Na vigência do Código de Processo Civil de
1973, é tarefa fácil definir a apelação. A partir da leitura do artigo 513,
qualquer pessoa é capaz de perceber que ela é um tipo de recurso manejável
contra a sentença com ou sem resolução de mérito (arts. 267 e 269).
Interpretando esse dispositivo legal a "contrario sensu", também não
é difícil concluir que não se pode utilizar a apelação para impugnar as demais
espécies decisórias, assim as decisões interlocutórias, os acórdãos e as
decisões unipessoais provenientes do tribunal, sejam elas intermediárias ou
finais. Apesar disso, é bom lembrar que nem toda sentença civil desafia
apelação. A propósito, o artigo 41 da Lei nº 9.099/95 somente admite recurso
inominado da sentença emanada de juizado especial cível, ao passo que o artigo
34 da Lei nº 6.830/80 apenas tolera embargos infringentes da sentença proferida
em execução fiscal de valor inferior a 50 OTN’s. Ademais, qualquer que seja o
procedimento aplicável ao processo civil, a sentença dele resultante é igualmente
recorrível mediante embargos de declaração, nos casos de obscuridade,
contradição ou omissão, a teor do artigo 535 da Lei dos Ritos, assim também na
hipótese de dúvida, nos termos do artigo 48 da Lei nº 9.099/95. Ressalvadas
essas exceções, é preciso acrescentar que apelação é vocacionada exclusivamente
à decretação de nulidade ou à reforma da sentença, o que impede a uso dela para
pretender o esclarecimento ou a integração do julgado, finalidades essas
pertencentes unicamente aos embargos de declaração. Diante dessas considerações
e segundo as disposições do Código de Processo Civil de 1973, pode-se
conceituar a apelação como o recurso adequado para postular, ao tribunal do
segundo grau de jurisdição, a reforma ou a invalidação da sentença suspeita de erro
de julgamento ou de procedimento praticado pelo juiz da causa. Contudo, bem
mais abrangente é o conceito da apelação no novo Código de Processo Civil, que
a disciplinou nos artigos 1009 a 1014. É assim porque o Código
projetado suprimiu o agravo retido previsto no Código de 1973 e enumerou, no
artigo 1015, as situações de cabimento do agravo de instrumento. Em
contrapartida, receando tornar irrecorríveis as decisões interlocutórias não
catalogadas nesse dispositivo legal e acabar franqueando a utilização de outros
meios de impugnação disponíveis no ordenamento jurídico (v.g. mandado de
segurança), o artigo 1009 do novo Código estabeleceu caberá apelação da
sentença (caput) e que as questões resolvidas na fase de conhecimento, se a
decisão a seu respeito não comportar agravo de instrumento, têm de ser
impugnadas através dela ou nas contrarrazões do apelado (§ 1º). Portanto, não
há dúvida de que o Código projetado ampliou significativamente a utilidade da
apelação, que pode ser definida como o recurso oponível da sentença com ou sem
resolução de mérito, mas que também é capaz de alcançar as decisões
interlocutórias proferidas na fase cognitiva, desde que imunes ao agravo de
instrumento. Com essa definição, fica claro não se pode cogitar da nova
apelação para contrariar apenas as decisões interlocutórias legalmente
imunizadas contra o agravo de instrumento, afinal, a dicção do § 1º do citado
artigo 1009 não deixa dúvida de que o legitimado recursal que pretender
atacá-las haverá de impugnar também a decisão com a qual o juiz da causa
encerrar a fase de conhecimento, isto é, a sentença. Também é digna de
comentário a parte final do referido parágrafo, pois nele se localiza a
previsão segundo a qual as decisões interlocutórias não indicadas no artigo
1015 poderão ser impugnadas nas contrarrazões da apelação. Isso significa que a
parte vitoriosa na sentença poderá atribuir natureza dúplice à resposta que
oferecer à apelação do sucumbente, utilizando-a como meio de defesa e também
como recurso das decisões interlocutórias irrecorríveis mediante agravo de
instrumento. Por seu turno, o prazo da apelação permaneceu fixado em 15
dias na codificação que se avizinha (art. 1003, § 5º), mas vale lembrar que o
Ministério Público, a Defensoria Pública, a União, os Estados, o Distrito
Federal, os Municípios e as respectivas autarquias e fundações públicas
desfrutam do prazo em dobro para recorrer (arts. 181, 183 e 186). Também
acabaram favorecidos por essa dobra de prazo os escritórios de prática jurídica
das faculdades de Direito reconhecidas na forma da lei e as entidades que
prestam assistência jurídica gratuita em razão dos convênios firmados com a
Defensoria Pública (art. 186, § 3º), além dos litisconsortes que tiverem
diferentes procuradores, de escritórios distintos (art. 229). No entanto, é
necessário advertir que cessa a contagem em dobro para os litisconsortes
quando, havendo apenas dois réus, somente um deles oferecer defesa (art. 229, §
1º), assim também nos processos cujos autos forem eletrônicos (§ 2º). No
tocante à regularidade formal, não é demasiado recordar que a apelação deve ser
endereçada ao respectivo tribunal e conter, sob pena de inadmissibilidade, os
nomes e a qualificação das partes, a exposição do fato e do direito, as razões
do pedido de reforma ou de decretação da nulidade, bem como o pedido de nova
decisão. Ademais, conforme também exige o artigo 1009 do Código projetado, ela
deve ser interposta mediante petição dirigida ao juiz da causa. As maiores
originalidades relacionadas a esse recurso se situam no procedimento
disciplinado pelo novo Código, afinal, ele retirou do juiz da causa a
competência residual para realizar o exame da admissibilidade do apelo e
declarar-lhe os efeitos, incumbências que acabaram transferidas ao relator, a
quem igualmente compete decidi-lo monocraticamente nas situações previstas nos
incisos III a V do artigo 932 (art. 1011, inc. I) ou, se não for o caso, elaborar seu voto para
julgamento do recurso pelo órgão colegiado (art. 1011, inc. II). Interposta a apelação,
o Código ora analisado estabelece que cumpre ao juiz de base despachá-la
ordenando a intimação do recorrido para apresentar contrarrazões no prazo de 15
dias, após o que se seguirá um novo despacho de remessa dos autos ao tribunal (art.
1010, § 3º). Espelhada na mesma fórmula do Código de 1973, a nova apelação também
possui o efeito suspensivo, ao menos em regra (art. 1012), mas a sentença
produzirá efeitos imediatos quando homologar a divisão ou a demarcação de
terras; condenar a pagar alimentos; extinguir em resolução de mérito ou julgar
improcedentes os embargos do executado; julgar procedente o pedido de
instituição de arbitragem; confirmar, conceder ou revogar tutela provisória;
decretar a interdição; assim também nas demais situações previstas em lei. Nos casos
em que a apelação não possuir efeito suspensivo, o § 3º do artigo 1012
permite ao recorrente requerê-lo ao tribunal até a distribuição do recurso ou
ao relator, se o apelo já se achar distribuído. Evidentemente, a suspensão da
eficácia da sentença não implica um poder discricionário para o relator, mas
sim vinculado à demonstração da probabilidade de provimento do recurso e à existência do risco de grave dano, de difícil ou incerta reparação (art. 995, par. único). O novo Código também repetiu a regra segundo a qual “tantum
devolutum quantum apellatum”, estabelecendo, no artigo 1013, que a apelação
devolverá ao tribunal o conhecimento da matéria impugnada. No tocante à
profundidade dessa devolução para exame, o § 1º do mencionado artigo assinala
que serão, porém, objeto de apreciação e julgamento pelo tribunal todas as
questões suscitadas e discutidas no processo, ainda que não tenham sido
julgadas por inteiro, ao passo que o parágrafo seguinte prevê que a apelação
devolverá ao tribunal o conhecimento de todos os fundamentos do pedido ou da
defesa. No mais, convém ressaltar que se acham no § 3º do artigo 1013 as
seguintes hipóteses de julgamento da causa madura, vale dizer, em que o
tribunal deverá decidir desde logo o mérito do processo, desde que a causa
esteja em condições de imediato julgamento: reforma da sentença fundada no
artigo 485; decretação de nulidade da sentença por não ser ela congruente com
os limites do pedido ou da causa de pedir; constatação da omissão no exame de
um dos pedidos; decretação de nulidade da sentença por falta de fundamentação.
Satisfeito o pressuposto da maturidade da causa, o § 4º do artigo 1013
igualmente determina que o tribunal julgue de plano o mérito do processo e
examine as demais questões suscitadas, sem determinar o retorno dos autos à
instância de base, quando reformar a sentença que reconhecer a decadência do
direito alegado ou a prescrição da correspondente pretensão. Finalmente, atento
ao princípio da estabilização da demanda, o artigo 1014 do Código projetado manteve
a regra do artigo 517 do Código de 1973 ao permitir que a parte alegue, na
apelação, questões de fato inéditas no processo, desde que prove não tê-lo
feito anteriormente por motivo de força maior, o que não significa uma
autorização para que ela inove a causa de pedir, senão apenas para que
acrescente fatos secundários ou acessórios, afinal, eventuais fatos essenciais
e supervenientes só poderão ser invocados nos limites do artigo 493.
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1. MACIEL, Daniel
Baggio. A apelação no novo Código de Processo Civil. Página eletrônica “Isto é
Direito”. Araçatuba, julho de 2014.