos dispositivos constitucionais encerram meras regras de competência, sem lastro nos princípios que vertem da Constituição Federal. Com a devida vênia daqueles que defendem a tese preconizada pelo Supremo Tribunal Federal, tomá-la em comunhão implica reduzir a hermenêutica constitucional a um singelo ato de leitura da norma, alheio à eficácia de vários outros métodos de interpretação normativa, entre os quais estão o sistemático, o histórico, o lógico e o autêntico. Em verdade, no atual estágio da consciência jurídica alçada pela doutrina brasileira, a única discussão legítima que se pode admitir em torno do duplo grau de jurisdição não reside propriamente na natureza constitucional desse princípio, mas sim em que circunstâncias e até que ponto ele pode ser mitigado quando concorrer com outra garantia constitucional, a exemplo da razoável duração do processo e da efetividade das decisões judiciais. Uma franca demonstração de que podem ocorrer situações em que dois ou mais princípios constitucionais de direito processual aparentemente se antagonizam está nos parágrafos 3º e 4º do artigo 1.013 do Código de Processo Civil, que autorizam o tribunal a julgar desde logo o mérito do processo, sem devolver os autos à instância de origem, quando prover a apelação para reformar a sentença apoiada no artigo 485, decretar a nulidade da sentença que não guardar congruência com os limites do pedido ou da causa de pedir, constatar a omissão no exame de um dos pedidos, decretar a nulidade da sentença por falta de fundamentação ou reformar aquela que reconhecer a decadência ou a prescrição. Nessa particular situação, não é difícil constatar a prevalência do princípio da razoável duração do processo, pois o pedido inicial será decidido em única instância. Contudo, se o processo não estiver em condições de imediato julgamento, o tribunal deverá restituir os autos ao juiz da causa para a emissão da sentença de mérito, contra a qual caberá nova apelação, o que fará prevalecer o duplo grau de jurisdição sobre aquela garantia constitucional. Com esse simples exemplo, fica claro que o duplo grau de jurisdição é um princípio intimamente associado à segurança jurídica e que, ademais, é absolutamente natural a concorrência episódica dele com outros valores igualmente constitucionais relacionados ao direito processual civil. Portanto, o que verdadeiramente importa ao legislador infraconstitucional é a identificação das grandezas jurídicas em jogo nessas situações fortuitas e o equacionamento de todas elas à luz do devido processo legal. Entretanto, isso não autoriza negar ao duplo grau de jurisdição o status de princípio constitucional, ainda que se imponham a ele flexibilidades que não comprometam a segurança do processo, mesmo porque se é certo que a legislação processual ainda comporta aperfeiçoamentos tendentes a agregar velocidade à prestação jurisdicional, é igualmente correto que as maiores causas da demora nos serviços forenses estão ligadas à incúria do Estado de bem aparelhar e administrar o Poder Judiciário. O princípio da taxatividade - Certo de que os processos judiciais servem à resolução de situações jurídicas problemáticas que não foram ou não puderam ser solucionadas no plano extrajudicial, a Constituição Federal preocupou-se em garantir uma duração razoável para eles (CF, art. 5º, inc. LXXVIII), com o objetivo de promover a pacificação social e a segurança das relações jurídicas entre os indivíduos. Naturalmente, a busca pela duração razoável dos processos impõe a necessidade de limitar as espécies recursais admissíveis pelo sistema legal brasileiro e as situações em que elas podem ser manejadas, sob pena de contribuir para a eternização dos conflitos de interesses. É por essas razões que os recursos existem em número taxativo dentro do nosso ordenamento jurídico, o que permite a conclusão de que os litigantes não têm poder para criar outras modalidades recursais além daquelas previstas em lei. No Código de Processo Civil, os recursos catalogados pelo artigo 994 são a apelação, o agravo de instrumento, o agravo interno, os embargos de declaração, o recurso ordinário, o recurso especial, o recurso extraordinário, o agravo em recurso especial e em recurso extraordinário, bem como os embargos de divergência. Porém, estes não são os únicos recursos existentes no processo civil, já que existem leis extravagantes disciplinando outras espécies e o artigo 1.070 do Código torna legítimos os agravos previstos nos regimentos internos dos tribunais. A título de exemplo, os artigos 41 a 43 da Lei nº 9.099/95 regulam o recurso inominado da sentença com ou sem resolução de mérito emanada de Juizado Especial Cível, ao passo que o artigo 34 da Lei nº 6.830/80 tipifica os embargos infringentes da sentença proferida em execução fiscal de valor igual ou inferior a cinquenta Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional, considerando o montante da dívida monetariamente atualizado, assim também os acréscimos de multa, juros de mora e demais encargos legais, na data da distribuição da petição inicial. Porque apenas são considerados recursos os instrumentos legais que a legislação especifica como tal, os requerimentos de reconsideração oponíveis contra certas decisões interlocutórias, a remessa oficial prevista pelo artigo 496 e a correição parcial encontrada nos regimentos internos dos tribunais não têm caráter recursal, ainda que exerçam finalidades semelhantes. O princípio da unirrecorribilidade - O princípio da unirrecorribilidade impede que o mesmo legitimado interponha, simultaneamente, dois ou mais recursos contra a mesma decisão, ainda que o pronunciamento impugnado apresente uma variedade de defeitos que justifique o uso de diferentes modalidades recursais. Em outros termos, diante de um ato decisório, cada legitimado só pode interpor um único recurso na mesma oportunidade processual, sob pena de não recebimento daquele que for apresentado na sequência do primeiro. Contudo, não há que se falar em violação à singularidade recursal nos processos em que houver mais de um legitimado e cada um deles manejar apenas um recurso contra a mesma decisão, situação essa bastante frequente nos casos de sucumbência recíproca, litisconsórcio, assistência, intervenção do Ministério Público, assim também quando o pronunciamento decisório produz algum prejuízo jurídico para terceiro. Por força do princípio da unirrecorribilidade, se a decisão judicial veicular algum erro de julgamento ou de procedimento e for obscura, contraditória, omissa ou abrigar algum erro material, o legitimado precisará opor em primeiro lugar os embargos de declaração, a fim de esclarecê-la, integrá-la ou corrigi-la materialmente, até porque a interposição dos aclaratórios interrompe os prazos dos demais recursos para o embargante (art. 1.026). Decididos os embargos e intimado o recorrente, volta a contar por inteiro o prazo para o oferecimento do recurso sucessivo tendente à neutralização do erro de julgamento ou de procedimento. Na sistemática adotada pelo Código de 2.015, a interposição dos embargos de declaração contra a sentença do juizado especial cível também interrompe o prazo do recurso inominado, que é de 10 dias contados da ciência da decisão (art. 1.066). Por essa razão, decididos os aclaratórios e intimado o recorrente, o prazo daquele recurso é restabelecido integralmente (Lei nº 9.099/95, art. 50). Situação similar ocorre com os embargos de divergência, quando apresentados no Superior Tribunal de Justiça, pois a interposição deles também interrompe o prazo do recurso extraordinário. Porém, ao contrário do que ocorre com os embargos de declaração, essa interrupção beneficia não só o recorrente, mas todos os legitimados recursais, embora o § 1º do artigo 1.044 apenas faça referência às partes. Portanto, publicada a decisão nos embargos de divergência, inicia-se novamente o prazo de quinze dias para a interposição daquele recurso ao Supremo Tribunal Federal. Por último, registre-se que a única exceção ao princípio da unirrecorribilidade está prevista no artigo 1.031, que permite a interposição conjunta do recurso especial e do recurso extraordinário quando o recorrente afirmar que a decisão impugnada ofendeu, simultaneamente, norma constitucional e de direito federal. O princípio da vedação da reformatio in pejus - O princípio da vedação da reformatio in pejus é uma decorrência do princípio dispositivo, cuja acepção clássica defere às partes toda iniciativa relacionada à instauração e ao desenvolvimento do processo, o que inclui o poder para desistir da ação, deixar de alegar fatos que possam prejudicá-las no julgamento deste, restringir a atuação jurisdicional conforme o pedido formulado, não produzir provas além daquelas que são do seu interesse, prerrogativas essas que limitam sobremodo o espaço dentro do qual os órgãos judiciais podem se movimentar no processo, mas que se justificam parcialmente devido à necessidade de garantir a impartialidade com que os juízes e tribunais devem exercer suas funções, bem como a imparcialidade dos magistrados neles investidos. Antes mesmo da adoção do modelo social do processo, o princípio dispositivo já havia sofrido importantes mitigações pela legislação processual, pois a influência desmedida dele é capaz de enredar situações de iniquidade na composição das lides submetidas à apreciação do Poder Judiciário. Tanto é assim que o artigo 2º do Código de 2.015 preocupou-se em reproduzir a fórmula encontrada no artigo 262 do Código de 1.973 e atribuiu ao juiz o poder para impulsionar a tramitação do processo, não obstante defira à parte a prerrogativa de promover-lhe o início mediante o ajuizamento da ação adequada. Outro relevante abrandamento do princípio dispositivo encontra-se no artigo 370 do novo Código, pois nele há a previsão de que cabe ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias ao julgamento do mérito, razão pela qual o órgão judicial não permanece adstrito às provas pretendidas pelas partes e pode ordenar a produção de outras tendentes a revelar a verdade real. Apesar das restrições que sofreu ao longo do tempo, o princípio dispositivo ainda está presente em várias passagens do Código de 2.015. A título de exemplo, o artigo 141 estabelece que o juiz decidirá o mérito do processo nos limites propostos pelas partes, sendo-lhe vedado conhecer de questões não suscitadas e a cujo respeito a lei exige iniciativa da parte. Por sua vez, o artigo 492 proíbe o juiz de proferir decisão de natureza diversa da pedida e de condenar a parte em quantidade superior ou em objeto diverso do que lhe foi demandado, vedação essa que também se aplica aos tribunais, assim como a regra contida no artigo 141. Com essas considerações, fica claro que o exercício da atividade jurisdicional normalmente permanece subordinado à provocação da parte, que tem o poder de delimitar a atuação dos órgãos judiciais, conforme o pedido que apresentar a eles. É exatamente daí que decorre a impossibilidade de o juiz ou tribunal decidir qualquer recurso de modo a agravar a situação jurídica do sucumbente recíproco que recorrer sozinho, pois a falta de pretensão recursal da outra parte limita a operação do órgão judicial competente para o julgamento e atrai a proibição da reformatio in pejus. A propósito, sabe-se que as decisões judiciais podem impor derrotas simultâneas a ambas as partes, caso em que elas estão autorizadas a recorrer para tentar eliminar a prejuízo provocado pelo pronunciamento impugnado. Quando ambas manejarem recursos, o julgamento destes poderá acarretar a modificação da decisão recorrida para colocar qualquer dos recorrentes em uma situação jurídica mais vantajosa do que aquela em que ele se encontrava, do que decorrerá o natural agravamento da situação da parte contrária, sem que se possa falar na proibição da reformatio in pejus. No entanto, se houver sucumbência recíproca e apenas uma das partes recorrer, o julgamento da respectiva pretensão não poderá piorar a situação jurídica do recorrente, mesmo porque a parte antagônica não formulou pedido recursal nesse sentido. Fala-se, pois, no princípio da vedação da reformatio in pejus. À guisa de exemplo, imagine uma ação de conhecimento em que o autor postule a condenação do réu ao pagamento de R$100.000,00 de indenização por danos materiais e que a sentença julgue parcialmente procedente o pedido inicial para impor ao demandado a obrigação de pagar apenas R$50.000,00. Neste caso, se apenas o autor apelar da sentença, é vedado ao tribunal reduzir o valor arbitrado na primitiva decisão, pois o réu se absteve de recorrer para tanto. Apesar de corresponder a um princípio fundamental dos recursos, a vedação da reformatio in pejus comporta exceção, pois há determinadas matérias que os órgãos judiciais estão autorizados a declarar independentemente de alegação do recorrido, caso em que haverá o agravamento da situação jurídica do recorrente, mesmo sem recurso da parte contrária. As matérias que podem ser conhecidas de ofício são chamadas de ordem pública e estão ligadas às condições da ação, aos pressupostos processuais, aos requisitos de admissibilidade dos recursos, além da prescrição, da decadência e daquelas relacionadas no artigo 337, exceto a convenção de arbitragem e a incompetência relativa. Portanto, também são matérias de ordem pública a inexistência ou a nulidade da citação, a incompetência absoluta, a incorreção do valor da causa, a inépcia da petição inicial, a perempção, a litispendência, a coisa julgada, a conexão, a incapacidade da parte, o defeito de representação, a falta de autorização, a ausência de legitimidade, de interesse processual, de caução ou de outra prestação que a lei exige com preliminar, bem assim a concessão indevida do benefício da gratuidade da justiça, matérias essas que não se sujeitam à preclusão em virtude do § 5º do artigo 337 e do § 3º do artigo 485. Por último, registre-se que a Súmula 45 do Superior Tribunal de Justiça, embora editada sob a égide do Código de 1.973, proíbe o tribunal de agravar a condenação da Fazenda Pública no julgamento da remessa necessária, que agora se acha prevista pelo artigo 507 do novo Código. O princípio da fungibilidade recursal - Como será demonstrado com maior verticalidade quando examinarmos o juízo de admissibilidade dos recursos, o recebimento deles para processamento e julgamento sempre fica na dependência do preenchimento de um conjunto de pressupostos, dentre os quais se acha a adequação recursal, que consiste na utilização do instrumento processual compatível com o pronunciamento decisório que se pretende impugnar e com a espécie de vício indicado pelo recorrente. É assim porque a legislação processual prevê uma razoável gama de recursos, uma variedade de decisões judiciais passíveis de revisão, uma diversidade de defeitos que podem caracterizá-las e considera todos esses componentes na definição da modalidade recursal apropriada para cada situação, o que retira dos respectivos legitimados o poder de escolher aleatoriamente qual recurso manejar e obsta o recebimento da espécie inadequada ao caso concreto. Apesar da admissibilidade dos recursos depender da adequação deles, o Código de 1.939 veiculava uma importante regra de abrandamento desse pressuposto legal, quando estabelecia que, salvo na hipótese de erro grosseiro ou má-fé, a parte não seria prejudicada pela interposição de um recurso em lugar de outro e que os respectivos autos deviam ser enviados à turma ou câmara competente para o julgamento (art. 810). Para essa possibilidade excepcional de aceitação de um recurso por outro, a doutrina atribuiu o nome de fungibilidade recursal e continuou a admiti-la na vigência do Código de 1.973, não obstante a ausência de previsão expressa nesse sentido, contanto que se caracterizasse dúvida objetiva sobre qual recurso interpor. A propósito, existe esse padrão de dúvida sempre que a legislação não detalhar a natureza do pronunciamento judicial passível de impugnação ou não especificar o recurso manejável contra ele, ocasionando divergências nos campos doutrinário e jurisprudencial. Assim como o Código de 1.973, o Código de 2.015 não disciplinou a fungibilidade recursal em termos abrangentes, o que deve ser entendido como um silêncio normativo eloquente, posto que pautado na ideia de que a aplicação da nova legislação processual não suscitará dúvidas objetivas a respeito da adequação dos recursos, em razão da sua aparente simplicidade. No entanto, vale a advertência de que não é a primeira vez que se realiza uma conjectura legislativa com essa magnitude e que somente o cotidiano forense será capaz de experimentá-la, quer para descartar a ampla adoção desse princípio ou para repristiná-lo com o mesmo vigor que lhe foi atribuído nas últimas décadas. As duas únicas situações em que o novo estatuto tolera a fungibilidade recursal estão no parágrafo 3º do artigo 1.024 e no artigo 1.032. O primeiro deles permite que o órgão julgador conheça dos embargos de declaração como agravo interno, se entender ser este o recurso cabível, caso em que deverá determinar previamente a intimação do recorrente para, no prazo de cinco dias, complementar as razões recursais, de modo a ajustá-las às exigências do artigo 1.021, parágrafo 1º. Por sua vez, o artigo 1.032 estabelece que o relator do recurso especial deve conceder o prazo de quinze dias para que o recorrente demonstre a existência da repercussão geral e se manifeste sobre a questão constitucional versada no processo, caso se convença de que a decisão recorrida comporta recurso extraordinário, operando uma autêntica substituição entre eles.
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MACIEL, Daniel Baggio. Os princípios fundamentais dos recursos no novo Código de Processo Civil. Página eletrônica Isto é Direito. Janeiro de 2015.
NOTA RELEVANTE: Este artigo foi composto segundo os dispositivos constantes do projeto de lei que institui o novo Código de Processo Civil. 

sábado, 3 de janeiro de 2015

A VEDAÇÃO DA REFORMATIO IN PEJUS NO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

O princípio da vedação da reformatio in pejus é uma decorrência do princípio dispositivo, cuja acepção clássica defere às partes toda iniciativa relacionada à instauração e ao desenvolvimento do processo, o que inclui o poder para desistir da ação, deixar de alegar fatos que possam prejudicá-las no julgamento deste, restringir a atuação jurisdicional conforme o pedido formulado, não produzir provas além daquelas que são do seu interesse, prerrogativas essas que limitam sobremodo o espaço dentro do qual os órgãos judiciais podem se movimentar no processo, mas que se justificam parcialmente devido à necessidade de garantir a impartialidade com que os juízes e tribunais devem exercer suas funções, bem como a imparcialidade dos magistrados neles investidos. Antes mesmo da adoção do modelo social do processo, o princípio dispositivo já havia sofrido importantes mitigações pela legislação processual, pois a influência desmedida dele é capaz de enredar situações de iniquidade na composição das lides submetidas à apreciação do Poder Judiciário. Tanto é assim que o artigo 2º do novo Código preocupou-se em reproduzir a fórmula encontrada no artigo 262 do Código de 1.973 e atribuiu ao juiz o poder para impulsionar a tramitação do processo, não obstante defira à parte a prerrogativa de promover-lhe o início mediante o ajuizamento da ação adequada. Outro relevante abrandamento do princípio dispositivo encontra-se no artigo 370 do novel estatuto, pois nele há a previsão de que cabe ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias ao julgamento do mérito, razão pela qual o órgão judicial não permanece adstrito às provas pretendidas pelas partes e pode ordenar a produção de outras tendentes a revelar a verdade real. Apesar das restrições que sofreu ao longo do tempo, o princípio dispositivo ainda está presente em várias passagens do novo Código. A título de exemplo, o artigo 141 estabelece que o juiz decidirá o mérito do processo nos limites propostos pelas partes, sendo-lhe vedado conhecer de questões não suscitadas e a cujo respeito a lei exige iniciativa da parte. Por sua vez, o artigo 492 proíbe o juiz de proferir decisão de natureza diversa da pedida e de condenar a parte em quantidade superior ou em objeto diverso do que lhe foi demandado, vedação essa que também se aplica aos tribunais, assim como a regra contida no artigo 141. Com essas considerações, fica claro que o exercício da atividade jurisdicional normalmente permanece subordinado à provocação da parte, que tem o poder de delimitar a atuação dos órgãos judiciais, conforme o pedido que apresentar. É exatamente daí que decorre a impossibilidade de o juiz ou tribunal decidir qualquer recurso de modo a agravar a situação jurídica do sucumbente recíproco que recorrer sozinho, pois a falta de pretensão recursal da parte oposta limita a operação do órgão judicial competente para o julgamento e atrai a proibição da reformatio in pejus. A propósito, sabe-se que as decisões judiciais podem impor derrotas simultâneas a ambas as partes, caso em que elas estão autorizadas a recorrer para tentar eliminar a prejuízo provocado pelo pronunciamento impugnado. Quando ambas manejarem recursos, o julgamento destes poderá acarretar a modificação da decisão recorrida para colocar qualquer dos recorrentes em uma situação jurídica mais vantajosa do que aquela em que ele se encontrava, do que decorrerá o natural agravamento da situação da parte contrária, sem que se possa falar na proibição da reformatio in pejus. No entanto, se houver sucumbência recíproca e apenas uma delas recorrer, o julgamento da respectiva pretensão não poderá piorar a situação jurídica do recorrente, mesmo porque a parte antagônica não formulou pedido recursal nesse sentido. Fala-se, pois, no princípio da vedação da reformatio in pejus. À guisa de exemplo, imagine uma ação de conhecimento em que o autor postule a condenação do réu ao pagamento de R$100.000,00 de indenização por danos materiais e que a sentença julgue parcialmente procedente o pedido inicial para impor ao demandado a obrigação de pagar R$50.000,00. Neste caso, se apenas o autor apelar da sentença, é vedado ao tribunal reduzir o valor arbitrado no primitivo julgamento, pois o réu se absteve de recorrer para tanto. Apesar de corresponder a um princípio fundamental dos recursos, a vedação da reformatio in pejus comporta exceção, pois há determinadas matérias que os órgãos judiciais estão autorizados a declarar independentemente de alegação, caso em que haverá o agravamento da situação jurídica do recorrente, mesmo sem recurso da parte contrária. As matérias que podem ser conhecidas de ofício são chamadas de ordem pública e estão ligadas às condições da ação, aos pressupostos processuais, aos requisitos de admissibilidade dos recursos, além da prescrição, da decadência e daquelas relacionadas no artigo 338, exceto a incompetência relativa. Portanto, também são matérias de ordem pública a inexistência ou a nulidade da citação, a incompetência absoluta, a incorreção do valor da causa, a inépcia da petição inicial, a perempção, a litispendência, a coisa julgada, a conexão, a incapacidade da parte, o defeito de representação, a falta de autorização, a ausência de legitimidade, de interesse processual, de caução ou de outra prestação que a lei exige com preliminar, assim também a concessão indevida do benefício da gratuidade da justiça, matérias essas que não se sujeitam à preclusão para o órgão julgador, em virtude do § 5º do artigo 337 e do § 3º do artigo 485. Por último, registre-se que a Súmula 45 do Superior Tribunal de Justiça, embora editada sob a égide do Código de 1.973, proíbe o tribunal de agravar a condenação da Fazenda Pública no julgamento da remessa necessária, que agora se acha prevista pelo artigo 496 do novo Código.
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MACIEL, Daniel Baggio. O princípio da vedação da reformatio in pejus no novo Código de Processo Civil. Página eletrônica Isto é Direito. Janeiro de 2015.
NOTA RELEVANTE: Este artigo foi composto segundo os dispositivos constantes do projeto de lei que institui o novo Código de Processo Civil.