sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

NOÇÕES INTRODUTÓRIAS AOS RECURSOS NO NOVO CPC

A palavra recurso tem origem no latim recursus e sua acepção popular designa o ato de buscar socorro ou proteção. Porém, quando empregada no sentido que lhe empresta o direito processual, ela identifica um instrumento legal e facultativo, vocacionado a desencadear a revisão de decisões judiciais, dentro dos próprios processos em que elas foram emitidas, a fim de reformá-las, declará-las nulas, esclarecê-las, completá-las ou, simplesmente, corrigir algum erro material. Mais do que uma simples definição, essa noção fundamental considera várias características encontradas nos recursos e permite não só compreendê-los, como também diferenciá-los de outros meios legais que, semelhantemente, podem ser usados para a impugnação de decisões judiciais, embora de modo atípico. Quando afirmamos que os recursos são instrumentos legais, pretendemos enfatizar que somente possuem índole recursal os expedientes processuais que a legislação considera como tal. Isso significa que os demais institutos que a lei deixa de especificar sob esse rótulo não são genuínos recursos, mesmo que eles possam acarretar, circunstancialmente, a revisão de pronunciamentos decisórios, a exemplo do que ocorre com os usuais requerimentos de reconsideração apresentados contra certas decisões interlocutórias. Por seu turno, a característica da facultatividade realça que os recursos são instrumentos legais de utilização voluntária por aqueles que pretendem a revisão de alguma decisão judicial, razão bastante para que a remessa necessária prevista pelo artigo 496 não participe desse gênero. A propósito, o referido dispositivo legal estabelece que está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de confirmada pelo tribunal, a sentença proferida contra a União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios, suas respectivas autarquias e fundações de direito público, assim também a sentença que julgar procedentes, no todo ou em parte, os embargos à execução fiscal. Portanto, nas situações previstas pelo artigo 496 e ressalvados os casos retratados nos §§ 3º e 4º, havendo ou não a interposição de recurso por algum legitimado, o juiz da causa tem o dever de remeter os autos ao tribunal competente para a revisão da sentença, cuja confirmação é indispensável para que o vencedor possa exigir da Fazenda Pública o cumprimento do julgado. Porque impositiva, essa remessa deve ser compreendida como uma mera condição de eficácia da sentença desfavorável a qualquer das pessoas jurídicas mencionadas, não como um recurso. Enfatizadas essas duas primeiras características dos recursos, é preciso observar que o manejo deles sempre pressupõe a existência de uma decisão judicial, motivo pelo qual não se pode cogitar da interposição de qualquer das espécies recursais contra pronunciamentos judiciais desprovidos de caráter decisório. Com efeito, os artigos 203 e 204 conceituam os pronunciamentos que os magistrados podem emitir durante os processos, assim as sentenças, as decisões interlocutórias, os despachos e os acórdãos, mas é importante adiantar que os despachos não são decisões e, por essa razão, não desafiam recurso. Nos moldes do § 1º do artigo 203, a sentença é o pronunciamento por meio do qual o juiz, com fundamento nos artigos 485 e 487, põe fim à fase cognitiva do procedimento comum, bem como extingue a execução. Conforme o § 2º, entende-se por decisão interlocutória todo pronunciamento judicial de natureza decisória que não se enquadre no conceito de sentença. Por sua vez, o § 3º considera despachos todos os demais pronunciamentos praticados pelo juiz no processo, de ofício ou a requerimento da parte. Finalmente, o artigo 204 atribui a denominação de acórdão ao julgamento colegiado proferido pelos tribunais. Embora aparentemente simples, esses quatro conceitos reclamam maiores reflexões, que serão realizadas em outra oportunidade. Por ora, é suficiente enfatizar que apenas as sentenças, as decisões interlocutórias e os acórdãos comportam recurso, pois somente eles possuem carga decisória e podem ser lesivos aos respectivos legitimados, quando enlevados por erro judicial, obscuridade, contradição, omissão ou imprecisão gráfica. Outra importante característica presente nos recursos é a de que eles são instrumentos endoprocessuais de impugnação de decisões judiciais. Isso significa que a interposição deles não inaugura um novo processo e se limita a dilatar o procedimento aplicável à relação processual que já se acha instaurada, o que particulariza os recursos quando confrontados com outros meios legais capazes de desencadear, em situações bastante específicas, a revisão de pronunciamentos decisórios viciados. A título de exemplo, quando se impetra um mandado de segurança para questionar determinada decisão judicial impassível de recurso com efeito suspensivo (Lei nº 12.016/2009, art. 5º, inc. II) ou quando se ajuíza uma ação rescisória para desconstituir alguma decisão de mérito transitada em julgado (art. 966), tem-se o início de um novo processo, distinto daquele em que foi proferido o pronunciamento decisório questionado, ao contrário das situações em que o legitimado interpõe determinado recurso. De outro lado, é preciso compreender que os recursos sempre objetivam a revisão de alguma decisão, quer pelo mesmo órgão jurisdicional que a proferiu ou por outro hierarquicamente superior, a depender da espécie recursal utilizada. Naturalmente, essa revisão é feita para determinada finalidade proposta pelo recorrente e pode abranger a reforma, a declaração de nulidade, o esclarecimento, o completamento ou, simplesmente, a correção de algum erro material apontado no pronunciamento decisório. Postula-se a reforma nos casos em que o recorrente afirmar a existência de error in judicando e almejar a modificação da decisão recorrida, para que seja colocado em uma situação jurídica mais vantajosa do que aquela em ele que se encontrava no pronunciamento judicial contrariado. Essa espécie de erro normalmente tem impacto no resultado da decisão e sempre decorre da compreensão equivocada do fato submetido à apreciação judicial, da valoração errônea da prova produzida sobre ele ou da aplicação incorreta do ordenamento jurídico ao caso concreto. Imagine, por exemplo, que determinado juiz profira sentença de improcedência do pedido declaratório de paternidade porque não atentou para as conclusões do exame hematológico efetivado por perito oficial, que concluiu pela existência da relação paterno-filial entre as partes. Em casos tais, o autor pode interpor o recurso de apelação e postular a reforma do julgado, a fim de que o tribunal do segundo grau de jurisdição reconheça o vínculo jurídico entre os litigantes. Pede-se a declaração de nulidade ou a cassação da decisão nas situações em que o recorrente indicar a ocorrência de error in procedendo em determinado ato judicial ou na dinâmica da relação processual, em prejuízo da segurança jurídica que deve caracterizar o processo. Fala-se no erro de atividade, em que o juiz ou tribunal deixa de observar a fórmula legal imposta para prática de algum ato processual, suprime a realização dele ou transgride a ritualística estabelecida em lei para o desenvolvimento do processo, comprometendo sua validade. À guisa de exemplo, é o que ocorre quando o juiz deixa de ordenar a intimação do réu para se manifestar sobre determinado documento que o autor fez juntar aos autos e, considerando-o na sentença, julga procedente o pedido inicial (art. 437, § 1º), assim também quando o juiz profere sentença desprovida de fundamentação (art. 489, inc. II e § 1º)Pretende-se o esclarecimento da decisão nas situações em que a redação dela apresentar alguma obscuridade ou contradição capaz de dificultar a compreensão do julgado ou tornar problemático o cumprimento dele. Há obscuridade quando a dicção do pronunciamento judicial não é suficiente inteligível e gerar incerteza quanto à sua correta interpretação. Verifica-se a contradição quando duas ou mais proposições inseridas na decisão são antagônicas, incompatíveis, inconciliáveis entre si. Pleiteia-se o completamento ou a integração do pronunciamento decisório quando nele houver alguma omissão acerca de ponto ou questão sobre o qual o órgão jurisdicional devia se pronunciar de ofício ou a requerimento, defeito este que pode se localizar na fundamentação, no dispositivo ou mesmo na ementa do acórdão, tal qual a obscuridade e a contradição. Exemplo clássico de omissão é o da sentença que decide os pedidos de reintegração de posse e de condenação em perdas e danos, mas deixa de examinar o requerimento para a imposição de medida necessária e adequada para evitar nova turbação ou esbulho (art. 555, parágrafo único). Finalmente, pede-se a correção de erro material quando houver na decisão alguma falha ou inexatidão gráfica em palavra, algarismo, símbolo ou pontuação, capaz de embaraçar a execução ou a observância dela, tal qual ocorre com a sentença que, ao decidir pedido de retificação de assento de nascimento, reproduz erroneamente o nome ou o sobrenome do promovente. Para fins introdutórios, só resta acrescentar que os pedidos de esclarecimento, completamento e correção de erro material apenas são compatíveis com os embargos de declaração (art. 1.022, incs. I, II e II), posto que as demais espécies recursais servem, exclusivamente, à declaração da nulidade ou à reforma das decisões judiciais, pretensões essas que podem ser postuladas isoladamente ou, a depender do caso concreto, em cumulação eventual. No novo Código de Processo Civil, além dos embargos de declaração, estão disciplinados os seguintes recursos: a apelação, o agravo de instrumento, o agravo interno, o recurso ordinário, o recurso especial, o recurso extraordinário, o agravo em recurso especial e em recurso extraordinário, bem como os embargos de divergência.
______________________
MACIEL, Daniel Baggio. Noções introdutórias aos recursos no novo Código de Processo Civil. Página eletrônica Isto é Direito, dezembro de 2014.
NOTA RELEVANTE: Este artigo foi composto segundo os dispositivos constantes do projeto de lei que institui o novo Código de Processo Civil.